O Reino de Flores Noturnas

Inspirou-me uma melodia, um reino doce,distinto. Muros diáfanos de ametista, palácios grandiosos de sonhos triviais. Depois de vagar pelas ruas alguns instantes, percebe-se que sempre que os barcos partem nas noites cegas um clarão gigante invade as aldeias e se solidifica no centro vagarosamente, tornando permanente a luz que passa a jorrar de uma estátua de fantasma cristalizado.

Vendo o ocorrido, vem apressada, desviando pedras vivas uma noiva sem grinalda, pálida e amedrontada, entregar-se ao amado morador dos vales que a espera ansiosamente. Ela consegue alcançá-lo, ele a toma em seus braços rapidamente porque não é lícito viver sob a luz em tal reino.

A noite deslizante apontava rapidamente o próprio fim e a todos que habitavam no reino isso implicava perigo. Era sempre da mesma forma:todos corriam e terminavam seus afazeres antes da madrugada, saíam de casa tranquilos apenas na noite seguinte. Ninguém ousava alimentar sentimentos separatistas, alguns por temor, mas a maioria por dó do rosto deformado, cujos olhos não permitiam que ele fosse iluminado pelos pedaços de cristais que dignificam a noite.

Havia ainda um outro mistério:o esconderijo da criatura.Os sensitivos divulgavam que ela estava presente de uma maneira simples, era um método que os inertes não conseguiriam nunca compreender. A questão era que todo o reino fora varrido pelo olhos do povo e nada encontrado, e por isso, ainda que a noite fosse vivida como um dia comum, a atmosfera carregara-se, como se a criatura fosse a neblina ou a própria noite com braços feitos de falanges de astros em movimento, pernas feitas dos raios de luz prata,o tronco de um cristal rosilho coberto por um pálio de constelações...Quem saberia?

Estranha, a fixação da fera pelo dia, segundo os sábios fruto do temor atordoante do monstro, perante o poder da noite de revelar o interior. Fera triste, vítima de uma maldição secular que liquidou com igual frieza os poetas do reino antes que fosse dominado por tal maldição. Veio nas asas crepitantes de uma aurora tranquila e trouxe consigo as notas soturnas de uma tempestade iminente.

Dissipou-se o dia risonho da comunidade; o dia difundia a lentidão da desesperança, à noite vinha a alegria efêmera que, mesmo nessas condições, era muito prezada pelo reino de cristais escuros.

Desde a chegada da criatura cuja natureza incompreensível não tinha afinidade com a noite, o reino fechava os portões durante o dia. A noite era como um dia amaldiçoado.

Certo dia, uma outra noiva descalça violou o decreto da vida noturna, o reino cristalizou-se e clivou-se totalmente. Partiu-se em graciosas lâminas que foram mais tarde semeadas aleatoriamente pelas aves de hábitos noturnos. Nasceu em todos os cantos do mundo ao menos uma flor que dorme durante o dia e revela seus encantos somente para a noite. São representantes eternas da noiva inconsequente, da criatura que dançava sob a luz solar, da comunidade que, mesmo amedrontada, convivia com o incomum, enfim, do distinto e mágico reino de flores noturnas.

Brianna Gordon
Enviado por Brianna Gordon em 25/09/2007
Reeditado em 09/10/2007
Código do texto: T667384