ANA MARIA...

 

Revelo aqui a odisséia que vivi com uma pequena deusa de olhos verdes e sorriso feiticeiro. Seu nome? Ana Maria...

Quando a conheci, foi amor a primeira vista. Infelizmente só da minha parte. Ela, sentimentalmente, simplesmente me ignorava. Para ela, eu não existia. Quando estava perto de mim, fazia questão de deixar isto bem claro. Sempre que eu me insinuava, fingia que sequer estava me ouvindo. Era só amizade, se quisesse...

Há dias, eu não via Ana Maria...

Quando isto acontecia, me dava um desespero impossível de descrever. Coisa de viciado, mesmo. Inexplicável...

Éramos amigos, da mesma escola (o Estadual), do mesmo bairro (o Amambaí), da mesma igreja (a Perpétuo Socorro). Tudo que nós era permitido fazer, fazíamos juntos: brincadeiras, deveres, fofocas, traquinagens, e por aí afora...

No entanto, cinco dias era demais para mim. Precisava vê-la, falar com ela...

E, de repente, lá estava eu. Chegando onde ela morava. Vila dos Sargentos. Na antiga Avenida Primeira. Quase em frente ao Bar Ventura. Uma casa grande e confortável. Cercada por um muro relativamente alto. Rodeada por um gramado e um generoso pomar. Verdes que davam gosto...

O asfalto ainda não havia chegado naquela região. As ruas eram arenosas, vermelhas. Naquele dia, pleno verão, sol a pino, não se via viva alma perambulando pelo bairro. O silencio imperava. Era a hora da sesta...

A casa de Ana, não tinha campainha. Eu, não queria me fazer descoberto. Queria fazer uma surpresa para ela. Por isto resolvi e pulei o muro. Adentrei por um estreito corredor lateral que levava até uma área, já nos fundos, uma entrada natural para a cozinha...

Aparentemente não havia ninguém em casa. Comecei a ficar decepcionado. Tentei o outro lado daquela moradia. Avancei cauteloso. Tinha medo que os soldados que tomavam conta da vila aparecessem e, de repente, pensassem que eu estava tentando furtar alguma coisa...

Escutei barulho de água caindo. Parecia uma ducha jorrando, uma torneira aberta. Era um chuveiro ligado. Logo, pude perceber, no banheiro havia uma luz acesa. Alguém estava lá dentro...

Aproximei-me da janela de um quarto lateral, exatamente o da mulher que eu queria encontrar. Estava semi-aberta. Aproximei-me relutante. Através dela podia se divisar o interior daquele sacrossanto aposento. Vazio...

Ouvindo passos se dirigindo naquela direção, hesitei. Só podia ser ela. Não sabendo se revelava o quanto antes minha presença, chamando pelo seu nome, ou se ficava quieto esperando para lhe pregar uma peça, dar-lhe um susto, continuei no lugar em que estava. Hirto. Imóvel. Maliciosamente, decidi testar o poder de um patuá que ganhara de minha avó. Queria ter uma prova de que a oração que ele trazia em seu interior funcionava mesmo. Queria ter certeza das palavras que carregava “se tiverem olhos não lhe enxergarão”. Meu corpo estaria mesmo “fechado”? Aquele era o momento de acreditar ou desistir...

Fui feliz ao escolher a opção de ficar escondido, esperando que aqueles passos fossem mesmo da minha musa. E eram...

Ela entrou no quarto, recém saída do banho. Ainda molhada. Cabelos escorrendo. O corpo juvenil coberto apenas por uma toalha...

Senti um soco no estômago. Não sei se de medo ou de prazer. Aquela visão me deixou atordoado, para não dizer outra palavra. Mil idéias se atropelaram em minha cabeça...

Minha consciência dizia que não estava correto continuar escondido, invadindo a privacidade da minha deusa. Não era decente. Não combinava com a amizade e o respeito, mútuo, que nos unia...

No entanto, meu sexto sentido avisava que alguma coisa estava para acontecer naquele lugar e que, fatalmente, eu seria um privilegiado espectador. Mesmo assim, contrariando meus instintos, pensei em me afastar dali. Esquecer o poder do meu patuá. Minha cabeça ordenou. Meu corpo recusou. Minhas pernas não obedeceram...

Ana Maria entrou...

