A cerveja e a Democracia

(Dedico este conto a Carlos Valdir Henze, o Carlão, sósia do General Mac Arthur, filósofo e doutor honoris causa em Cervejética)

"Todo pedaço de pão carrega a triste história de um trigo que poderia ter sido cerveja" (autor desconhecido)

Nos dias atuais, dizemos que a cerveja é uma bebida democrática, porque está ao alcance de todos, graças ao seu baixo custo. No entanto, essas duas honoráveis instituições - a Cerveja e a Democracia - têm muito mais em comum.

Mil anos antes do Alexandre Magno, na pequena aldeia macedônica de Ártos, um dos cidadãos viajou para o Egito e voltou com uma novidade: o pão líquido, que atualmente chamamos de cerveja. Sucesso imediato. O viajante, cujo nome a história não registrou, começou a ficar muito rico.

Quem não gostou da ideia foi o padeiro, porque a fabricação de cerveja reduzia drasticamente os estoques de trigo. Estabeleceu-se na aldeia uma disputa política sem precedentes. O padeiro liderava o partido que defendia a proibição de usar trigo para fazer cerveja; o cervejeiro liderava o partido progressista, que desprezava a arte da panificação e propunha a reserv.

A própria deusa Ceres, madrinha de Ártos, ficou confusa e resolveu não tomar partido. Decisão óbvia, pois o papel de Ceres era abençoar as plantações de trigo, e não dizer o que os humanos deviam fazer com os grãosd todo trigo para fabricação de cerveja.

Para decidir a parada, foi convocado um plebiscito.

Ninguém imaginava o que estava para acontecer. No dia da votação, o cervejeiro distribuiu cerveja de graça à vontade, todos os homens ficaram bêbados. Até os encarregados de organizar o plebiscito estavam borrachos e a praça central da aldeia ficou uma bagunça total . As mulheres aproveitaram a oportunidade para infiltrar-se na multidão e votar também.

Não hora da votação, quem era a favor do padeiro devia ficar à direita, e os partidários do cervejeiro à esquerda. E aconteceu o inusitado: os homens foram todos para a esquerda e as mulheres foram todas para a direita. Feita a contagem, os artoenses descobriram estupefatos que sua aldeia tinha mais mulheres que homens.

Alguém questionou a contagem dos votos e exigiu uma recontagem. As mulheres foram contra e começou um bate-boca generalizado. Os homens começaram a bater nas mulheres e acabaram matando todas. A deusa Palas Atenas, madrinha da Democracia, havia sido chamada com urgência, mas chegou tarde demais.

Sem mulheres, com o tempo os homens de Ártos foram se mudando para outros lugares e a aldeia desapareceu. Os que sabiam fabricar cerveja espalharam a novidade mundo a fora.

Por isso alguns historiadores dizem que a Democracia era para ter nascido na Macedônia, mas lá não deu certo.

Bem, a História nunca pára. A arte da cervejaria se espalhou por todo o mundo helênico, embora sem grande sucesso, porque a produção de vinho sempre foi muito boa naquela parte do mundo.

E outra coisa também mudou por lá. Depois dos acontecimentos de Ártos, a deusa Palas Atenas ficou mais atenta às disputas políticas dos seus povos protegidos, e nunca mais deixou um plebiscito degenerar.

Uma das precauções dela foi sempre impedir o direito de voto das mulheres. Você pode dizer que isso era chovinismo da parte da deusa, mas o fato é que ela era bem machona e não estava nem aí com as reclamações das feministas. E, na verdade, quem sempre mandou de fato na política dos gregos e vizinhanças eram as mulheres, porque elas diziam aos maridos qual partido deviam tomar. E ài do marido que não obedecesse. No mínimo passava uma semana com dor de barriga.

Assim, a Democracia prosperou na Grécia clássica e desempenhou seu importante papel na História. Não é um sistema perfeito, mas é o melhor que temos hoje em dia, na Civilização Moderna, milhares de anos depois daqueles heróicos cervejeiros de antigamente.

Marco Antonio Mondini
Enviado por Marco Antonio Mondini em 08/03/2024
Reeditado em 10/03/2024
Código do texto: T8015190
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