2.499 - Uma visão apocalíptica

América do Sul. Brasil. São Paulo. 13 de Dezembro de 2.499. Na verdade a data é uma liberdade poética. Gagan, como o chamam sequer sabe que dia é. Nunca viu um calendário, tampouco consegue contabilizar o tempo e defini-lo com um calendário. Está nu. Ele e sua família. O calor dos trópicos o desobriga o uso de qualquer vestimenta. Ele sente fome. Faz três meses que andam sem rumo.

Eles não conseguem se comunicar. Viveu muito tempo isolado, e q única linguagem que conhece é a necessidade da procriação, da manutenção da espécie. Por isso uma prole tão grande. Doze jovenzinhos seguem o homem e a mulher. Ele está alerta. Em uma das mãos segura firmemente um artefato pontiagudo encontrado na paisagem desértica. Ele não sabe bem como definir, e se eu lhe pudesse ensinar, lhe diria que poderia chamar de lança, embora fosse mesmo um pedaço de ferro que outrora foi uma grade, que protegia a habitação onde moravam os humanos.

Mas lhe falaria em vão. Afinal, Gagan nasceu sem saber o que era uma habitação. Ah! Gagan talvez não fosse seu nome, mas foi assim que lhe chamaram da primeira vez que o viram. Ele era tosco. Não fazia nada além de sobreviver. Sua lembrança mais remota era da floresta. Atlântica lhe chamavam antigamente. Mas para Gagan era apenas mato mesmo. Lugar onde nasceu, e foi criado por sua mãe. Mas o verde, o ar puro, e o céu azul diziam que havia muito mais além das fronteiras de seu habitat. Era jovem quando partiu.

Durante a caminhada fugiu de animais ferozes. Alguns como os felinos haviam avançado na cadeia animal. Vorazes predadores. Haviam crescido de tamanho. Eram de fato reis. Não era nada amigável o encontro entre homens e onças, por exemplo. Gagan matou uma, e fugiu de outras sete. Foi nesta jornada que pela primeira vez viu uma fêmea que não fosse sua mãe. Ela desfilava nua. Ele atacou-a. Fez-lhe mãe, e a carregava em sua caminhada.

Especificamente naquela tarde, quando a fome lhe corroia as entranhas, e quando ele próprio cogitava a comer da própria carne, um lago imenso lhe sorriu. Era um lago de águas calmas. Pássaros revoavam sobre ele. Bois bebiam em suas margens. Veados comiam do pasto verde que o circundava. Peixes, muitos peixes era a esperança do viajante. Frescor, sede, tudo isso ele queria cessar com a nova descoberta. Na felicidade era o quanto mais próximo se tornava de seus recentes antepassados. Gritava, agitava os braços e agia de forma despreocupada com o ridículo.

Correu como uma criança em direção ao lago. Aliás, as crianças correram também. A mulher fez o mesmo. Nadaram. Mergulharam nas águas verdes, como esmeralda. Foi neste momento que Gagan fez uma grande descoberta. O concreto. O cimento. As ruínas. E um passado glorioso que jazia sob as águas. Gagan era homem, e homens são espertos. Ele sabia que aqueles esqueletos, aqueles prédios, aqueles estranhos objetos metálicos, eram o testamento histórico de sua gente, de seu passado. Um passado que ele não compreendia, não entendia tanta engenhosidade.

Saiu da água imaginando tudo o que poderia ser as coisas que vira. Sentou-se e olhou ao horizonte, onde o sol iniciava se caminhada para se pôr. Esqueceu-as, estava feliz, e pouco lhe importava o que eram as estranhas construções, cuja lápide era o imenso lago, que lhe daria comida, e finalmente um lugar para viver com sua família.

Douglas Eralldo
Enviado por Douglas Eralldo em 12/01/2010
Código do texto: T2025032
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