Senti um frio na espinha quando, por um instante, seus olhos pareciam ter descoberto minha presença. Foi então que tive a certeza de que o talismã começava a funcionar. O olhar da inocente, simplesmente atravessou meu corpo. Como se eu não existisse. Continuando seu caminhar, ela preparou-se para sentar em uma banqueta. Estava de costas para mim. De frente para o espelho de seu toucador. Seus cabelos loiros, longos, cobrindo seus ombros, chegavam até seu colo. Tentou, inutilmente, ajeitá-los, girando a cabeça para os lados. Começou a escová-los. Lentamente. Como se estivesse tramando alguma coisa importante. Parecia distante dali. Era como se estivesse desconfiada de que alguma coisa estava errada...      

Do lado de fora, colado a um pilar da varanda, querendo me transformar numa das folhas da janela, curvado feito um camelo, eu mais parecia uma lagartixa. Apertava fervorosamente o patuá pendurado em meu pescoço. Branco (de medo), ofegante (de susto), suando por todos os poros, envergonhado por estar escondido, por estar traindo a confiança de minha melhor amiga. Mesmo receando que alguém chegasse e me descobrisse, não desisti.  Agüentei firme...

Ela se levantou. Ficou em pé. Esboçou um passo de dança...

Fez o que eu, desde o começo, estivera esperando que fizesse...

Lentamente, soltou o nó que prendia a toalha em seu corpo. Aquele pedaço de pano colorido deslizou rápido. Num rápido e insinuante rodopio, foi parar em seus pés...

Totalmente nua...

Por um momento, lembrei-me de uma foto de Afrodite, do Museu do Louvre, que tínhamos visto num livro em que estudávamos Historia juntos...

Virou-se na minha direção. Procurava alguma coisa sobre sua cama. Por um momento tive a exata sensação que nossos olhares se encontrariam. Tremi...

Não sei se já falei de Ana Maria. Se não o fiz, faço-o agora, rapidamente. Quinze anos, loira, linda, inteligente, educada. Rainha de qualquer festinha. Imbatível. Cobiçada por todos meus colegas de colégio. Que já adivinhavam nela o corpo escultural que teria quando se tornasse de fato mulher. Com todo respeito, um tesão de menina...

Pensei que ia desmaiar. Odiei ter apenas um par de olhos. Eles caminhavam céleres, alternando coxas, seios, sexo. Não se importavam com a ordem. Estavam curiosos. Surpresos. Famintos. Sedentos...

Meu Deus, que coxas. Que peitinhos. Tão bonitos e apetitosos. Roliços. Redondos. Dois pêssegos. E seu sexo? Pêlos castanhos. Incrível...

Toda fresca daquele jeito, desfilando a poucos passos de onde eu estava, era quase impossível resistir à tentação de pular por aquela janela, invadir aquele quarto, aproveitar aquela cama. Meu entusiasmo era justificável. Afinal nos meus dezesseis anos incompletos, era a primeira vez que eu via uma mulher completamente despida. Totalmente nua...

Unindo o dedo indicador ao médio, ela passou-os no meio das pernas. Como se quisesse enxugar algum lugar em que a toalha não tinha conseguido alcançar. Era demais para mim. Meu coração batia a mil por hora.  Parecia que eu ia explodir...

Pegando em cima da cama uma minúscula calcinha preta, se dispôs a vesti-la. Fez isso bem devagar, para que a mesma não se enrolasse, não a incomodasse depois. Virando-se para o espelho, fez um beicinho. Com ar crítico, pegou os seios nas mãos. Avaliou-os. Levantando-os, massageou-os por alguns segundos. Deu um longo suspiro como se estivesse pensando em alguma coisa bem distante. Vestiu, também, um sutiã da mesma cor da calcinha. Pareceu-me que estava bem satisfeita com o conjunto. E eu? Pobre coitado. Olhando com os olhos e lambendo com a testa...

O show estava terminando. Ela começava a colocar um vestido. Depois, com certeza, se eu bem conhecia as mulheres, começaria a se pintar...

Há dias eu não via Ana Maria...

Aos poucos fui recuperando o fôlego. Dei-me conta do perigo que corria. Não sei quanto tempo tinha ficado ali. No íntimo já estava ficando com raiva de que todo aquele teatro tivesse durado tão pouco. Pensei, enquanto me recompunha e esgueirava para frente da casa, em fingir que estava chegando naquele momento. Em bater palmas. Chamá-la. Gritar seu nome bem alto. Disfarçar, para que pensasse que eu não sabia que ela estava em casa...

Comecei a sorrir...

Desisti daquelas idéias tolas...

Beijei meu patuá. Agora, tinha certeza que ele funcionava. Graças a Deus...

Era melhor ir embora. Afinal, depois daquela tarde, eu bem podia ficar vários dias sem ver Ana Maria...

Só ia precisar de um pouco de imaginação...

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