O canário equilibrista

No ponto de vista do tal “ser humano”, sem dúvida sou uma aberração da natureza. Venho de uma ninhada de canários robustos e cantores, mas..., pois é, seu Zé, eu e um dos meus irmãos, apresentamos problemas.

_Nossa! Dois aleijados! Que vou fazer agora? Um deles de tão torto não consegue voar. Isto sem dúvida é uma aberração da natureza.

Para aquele senhor de cabelo e barba branca, o tal de Charles Darwin, a explicação estava na ponta da língua, ou melhor, na ponta da caneta, ou melhor ainda, da pena: "As espécies, ao contrário da crença quase universal, não são estáticas e imutáveis, mas se modificam através de longos períodos de tempo, pela seleção natural, permanecendo vivo o mais apto."

Pois é, então, olhando pelo lado científico, eu e meu irmão não teríamos vez na tal da seleção natural. Mas, como canário e outros bichos somente conseguem falar através da escrita e da cabeça de um escritor, podemos então, por esse espaço de tempo, esquecer a tal da malfadada seleção natural. Ufa!

_Não fale assim perto dos canarinhos, seu Zé!

_Ué! Porque não? A senhora acha que eles entendem o que a gente fala?

Esses humanos se acham donos da verdade e do mundo. Claro que entendo. Desse jeito, eu e o mano vamos precisar ir ao tal do psicanalista.

_Eu acredito que os pequenos estão entendendo tudo e vão ficar traumatizados.

A tal da mulher gentil, colocou o seu rosto perto da gaiola e começou fazer uns barulhos inteligíveis:

_Piupiu, dodó, tetê, nenê ta doente?

O meu irmão que também morava comigo bateu a asa direita na cabeça e, olhando para mim, resmungou de mau humor.

_Ah! Vá entender esses humanos.!?

A partir desse dia fomos morar com a senhora. Na sua casa, acontecia um pouco de tudo. Numa manhã, um enorme nariz vermelho encostou-se às grades da gaiola. Que susto! Foi só pena que voou.

Mas, depois percebi que ela estava vestida de palhaço. E de tanto rir com a sua cara pintada, acabei caindo do poleiro.

_Piupiu, você quer marmelada! E o palhaço o que é?

E foi dessa maneira que entrei literalmente para o mundo do circo.

Nossa! Quanta alegria me proporcionou o tal calendário dos humanos. Um dia, por ser a Páscoa, um enorme coelho rosa vinha ao meu encontro e fazia aqueles ruídos onomatopéicos.

_Piupiu, dodó, tetê, nenê qué chotolate?

Em junho Aninha se vestia de terno e gravata. A sua personagem era o noivo do casamento, caipira, é claro, e me levava pelas mãos nas festas juninas, e a caipirada toda vinha me espia e disfarçava falando baixinho:

_Aninha não dá o braço a torcê, mas o canarinho é torto de um lado.

Nossa! Se a minha dona escutasse, na certa acontecia uma discussão.

Na semana da criança, uma loucura indecifrável tomava conta de Aninha! Um dia ela se vestia de palhaço e carregava uma sacola repleta de balas; no outro, lá estava ela vestida de nenê, de fralda, chupeta e toca na cabeça, levando muitas bexigas e pirulitos.

Não havia monotonia naquela casa... Evidente que, meu irmão e eu, com toda essa festa de felicidade, entoávamos sonoros cantos.

No ultimo mês do ano a casa ficava deslumbrante, com luzes piscando, árvores enfeitadas de bolas multicoloridas, e ops!!! O que é aquela mancha vermelha?

_Ah! Você já deveria saber.

Cantarolou o meu irmão todo contente:

_É Aninha vestida de Papai Noel!

E lá vai essa humana, com alma de passarinho, levar alegria nos asilos de crianças e vovós carentes da sua cidade.

Ana Marly de Oliveira Jacobino

Coordenadora do Sarau Literário Piracicabano