Contos Fantásticos I - A Dama da chuva

A Dama da chuva e o fauno.

Eu a vi no sertão, a luz era alta, era ela a dama que trazia a chuva, nunca ninguém antes conseguiu a ver, porém em seus íntimos todos comentavam secretamente sobre ela.

Era verão, estava eu lá, jovem fauno caminhando nas arenosas planícies desérticas a espera das gotas que desciam do céu, as nuvens apareciam ao longe e eu tinha a certeza de que a veria naquela tarde, escondi-me atrás de umas poucas palmas e esperei, até que ela finalmente passou. Vestia-se toda em negro, do seu corpo somente viam-se as mãos pouco cobertas pelas longas e soltas mangas; e também parcialmente o rosto, coberto pelo longo e escuro cabelo.

Olhei-a nos olhos, encarei por alguns segundos, eles exprimiam uma tristeza profunda, mas também uma pureza intangível senti-me fraco, como se ela tivesse poder sobre mim, afastei rapidamente o olhar e abaixei-me nas palmas me escondendo, ela virou-se e deixou escapar um riso.

Fiquei respirando ofegante e surpreendido, até que senti cair sobre meus córneos uma gota cálida que vinha do céu. Tinha começado a chover. Todos saiam de seus casebres sorridentes, comemoravam a chuva e dançavam rodopiantes, mas por um momento pude perceber a angústia e o sofrimento que aquelas gotas em que todos saciavam a cede carregavam. Vi lágrimas escorrerem dos seus olhos.

- Vi lágrimas no céu, vi lágrimas no olhar.

Ela sentou-se em uma pedra, próxima a uma pequena palma, a chuva se fez mais forte a cada instante em que ela permanecia. Logo criei um ímpeto de coragem decidido a encará-la, virei em direção a ela deixando-a perceber que eu me aproximava, e num instante...

Ela sumiu, a chuva parou.

No vilarejo em que morei durante quase toda minha vida, era habitado por nós faunos e por seres humanos; Os humanos viviam em casas construídas de barro moldado e madeira, iluminavam-se de velas e poucos eram aqueles que tinham contato com o que vinha de fora de nosso deserto. Eles plantavam, colhiam, e criavam magras galinhas. Já nós, os faunos comiamos de tudo que a natureza pudesse nos oferecer, colhíamos raízes, folha de palma, e qualquer outra coisa que pudesse saciar nossa fome.

Os humanos com os tempos de convivência passou a conhecer um pouco de nossa cultura, justiça, era algo feito de Fauno a Fauno (ou no caso dos humanos, de “Homem a Homem”), famosos “cabras-machos” como alguns humanos chamavam-nos e até outros de sua espécie quando mostravam grande bravura e até violência. Porém nosso povo sempre foi pacífico e festeiro, e talvez eu quisesse que ela percebesse isso.

Os dias e meses se passaram uma estiada, uma seca muito forte se fez em nossa terra, os rios e córregos que eram poucos se secaram, as aves e o gado morriam rapidamente de fome e sede. A miséria abateu nosso sertão.

Numa tarde muito quente adentrei pelo vilarejo e fui até a “casa grande” onde costumávamos nos reunir, lá estavam às mães e seus filhos, os pequeninos morriam. Senti um aperto muito forte e um sentimento quase insubstituível de perda. Sentei-me num banco de pedra que tinha logo na entrada, peguei um velho e esturricado graveto e comecei a desenhar.

Peguei-me desenhando a Dama... Um amigo rapidamente viu.

- Baltazar, o que desenhas?

- Uma dama meu amigo, a dama que trás as lágrimas do céu.

- Sempre tão poeta, sempre tão tolo.

- Tolo talvez, mas de certo, sempre sincero.

Eustrógio riu de meu comentário com sua voz sempre alta e gutural, fazendo contrastar com sua pele avermelhada e escurecida pelo sol os brancos e rachados dentes.

- Não acreditas, não é Eustrógio?

- Deveras... Sempre romântico perdido em teus sonhos. Disse ele ainda rindo.

Eu olhei dentro dos olhos amendoados dele, mostrei minha convicção e verdade. Ele estremeceu.

- Baltazar, essa dama de quem falas, trás mesmo a chuva? Ela existe mesmo como nos contos?

- Existe e traz sim a chuva. Disse eu num ar convicto. – Porém, desde que eu a vi... Ela jamais reapareceu. Disse entristecido.

- Hahaha! Será que foi essa sua cara de luto ou esse seu cabelo mal cortado que a assustou? Hahaha! Eustrógio ria extremamente alto e ia rapidamente aos outros contar a novidade de minha graça.

- Olhem só a nova do Baltazar! Ele viu a Dama da chuva, mas depois que ela o viu, ela fugiu e nos rogou essa seca! Hahahaha! Ele gritava e ria alto, irritamente.

- Será que foram os cascos ou os chifres dele?! Hahaha.

Dizia um velho e negro fauno, do qual pessoalmente sempre gostara de fazer graças com meu nome.

Minhas orelhas se abaixaram ao ver o deboche, sai andando queimando de raiva, até chegar ao lugar onde a vi pela primeira vez. Sentei-me na pedra em que ela havia sentado e pude sentir um vento vaporoso e úmido bater em meu rosto gentilmente. Deixei escapar um sorriso. Escrevi na areia uma pequena estrofe, muito simples, mas da qual me lembrarei até o dia de minha morte.

“Chuva triste que vem na tarde

Esfriando as terras do sertão

Vem cá minha doce dama

Venha alagar meu coração”

Senti um vento frio percorrer por meus cabelos e uma longa manga preta me cobrir, uma voz sussurrante e gentil falou aos meus ouvidos.

- Oh meu fauno, vim aqui porque te ouvi, proteja-te esta noite e abriga-te, pois agora tens chuva no porvir.

Ela sentou-se ao meu lado e a chuva começou a cair, até a noite, ainda era pesado e triste e caia em certa violência, mas aos poucos foi amansando e a dama se mostrando mais, até que a chuva passou a ser constante, sempre que alguém a precisasse.

- E sobre o poema? A chuva apagou... E sobre a dama? O vento ao céu levou.

R Duccini
Enviado por R Duccini em 05/02/2008
Reeditado em 12/02/2008
Código do texto: T846867
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