(2)A dama do último cortejo.

Entrei em desespero, entendendo a reladiade do que estava acontecendo,

não consigo me tocar, me sentir, sou como um coisa, plástica líquida ao mesmo tempo áspera, devo estar delirando, deve ser o churrasco misturado com cerveja, não me caiu bem, preciso relaxar, deixar a nostalgia me embalar, tudo não passa de alguma ilusão, não me lembro de nenhuma história mística e mental, que fizera com viajasse em um transe.... Como se a coisa meio gárgula meio pterodáctilo, tivesse entendido meus pensamentos... Disse :

Está tudo sobre controle.... Você não está morto, bom, não no conceito de uma mera tradição do mundo tangível, não nesta dimensão, relaxa é só uma aventura, e ela está apenas começando... E novamente aquela gargalhada, sarcástica misturada de um prazer doentio.

Ele continuou filosofando sobre a morte, algo me deixava mais apreensivo quanto o que estava acontecendo

Dizem que quando chega o dia, se enxerga num relance único a vida passar gradativamente diante dos olhos, em fração de segundos e como imagens cinematográficas, os momentos mais marcantes e principais da vida dos mortais,

Dizia enquanto batia suas asas carcomida:

" A melancolia, o desespero e o pranto toma conta deixando o mais arrogante moribundo como uma mocinha...cacarejava o ser escamoso....

Estava morto, só podia, o ser concerteza era um súdito do inferno me arrastando para o abismo de tormento e enxofre? Tal qual nos mito dantesco.

Sua voz, de um ronquidao, um arquejo cuspidor de ladainha irritante:

Você deve estar perguntando o que seria esta sensação de desmembramento terreno.

Essa soberba e dominadora, encapuzada e coberta por vestes de densas nuvens, com seu cinto de cordas de Ariadne, e bordados escarlates de Raabe e entrelaçado com fios das Parcas prendendo em sua cintura o manto de mistério, uma capa mais negra do que um universo sem estrelas, mais quando estende os braços suavemente ao convocar o escolhido da vez, para dar cabo de seu fôlego, se repara em seu lado interno, o cintilar de pingos estrelado do macrocosmo infindo.

Seu olhar indescritível, Impenetrável E perscrutador , com olhos de rubi de pura infinita indiferença, distante e presente ao mesmo tempo, fixados e focados, conectados aos olhos de lágrimas enxutas

do mortal cortejado para sua dança, de sua boca, um sussurrar crepitante e distante, por vezes estridente, agudo e melancólico, outras vezes um som grave reverberando fazendo o coração ribombar no compasso de seu ritmo, antes das últimas batidas, como ecos de goteiras numa gruta até silenciar para o todo sempre.

Suas delicadas Mãos cadavéricas, empunhando graciosamente sua foice de língua afiada, seu inseparável instrumento da não sobrevivência, que corta a linha mais fina e vital da existência, e separa o sutil do denso, o intangível do tátil, o volúvel do estático, o etéreo do corpóreo.

A debochada imortal, de andar discrepante, passos contraditórios, suaves e escabrosos. Lento, objetivo, e ao mesmo tempo rápido e conclusivo.

A senhora de peles embranquecida, alucinada e apática e indiferente, aquela que é assaz pugente em sua missão solitária... Mais voraz e insaciável.

Ela bafora um hálito gelado

e envolvente a não muito comovente. Nos funestos cortejados.

Ela sobrevoa em seu ser alado de asas turvas, que encobre vilarejos, e quando faminto, abocanha um povoado desavisado.

Seu zumbido insistente coçava meu cérebro, me enchendo de indagações:

A morte, o que seria ? Ela veio eu não a senti.

Ela veio ? Deste frio mortal não me recordo, Ela veio ? Por qual entrada, e concerteza adianta pacas...

"Sempre assim ela nunca atrasa só adianta" Diz o ser desnutrido e espichado de asas finas:

"Talvez isso dependa da perspectiva do moribundo da vez"

Tem alguns que gritam seu nome, esperneiam para seu cortejo, se enfeitam de

Apetrechos mortais, aparentemente sugestivel, mais ela é desdenhosa, e os ignora, até desistirem, e quando menos esperam se apresenta sorrateiramente em seu encalço, como uma sombra viscosa e obstinosa.

Não entendia uma só palavra do que ele me dizia, não sabia se estava personificando metaforicamente, a morte, ou se realmente ela era um ser real, assim como ele, na verdade dúvida da própria existência do meu Interlocutor, tinha para mim que era meu inconsciente abalado e temeroso criando alucinações. Duvidava da própria experiência que estava tendo. Mais era muito real , O que seria este ser, é uma entidade, divina, Angélica, ou demoníaca?

Ele não passa uma conjectura, assim como a morte, ela deveria ser como um elo - talvez- de dois mundos?

Talvez seja um brisa específica daquelas que apaga as chamas das velas.

Um verdadeiro metafórico sopro de finalização.

Uma incógnita inspiradora de mitologia.

Uma personagem arquétipo vindo do imaginário uma simples tentativa de responder o inexplicável, tentando com isso suavizar o medo do desconhecido.

Sendo assim ela é uma simples sombra que apaga a essência, estanca a energia vital, interrompe o fluxo sanguíneo e silencia os estalos cerebrais. Leva com ela as dores , as frustrações, as magoas, então ela é positiva ?

Porém também, leva junto em sua capa negra os sonhos, as lembranças, os anseios, então é negativa?

Pois somos o que somos justamente pelo fato da somatória da gangorra dualista do bem e o mal.

Ela não pode ser só um silêncio abrangedor que na inocência de sua existência abraça junto a tudo e todos ao redor de suas asas, conduzindo-os a inexistência.

Nao faz sentido, Se estou morto, como posso raciocinar estando no vácuo silêncio do habitat desta Dama de vestes esfumaçada. Estava entrando na "pira" filosófica do ser que me conduza, sabe lá por que e para onde.