As Sandálias do Pescador
O sol nascera dobrado naquele dia. Dourava corpos desnudos, despojados, soltos na areia. A brisa fresca, como que trazida pelo movimento das ondas, era alento ao suor estanque em sua testa. Seguia sobre a linha de espuma desenhada à beira mar e, vez ou outra, deixava-se tocar pela água morna que buscava em um ultimo esforço a areia da praia.
Enquanto caminhava, avistou ao largo um quiosque e foi abrindo a passada. À medida que se afastava do mar, superava minúsculas dunas de areia quente que o separavam da sombra e de qualquer bebida gelada disponível na barraca.
Naquele momento, limão, vodca, açúcar e gelo, pareciam elementos da receita perfeita. Tombou em um banco rústico e deixou que consciente e inconsciente disputassem a paisagem e o movimento. O tempo então, preguiçoso, passava lentamente.
Foi nesse contexto em que, momentos depois, o avistou. A uma centena de passos, agachado à beira d’água, um senhor admirava o mar. Ficou intrigado, pois não percebia qualquer movimento naquele homem. Seria um boneco?
Acertou a conta e, a passos rápidos, iniciou uma investigação. Enquanto se aproximava, refreava a caminhada até que parou a alguns metros de distância. Ficou a observá-lo tentando um diagnóstico da cena. O homem, um ancião, agachado sobre as panturrilhas e com as plantas do pé como raízes a sustentar seu tronco, continuava na exata posição em que o havia descoberto.
Estaria perdido, fatigado? Senil ou amnésico? Determinado a por cabo à sua própria vida?
“Coberto por veste franciscana”, “calçou as sandálias do pescador” e lentamente foi chegando ao velho.
- Precisa de alguma coisa? – perguntou solenemente.
O homem, pela primeira vez então, moveu-se. Seu olhar era firme mas trazia profunda serenidade:
- Você não precisa de nada?
Surpreso, “desceu das sandálias” e respondeu incomodado:
- Não...
Por um instante, ele o olhou em silêncio com a mesma expressão imutável. Então, franziu as sobrancelhas como a fitar sua alma e dissertou :
- A vida é um caminhar. E cada novo dia renova a oportunidade de mover-se, ir em frente, evoluir. Mas há os que param, por medo de prosseguir. E há os que param, porque acreditam ter chegado a algum lugar. Então, virou-se novamente e tornou a contemplar o magnífico cenário.
Desnudo, talvez no único sentido verdadeiro e de valia, parou ao lado. Não conseguiu lembrar exatamente quando foi, nem o porquê. Mas estava parado. Parado nos conceitos estreitos do mérito. Parado no egoísmo e no egocentrismo do sobrevivente moderno.
Enquanto se agachava na areia úmida, sentiu brotar em seu rosto um sorriso incontido de surpresa e gratidão. Também o anseio de uma razão completa, uma satisfação por inteiro. De aproveitar intensamente a oportunidade pragmática, renovada diariamente a despeito dos que andam... e dos que param.