MINHA NOVA VIDA COM KELLY N-N

Peguei o telefone, enquanto Kelly, selecionava umas roupas, pois ficaríamos um bom tempo navegando. Era o nosso amigo Jean Marcel, o tal psicanalista com cara de Woody Allen. Na tarde do dia anterior havíamos nos reunido em minha casa e eu havia contado tudo e repassamos o que havíamos vivido desde que assumira o corpo de Arnold Scoth. Agora ao telefone, ele informava que havia conversado com um físico seu amigo, que tinha uma teoria para o fato de que em determinados lapsos de tempo a nossa realidade se alterasse sem uma explicação lógica. Claro que isso para mim era de suma importância, pois precisava entender porque isso acontecia. Marcamos então uma reunião em seu escritório com o físico Rogério Moura, um brasileiro que trabalhava no laboratório do CERN na Suíça. Moura fazia pesquisas no campo da física quântica e buscava compreender a teoria do campo unificado.

–Enquanto analisava um bloquinho com anotações e equações matemáticas, Moura começou a explicar sua teoria.. A matemática quântica aponta para probabilidades e não para resultados precisos. Existem e isso já foi previsto no Torah, mais de um futuro. Segundo os livros sagrados, “ cinco futuros e cinco estradas”. Bem, quando você ou (seu plasma) assumiu o corpo de Arnold, foi criado um novo futuro. Este novo futuro por razões desconhecidas intercala-se por breves momentos com a época atual. O que aconteceu em Pântano Grande, já estava neste novo futuro. Teoricamente, passado presente e futuro coexistem no mesmo espaço de tempo, desta forma, você teve contato com fatos já passados, mas pertencentes ao novo futuro gerado quando ouve a sua invasão no corpo do Arnold. Podemos chamar sim de realidades paralelas que podem ser muitas. O que não tem como ser explicado é a troca de identidades. A menos que neste novo futuro os nomes tenham sido trocados por algum acidente ou uma determinação física que exigisse a troca. Seja como for, parte de sua teoria está correta. Você invadiu o corpo de Arnold no momento que ele morria e que você também morria. Isso criou além do novo futuro, um problema para digamos o espírito do Arnold. Não poderia o mesmo corpo ter dois espíritos em comum, desta forma explica-se a troca de identidade, só que isso também criou um passado paralelo. Por isso lá em Pântano você teve contato com o outro passado. De qualquer forma, não há o que ser feito. Me parece que também isso não deverá afetar as vidas de vocês dois. O que você pode fazer é pilotar o novo corpo e seja o que deus quiser. Isto agora me parecia a hipótese mais provável, nós havíamos transposto lapsos de tempo e não realidades paralelas. No dia seguinte, finalmente saímos para nossa lua de mel. Kelly estava feliz e parece que nossos tropeços com a outra realidade haviam parado. O mar estava tranqüilo e a lua iluminava o convés e refletia um brilho prateado em seus cabelos o que naturalmente me deixava escitado. O balanço do mar fazia seu papel embalando nosso amor. Navegamos alguns dias em perfeita sintonia conosco mesmo e com o mar e as gaivotas que revoavam ou pousavam sobe a proa. Lembrei-me de meus filhos, afinal eles me ajudavam e eu me mantinha, com a pouca renda da aposentadoria e não sobreviveria sem o auxilio que me mandavam. Todo mês juntavam uma parte de cada e me mandavam. - Acho que podemos fazer algo! Falou Kelly, Porque não vamos para o Brasil? Sempre gostei de lá. Vamos vender a casa em Mônaco e morar no Brasil, o que você acha? – Claro a idéia é boa, mas como vamos nos aproximar deles? E de que forma vamos ajudá-los? – Bem, vamos ter que contar esta história. – Não sei! Para eles eu sou agora um estranho. Meu filho mais velho tem 46 anos. Eu tenho 30. Vai ficar estranho pra ele me chamar de pai. Bem, tem o lado da amizade, vai ficar mais fácil entender-nos.

– O que eles fazem? Perguntou Kelly– O mais velho é técnico em informática, o do meio é administrador de empresas e o mais moço é desenhista. Trabalha para uma empresa de design de ambientes.

– Ta, então é fácil. Vamos criar uma empresa de design de ambientes, informatizada etc. Aí os três se encaixam. – Puxa, você é demais. Falta agora estabelecer uma maneira de fazer isso. Você é uma grande mulher. e tenho certeza de que você não estava com o Arnold, pelo dinheiro dele. – Claro que não, sou louca por velocidade! Brincou. –Claro! Pelo que vibrava em cada volta que eu dava na pista. Ela poderia ter ficado com tudo, mas, preferiu apostar em mim. Voltamos para Mônaco e tratamos da venda das propriedades, havia outras, pois o Arnold era precavido e sabia muito bem aplicar o que ganhava. Resolvi também vender o iate, era muito esnobe e eu preferia depois comprar um barco mais modesto. Viajamos para o Brasil e resolvemos que primeiro iríamos encontrar meus filhos e resolver como, onde e de que forma iríamos montar a empresa. Marcos, meu filho mais velho, possuía uma pequena empresa de informática em sociedade com um amigo. Fomos procurá-lo e o sócio informou que haviam dissolvido a sociedade e Marcos havia viajado para São Paulo com os irmãos. A informação, simplesmente me deixou preocupado, para São Paulo? Decidimos ir até sua casa no bairro Petrópolis onde morava com a família. A casa estava fechada e resolvi falar com a vizinha do lado

