A escadaria e a maçã

Compras: suco, bolachas e maçãs. Na verdade era só desculpa para sair de casa e ver olhares diferentes. Ou tomar um ar – desculpa conveniente. Não demoraria para a noite chegar, e suas perspectivas para o final do dia beiravam zero. Plano: ficar em casa, tv e comida. Tudo na tentativa – mais uma vez frustrada – de esquecer aquelas dores sem explicação. Dia deprimente, de solidão gradativa.

A praça está movimentada, ao contrário da onde está indo. Então pára e senta numa escadaria. Pessoa com sacola sobe, pessoa sem sacola desce, cachorro pára, a olha, e corre atrás da pessoa com sacola que subiu. Pensa em todos os bons lugares onde poderia estar, e nas companhias que poderia estar tendo. Não foi convidada para nada. Ouve uma música triste tocando em sua cabeça, aquele tango que tocou no supermercado. E olha para o chão.

Sentia cada vez mais a falta da alegria, e não demoraria para que tal situação a colocasse para baixo de vez.

De saco cheio, quer voltar. O ar que não veio tomar está frio, incômodo. Vontades brigam com a preguiça. Grande coisa: o dia está horrível mesmo. A música continua triste, e o cabelo está castigado pelo vento. Seus pés se voltam ligeiramente para dentro. Uma maçã vermelha na mão: grande e perfeita, brilhante e suculenta.

O tédio está no controle, dominando, provocando. E agora, ela daria qualquer coisa por uma aventura. Colocaria asas e pularia de uma montanha, feliz e livre. Tranqüilamente voaria com as andorinhas, e depois, já exausta, pousaria numa grande cabeça cheia de cabelos verdes. Lá moraria com sua maçã, e quando quisesse, com ela pularia numa piscina cheia de cerejas com cabinhos compridos, onde seria abraçada por cada uma delas.

Tudo seria perfeito. As reclamações não seriam ouvidas – nem as dela! Suas falhas quebrariam paredes, mas ninguém perceberia. Sua falta de coragem e esperança e seu sufoco seriam substituídos por uma inexplicável e gratificante paz interior.

Toda manhã ela acordaria num lugar diferente: novo o suficiente para lhe provocar curiosidade; velho o suficiente para não lhe causar medo e estranhamento. O tempo agiria conforme suas vontades, a comida seria do jeito que ela gosta, e seu cheiro delicioso ficaria no ar até ela enjoar. O sol e a chuva seriam seus amigos, sinceros e fiéis, que a admirariam. Com eles a felicidade seria plena. Os belos jardins recitariam poesias e esconderiam livros fabulosos. A maçã, afinal, esconderia seu verdadeiro amor. Esperando somente uma observação mais atenta para que pudesse se revelar. Ele a amaria para sempre.

Se algo está perdido, só precisa ser achado. Para ela, a mentira está em cada buraquinho que a gente não consegue ver, muitas vezes ajudando quando a verdade não precisa, e não merece, ser dita.

Ela se sente desnorteada, mas ainda é a mesma... sentada na escadaria e segurando uma maçã. Observa um pouco os contrastes: algo tão longo e rústico, apoiando algo tão belo e delicado. Já é noite, e o lugar é inapropriado. Se move, ignorando os planos felizes. Se movimenta, voltando à realidade. Vai embora, na amarga expectativa de haver algo, ou alguém, suficientemente nublado que possa enxergar sua luz.