O Observador

Novamente o arrepio na espinha! Carol olhou ao redor buscando de onde vinha a sensação de ser observada.

– É a terceira vez que sinto isto só esta semana! Mas só o que viu, foram as mesmas árvores e prédios conhecidos.

Apressou o passo, chegando a Av. Ibirapuera. Correu em direção à entrada do shopping onde trabalhava, como fugindo do demônio.

***

Ele observou Carolina parar de repente olhando na direção de onde estava. Escondeu-se atrás da árvore esperando que ela não o tivesse notado. – Ainda não é hora! De onde estava conseguiu sentir o cheiro de sua pele. Um misto de rosas e medo. Passou a língua nos lábios, absorvendo todos os aromas da rua.

***

- Carol, você tem que parar com esta NEURA! Falou Pedro, entre um gole de chopp e uma mordida no bolinho de batata a sua frente. As mesas do Windnuk – tradicional bar alemão – estão apinhadas de gente. Mas mesmo assim ela continuou com a sensação estranha, como se alguém a olhasse à distância. Ao contar sua desconfiança para o namorado, recebeu uma risada como resposta.

- Olha, vamos fazer o seguinte, hoje eu durmo na sua casa e assim você perde o medo, ok? Ou quem sabe isto não seja resultado daquele baú recheado de “macumba” que tem na sua casa?

- Aquilo não é “macumba” – respondeu de mau humor – é a herança da minha família. Aquilo é um pedaço da minha história e não admito que você trate o assunto com tanto desprezo!

- Tudo bem! Não precisa ficar nervosa – Pedro pegou as mãos da namorada tentando acalmá-la. - Eu não quis te ofender, juro! Mas só acho que às vezes você exagera! Tudo bem que São Paulo não é modelo de segurança, mas também não estamos no Iraque.

- Pedro, você não tá entendendo, eu sinto como se um par de olhos me perseguisse o tempo inteiro. Deixa pra lá, eu vou embora antes que fique tarde demais. Você me leva pra casa?

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Na calçada oposta ao bar ele a viu chorar. Com certeza era culpa daquele idiota na mesa. Sua vontade era de arrancar os olhos do desgraçado. Mas havia tempo. Ela ainda não estava preparada.

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Dispensando o namorado na porta do apartamento, a garota seguiu direto para o quarto, onde abre a tampa do velho baú. Lá dentro velhos recortes de jornal, muitas fotos, livros e os cadernos com capa preta que escondem um passado que sempre lhe causou medo e fascínio. Abriu um dos diários e as palavras saltaram aos seus olhos (Lua Cheia, Lua Negra, Esbath, Sabbath) enquanto a voz de sua avó Mirtes ressoava no fundo de seu cérebro:

“ Alecrim é ótimo para proteção”.

Fuçando no fundo do baú, encontrou uma caixa menor, contendo vários saquinhos com ervas secas.

- Vamos lá Dona Mirtes, se bem não fizer, mal é que não há – resmungou enquanto colocava a erva dentro de um “incensário” que encontrou na mesma caixa. O aroma inconfundível se espalhou pela casa trazendo tranqüilidade ao sono da garota.

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- Ergueu a cabeça para o alto, sentindo o forte cheiro que escapou pela janela do apartamento no 3º andar. Um brilho que poderia ser de emoção passou rapidamente por seus olhos e ele se afastou, sumindo na noite escura.

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Um raio de sol se infiltra no quarto, acordando-a de seu sono. Olha para o relógio e vê que já são 11:00 do domingo.

- Nossa que noite maravilhosa! Espreguiçando sai da cama onde tropeça no baú que ainda estava com a tampa aberta. – Obrigada pela dica, Dona Mirtes! Recolhe a fotografia de sua avó que havia caído no chão. Com carinho beija a face da velha senhora e sai cantarolando em direção ao banheiro.

Depois de um delicioso café da manhã, decide ir para o Parque do Ibirapuera, aproveitar aquele dia de calor. Em sua companhia, alguns dos cadernos e diários antigos.

Senta-se sobre uma toalha e fica observando o jato de água que sai do meio do lago. Com um suspiro de satisfação se ajeita melhor e começa a folhear o diário que um dia pertenceu à avó materna.

O ronco no estômago lembra Carol que é hora de voltar para casa. Na cabeça milhões de dúvidas enchiam seus pensamentos. Sempre soube que sua família era pagã, mas nunca teve interesse em seguir seus passos. Mas hoje, após ler sobre tantos mistérios, tantos feitiços, uma pontada de remorso por não dar mais valor as suas raízes, a acompanha até seu apartamento.

Colocou a chave na porta e novamente o arrepio a atingiu. Olhando para trás vê algo saindo das sombras na escadaria de incêndio.

- Hoje é o dia! Está na hora de nos conhecermos pessoalmente. Saindo do local onde esteve escondido até aquele momento, ele se revela para uma assustada Carol.

***

Com a respiração suspensa, ela observa a sombra movendo-se por trás da porta de incêndio, até que, com um misto de alívio e vergonha, percebe trata-se de um enorme gato preto. – Ei gatinho, está perdido? Recebendo como resposta um miado forte, enquanto ele se esfrega em suas pernas. – E ai, quer um pouquinho de leite? O gato praticamente atira-se em seu colo. – Eu acho que isto é um sim!

Abre a porta, colocando o gato no chão e segue para a cozinha. – Sabe de uma coisa? Você me é familiar..

Uma vertigem a atinge, forçando-a a apoiar-se na parede do corredor. Devagar, vira-se na direção de onde estava o gato e percebe que ele já está confortavelmente instalado na casa, seus olhos amarelos fixos em seu rosto, e se assim fosse possível, um ar de sorriso, paira sobre seus lábios.

Nitidamente vem a tona a imagem da foto de sua avó sentada em uma cadeira de espalmar alto, sorrindo de forma misteriosa, enquanto acaricia um enorme gato preto em seu colo.

***

Parabéns garota. Finalmente você está pronta.

Patricia Soares
Enviado por Patricia Soares em 24/10/2007
Código do texto: T707858
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