Escreve o riso
Apanhe o primeiro pedaço de papel a vista e um bocado de tinta fresca;
Estilhace o palco e cenáro de tuas estrelas;
Envolva-te somente com tua alma;
Aperte os cílios e esprema com toda tua força a lágrima abatida. Ela espera sua antecessora terminar o trajeto que começa na bochecha, escorrega no pescoço e finda rasa no peito.
Aguarde em sentinela a próxima doída como as de faca fincada na polpa da fruta;
Concentra tua força na ponta dos dedos e aperte-os na palma da tua mão. Sinta a unha rasgar a pele e deixe escorrer num vermelho intenso o que verte junto ao suor frio que te inunda até os pulsos.
Expulsa da garganta o brado mudo que atormenta teus sentidos;
Embale nos pulsos e antebraços tua canção e lance-a no próximo olho d'agua que sem aviso inundará teus sapatos e meias.
Estenda os braços escancarando-os, até anunciarem tua dor nas juntas, revelando a velhice que fecunda nesse instante;
Estique, sinta, faça, ouse...
Te impulsionas para baixo e sinta dobrar os joelhos brandamente;
Depois, com toda tua potência em força, lance-se para o céu. [Com as quase-asas abertas, ainda].
Quando sentires o macio de uma nuvem à ponta do teu nariz ou de uma ave enxergares o avesso da pupila, poderás sentir-se tão alto quanto, cortando as nuvens e a bruma em nevoa que velozmente voam à tua direção. Após alguns minutos e macias batidas de asas, sobrevoará a tal ponto que na tua vista, estará apenas tu e tuas límpidas asas. Sem névoa nem bruma. Deslumbramento.
Então, ao deslizar em nuvens cortando-as em cada vôo e e formando novas delas, arranque do teu pulmão o mais intenso sopro suave - e calmo.
Após viver todo essa vida entre asas e rasantes, poderás dizer que arrancaste do âmago o mais sincero e sapeca riso. Descrito num pedaço de papel qualquer com um mínimo bocado de tinta fresca.