POUCAS ESPERANÇAS

Lembro-me das bombas e do cheiro de pólvora que impregnava a rua, onde minha casa ficava.
Lembro-me de Mariana, morta, ensangüentada, olhos esbugalhados, entre os escombros.
Lembro-me de meu cão e do seu latido seco, cortando a noite, na qual vieram os guerreiros.
Lembro-me de meu pai com sua arma e seu medo: os olhos do medo são os olhos de meu pai.

Um tiro. Uma explosão.
Mariana gritava. A morte acariciava seu corpo de menina.
A noite ardia e eu, surdo, corria para a segurança de um lugar distante.
Onde minha mãe ficou?

Lembro-me do vento frio, dos primeiros raios de um inclemente sol,
banhando de dor a paisagem.
Lembro-me das mulheres defloradas, marcadas, sangue escorrendo
entre as pernas.
Minha mãe, onde ficou?
Meu pai?

Quero esquecer e não posso. Posso esquecer, mas não quero.
Não penso no amanhã: amarrado a um ontem sem fim, repito sempre e sempre a mesma ladainha de lágrimas e desespero. Penso que podia ter ficado ali, naquele chão calcinado.
Mas sobrevivi.

Não sei o porquê de ainda estar vivo. Entro na fábrica. O grito do imperador ecoa pelos auto-falantes. Ele me diz que estamos construindo um país melhor, de justiça e de igualdade. Todos os meus companheiros se calam: somos os perdedores...

Gritam um número: é o meu. Hoje trabalharei nos fornos. Até a hora que meu corpo pifar. 

Amanhã teremos duas horas de folga e poderemos passear.

Um ônibus vai nos levar até o panteão dos heróis da pátria. E lá cantaremos um hino em honra a quem nos matou.