– Olha, o que se sabe é o que me contou a mulher dele, segundo ela, ele vendeu um sistema para controle de contas do governo e isso rendeu um dinheirão. Disse que a implantação do sistema gira em torno de 20 milhões, já outros dizem ganharam numa loteria. Bem, sistema para o governo ou loteria, parece que os garotos se deram bem. Prefiro a primeira. Eu pelo menos, sempre joguei e nunca ganhei nada

–Bem, pense pelo lado bom. Ou não foi uma loteria você fugir da morte invadindo outro corpo?

– Tem razão mas, sabe? Às vezes me sinto mal, lembrando que é como se eu estivesse vivendo uma vida que não me pertence, que eu surrupiei de outra pessoa.

–Entendo você, acho que também me sentiria assim. Mas, sabe de uma coisa? Eu teria me apaixonado por você, mesmo que não tivesse acontecido desse jeito. Claro que o que aconteceu, faz a gente pensar sobre a questão ética. O que fazer? Arnold não tinha parentes que eu saiba. Seus pais morreram quando ainda era jovem. Foi criado por um tio solteirão que já morreu também. E depois, Arnold era um cara muito fechado e vivia concentrado nas coisas da formula 1. Você já é diferente, é comunicativo, atencioso e com certeza em matéria de amor, eu saí ganhando e muito. Meu relacionamento com Kelly, no começo, foi apenas uma atração física, mas no decorrer dos dias isso foi se transformando e eu tinha agora certeza de que a amava. Confesso que fiquei preocupado quando ela fez tanto esforço para que eu topasse dirigir o carro até então destinado ao Arnold na formula 1, mas, com o tempo ela provou que apenas havia sido prática, pois não havia o que fazer, o que aconteceu era irreversível e desta forma a transição ficou ao nível de conhecimento de apenas nós dois e o tal psicanalista mais o Moura..Tomamos o caminho de volta para o hotel e riamos, de mais uma peça pregada pelo destino. Estávamos preocupados com os rapazes e eles já haviam dado um jeito em suas próprias vidas. Bem, teríamos agora tempo suficiente para pensar o que faríamos com nossas vidas. Eu já havia encerrado minha carreira na formula 1, levando a cabo o próprio desejo do Arnold . Kelly já estava grávida e breve teríamos companhia, não dava ainda pra saber o sexo do bebê, mas, não estávamos preocupados. O que vier, será bem vindo. Decidimos no fim de semana, viajar a Pântano, quem sabe alguma notícia dos nossos parceiros da outra dimensão? Chegamos a tardinha e antes de hospedarmo-nos resolvemos visitar o cemitério, pois ainda não sabia o que haviam feito com o meu cadáver. Um belíssimo jazigo, todo em mármore de Carrara, com um design moderníssimo e apenas os dizeres, “Aqui jaz Marcio Santana, Saudade de seus filhos” Marcos, Marcelo, Maurício. “Nossa promessa de preservarmos o nome honrado que nos legou.”

– Puxa, a vida as vezes nos manipula, como se fossemos marionetes. De repente na hora da minha morte, a realização de sonhos que jamais teriam sido possíveis. Volto para recompensar meus filhos e zombeteiramente o destino me informa que eles não precisam de mim. Fiquei orgulhoso da lápide que me ofertaram e feliz por saber que me amavam e a prova disso estava ali. Aquele jazigo com certeza teria custado bem caro. Kelly docemente passou seu lenço em meus olhos enxugando algumas lágrimas que rolavam em minha face, - Seu bobo, seja forte, não esqueça que agora somos dois seres a precisar de você. Olhávamos ainda a lápide e então suavemente, como uma transição de conversão de imagens, o texto sobre a lápide ia alterando-se deixando agora ler, grafado em inglês “Aqui jaz Arnold Scoth, Saudade de seus filhos” Armand, Anah, Ariel.

Kelly agarrada a mim, apertava fortemente o meu braço e ficamos imóveis observando até que o processo revertesse, voltando tudo ao normal. Olhamo-nos nos olhos e senti sua felicidade e nos sentimos aliviados. Afinal, entre mortos e feridos estava todo mundo vivo e todos muito ricos.

FIM, OU UM NOVO COMEÇO?

Lauro Winck
Enviado por Lauro Winck em 22/04/2010
Código do texto: T2212956
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