Reviravolta

A tarde era fria. Mãe e filha, mal agasalhadas, caminhavam lado a lado sem muito falar. Havia tempo que deixaram a casa e parecia que ainda havia muito a caminhar até a fábrica.

O céu, de um azul escandalosamente forte trazia, pendurado, um sol que parecia muito brando, sem calor que o enchesse de orgulho.

Elas não pareciam cansadas. Apesar da respiração rápida, a menina conseguia acompanhar os passos firmes da mãe.

A rua, agitada, tinha um movimento intenso, barulhento. Os carros se arrastavam lentamente de leste para oeste e de oeste para leste.

Elas tinham pressa. Nada podia detê-las ou atrasá-las. Os olhos semi-cerrados por causa da intensidade da luz do sol, não permitiam que elas enxergassem nada além do próximo obstáculo.

Por vezes trocavam um olhar mais demorado e isto era suficiente para que cada uma, sem pronunciar uma única palavra, dissesse:

- Estou com você. Força, nós vamos chegar.

A notícia de que Geraldo, marido e pai das duas, estava na cidade gerou uma expectativa inesperada em ambas. Já não esperavam mais encontrá-lo.

Ele havia sido dado como desaparecido após aquele grave acidente de dois anos atrás na fábrica, quando parte da linha de produção da indústria havia ido pelos ares após a explosão de uma bomba caseira. Seu reaparecimento, agora, representava um terremoto em suas vidas.

Foram dois anos muito difíceis para elas. A princípio, logo após o acidente, o desespero, a ansiedade, a incerteza sobre o destino dele. Os dias passando e a ausência de seu corpo entre os identificados só fazia aumentar a insegurança e a aflição das duas.

Estranho! Todos os funcionários do turno foram identificados. Os que escaparam ilesos, os feridos e os que não tiveram a mesma sorte. Foram dezesseis feridos, seis mortos e um desaparecido. Justamente ele. Estranhamente ele.

Foi removido para algum hospital e não fizeram o registro adequado, é o que se acreditou a princípio. Uma minunciosa busca pelos hospitais e clínicas da cidade e das cidades em volta fizeram esta hipótese desmoronar como o telhado da fábrica.

Morreu e foi levado para o necrotério da cidade como indigente sem registro, talvez. Mais buscas e nada. Situação incômoda...sem corpo não há morto.

O tempo passava e, mãe e filha, viviam esta situação surreal. Não haviam, oficialmente, viúva e órfã.

Certamente ele havia perdido a memória naquela explosão e saíra caminhando, sem destino, a esmo e se perdido por aí.

De nada valeram os anúncios de pessoa desaparecida que elas fizeram divulgar. Nunca receberam uma só informação que lhes desse qualquer esperança de encontrá-lo. Foram muitas e inúteis lágrimas que derramaram.

O tempo foi passando, as coisas se acomodando dentro de uma nova realidade. As lágrimas foram secando, Geraldo foi se transformando numa saudosa lembrança e a vida acabou entrando num ritmo normal. Diferente, mas normal.

E, de repente, a notícia. Geraldo aparecera e estava na cidade. Um lacônico telefonema da fábrica trouxera a novidade. Estevão, supervisor geral da fábrica, velho conhecido de Geraldo, pedira para a secretária ligar para elas, sem maiores detalhes.

Receberam a notícia de maneira fria. Desconfiada, até, sem qualquer reação. O que teria ocorrido com ele? Como estaria? Voltou a velha insegurança, a incerteza e a preocupação que, antes de Geraldo, já haviam sido sepultadas.

Vestiram-se rapidamente. Saíram apressadas. De casa à fábrica era uma boa caminhada. Estavam a caminho. Finalmente as dúvidas seriam esclarecidas. A caminhada foi longa e exasperante.

Finalmente chegaram à fábrica. Minutos que pareceram horas, até que Estevão as recebesse. Cadê Geraldo afinal?

- Na delegacia de polícia – disse Estevão com cara de poucos amigos – Foi ele quem colocou a bomba na fábrica há dois anos atrás. Terá muito que explicar.

Para elas, finalmente, estava tudo explicado.