Natal de 2067

George Luiz - Natal de 2067

O pequeno grupo caminhava tranqüilamente pelas ruas da cidade enorme.

Era a manhã de vinte e cinco de dezembro. Eles passaram pelo grande edi-ficio do ministério da dessalinização. Ali se traçavam as políticas e tecno-logias capazes de transformar as águas salgadas dos oceanos em água po-tável. Grandes progressos estavam acontecendo nessa área. Os melhores centros já conseguiam transformar mil litros de água do mar em cem litros de água doce pura, perfeita para o consumo humano. Com a assinatura dos Estados Unidos e da China do protocolo de Viña Del Mar em 2023, a polui-ção atmosférica e o aquecimento global tinham diminuído sensivelmente.

O grupo que caminhava era formado por dois robôs de última geração, dois andróides do tipo LH846 e um andróide de nível semi-humano, dotado de co-ração artificial e um leque de sentimentos básicos. Este último comandava o grupo.

A metrópole parecia menos agitada aquela manhã. O trânsito era menos in-tenso. Os veículos, terrestres e aéreos emitiam os pequenos silvos de seus motores não poluentes. Podia-se caminhar facilmente pelas calçadas, já que, graças às novas leis municipais, os animais domésticos de pequeno porte vinham sendo sistematicamente eliminados, restando uns dez a quin-ze por cento deles na cidade.Mesmo os cães que conduziam cegos estavam sendo gradativamente substituídos pelos moderníssimos equipamentos sub-liminares sintéticos, a maioria de fabricação japonesa.

Os membros do pequeno grupo conversavam entre eles enquanto se movi-mentavam. Comentavam a relativa placidez daquele inicio de manhã. Subi-tamente passou por eles um pequeno cão de pelagem negra, rápido e ágil. O animal desapareceu num segundo em meio aos transeuntes. Mas os sen-sores dos dois robôs tinham registrado sua passagem e a falta de uma co-leira indicativa de sua origem. Assim, puseram-se em alerta para localiza-lo.

Complacente, o andróide-chefe acompanhou-os com os dois outros androi-des em sua busca, mas sem pressa aparente. Os edifícios comerciais réu-niam em suas fachadas, os enfeites tradicionais da velha festa católica. E-ra uma tradição já meio desgastada, mas satisfazia os olhos das crianças. Pouco antes de chegar à esquina de uma rua estreita, os sensores dos dois robôs se aceleraram. O pequeno cão, com certeza enveredara por ali. Era uma viela, feia e sem importância. Só tinha algumas casas, antigas e feias, totalmente em desacordo esteticamente com a arquitetura moderna e pre-tensiosa da cidade. Logo os dois robôs pararam em frente a uma casa de fa-chada humilde. A porta estava fechada. Não havia uma campainha para ser tocada ou uma aldrava para chamar a atenção dos moradores.Um dos robôs acionou um pequeno mecanismo que carregava e a porta abriu-se.

Mesmo na pouca claridade que banhava o interior da casa, percebia-se sua pobreza. Quase nenhum móvel, nenhum objeto de decoração. O silencio que envolvia o ambiente era quase audível. O pequeno grupo avançou mais. E foi então que perceberam uma ligeira claridade sob uma das portas. O robô a-briu-a, Foi recebido por um nítido rosnar canino.

No meio do pequeno quarto havia uma espécie de berço feito de palha. E dentro dele deitava-se um bebê de tez rosada e cabelo moldado em cachos.

A criança sorria...

À frente do berço, com expressão desafiadora,o pequeno cão montava guar-da. O robô deu um passo em sua direção para extermina-lo. Mas foi detido pelo andróide que comandava o grupo.

- Pare, robô ! Não faça nada !

- Por que ?

- Robô ignorante ! Então não vê que é o menino Jesus ?

- Jesus ? Que Jesus ?

- Vamos , vamos embora.

O grupo retirou-se cuidadosamente. E assim ficou mais uma vez provado, que a despeito da progressiva desumanização dos habitantes do desgasta-do planeta Terra, e de que os homens, como bestas selvagens, continuam se matando por dinheiro ou por motivos ainda mais torpes, é impossível expulsar dos corações das pessoas, o sentimento de que existe Deus. E que o natal é uma ocasião sagrada. Para todo o sempre !