COMO UM SONHO QUE PASSOU

Era uma vez. Não, não são apenas os contos de fadas que começam assim. As histórias da vida real também. Mas, só aquelas que aconteceram há muitos e muitos anos, quando a gente ainda acreditava na vida, no futuro, no romantismo, no brilho da lua cheia refletido na água, num raio de sol colorido se pondo no horizonte longínquo.

Então, era uma vez uma princesinha, pois ao nascer a natureza fez questão de moldá-la de forma quase perfeita, dando-lhe todos os detalhes para torná-la quase indescritível. A princesinha possuía olhos tão verdes que pareciam esmeraldas cintilantes, daquelas que só podem ser vistas em vitrinas raras, para poucos. O seu olhar brilhava ao longe, hipnotizando. Devem continuar assim, mesmo com as marcas dos anos, das desilusões, das peças que a vida prega, do amor sonhado à triste realidade do cotidiano. Ah, como as coisas mudam. Se fosse possível prever o futuro!

Mas, talvez esse detalhe seja justamente o tempero da existência.

A princesinha possuía um rosto meio e macio como o veludo, branco como as jovens que ainda teimam em enfeitar o céu das noites de inverno, tecendo meandros com as estrelas que remetem aos sonhos de outros tempos! O rosto era, ainda, levemente rosado. Talvez a refletissem discretamente os raios de sol que a beijavam todas as manhãs. Os lábios eram perfeitos e faziam brotar sorrisos meigos, quase acanhados, mas luminosos, refletindo a ingenuidade que existia em seu coração de quase menina! Quem sabe o que o tempo fez com eles. Afinal, décadas se passaram!

Essas eram as recordações dele naquela tarde de verão. E nem sabia por que essas imagens retornavam tão nítidas. Ou melhor, até sabia. Olhando em volta, percebeu como as coisas poderiam ter sido tão diferentes. Ou, talvez, tudo nem fosse assim. É que, ás vezes, ele não se conformava com as armadilhas da vida. Sabia que o presente conduzia a um futuro incerto, difícil e estava tentando voltar aos tempos de moço. Que bom se isso fosse possível. Até esboçou um sorriso pela ingenuidade do momento. Aproveitou a semi-escuridão do crepúsculo para dar vazão aos seus devaneios. Afinal, era uma das poucas coisas que lhe restavam. Lembrou-se da letra da música “lembrar, deixe-me lembrar...”. Sorriu outra vez. Sentiu que estava ficando um velho saudosista. Mas, enfim, a vida é assim mesmo, feita de pequenos detalhes do passado que ajudam a construir o presente.

Retornou às imagens da princesinha que foi crescendo, passando da infância para a adolescência, sentindo a mudança nos sonhos da criança para quase mulher. De pequenas quimeras passaram a grandes devaneios. Um dia ela resolveu viver um desses sonhos: o do primeiro baile de gala. É, naquela época era assim. Os pais tinham que dar permissão para o grande acontecimento, a apresentação à sociedade, a vida noturna, devidamente acompanhada, é claro. Afinal, os rapazes tinham fama de aproveitadores, espécie de lobo mau à espreita da vítima indefesa. E acho que eram mesmo. Quando existia a oportunidade, atacava a presa, usufruindo a oportunidade da primeira vez, o desejo de qualquer jovem.

E o grande dia chegou! Vestido comprido, salão enfeitado e ela, alvo de todas as atenções. Dançou a primeira valsa em rodopios alegres, revivendo em imagens apenas adivinhadas, a eterna alegria das valsas de Viena. De repente, um moço chegou até sua mesa, convidando-a para dançar. É, era assim mesmo! Sujeito a uma negativa elegante, um discreto não, conhecido como tábua.

Juntos, adentraram o salão e passaram alguns instantes de poesia e encantamento. As luzes até ajudavam. O jovem, perdido nas profundezas daqueles olhos verdes que pareciam falar de mundos distantes, perdeu um pouco a timidez e ousou tocar-lhe os cabelos longos. A princesinha apenas sorriu, aceitando o carinho discreto. Assim, resolveram dançar juntos a noite toda. Quem os via ao longe dizia que formavam um belo par. Ela, toda de branco em sua formosura apenas nascente, foi vivendo, instante a instante, os pequenos pedaços que comporiam todo o seu sonho que depois, colados um a um, formariam uma grata recordação para toda vida. Qual a mulher que não guarda a soma de todos os seus primeiros momentos? Principalmente aquele, tão importante e às vezes tão frustrante. É a vida.

A madrugada chegou. A música parou e o silêncio envolveu os sorrisos que nasciam. O jovem segurou a sua mão, sorriu levemente, olhou dentro daqueles olhos verdes, tocou de leve o seu queixo e disse baixinho: - sabe, princesinha? Esta será a nossa grande recordação.

Os anos se passaram. Suas vidas tomaram outros rumos. Nunca mais se viram, até dois anos atrás, numa véspera de natal, num café, no centro da cidade que os viu crescer. Ele já mostrava os cabelos brancos, os sinais da idade, dos momentos de dor. Viu-a chegar para o café, junto com os irmãos. Todos alegres, rindo. Afinal, era um dia de festa! Os irmãos o reconheceram, cumprimentando alegremente. Ela chegou por último e ele já estava na porta. Olhou-a profundamente, como se o passado voltasse de repente. Cumprimentou-a perguntando formalmente se ia bem. Ela olhou-o e respondeu: “- sim, vou bem. E o senhor?”

Aquilo foi como um banho de água fria. Ele respondeu mecanicamente: “- sim, vou indo, na medida do possível.” Foi aí que ela reconheceu-lhe a voz. “- é você?”, num tom até assustado. Ele apenas sorriu, desejando boas festas e seguiu seu caminho. Nunca mais se viram.

Agora, naquela penumbra de verão, relembrava todos esses momentos. Sorriu, porque não havia outra coisa a fazer. Sentiu que todos os bons momentos são assim. Transformam-se repentinamente em pequenos detalhes assim, “como um sonho que passou...”