EU ME GARANTO!

Na nossa existência temos opções que escolhemos ao longo do caminho e Fernando resolveu fazer sua com respeito à sua vida.

Desde que era criança, Fernando via sua mãe dona Raquel fazer suas orações e não concordava em ver a mãe pedir a Deus saúde e felicidade para ela e proteção para a família e outras coisas mais que as pessoas sempre pediam ao Pai.

Sua mãe era uma fiel frequentadora de uma igreja evangélica e, quando ia a igreja aos domingos de manhã e nas quartas, sempre o levava pela mão, mesmo sendo ele garoto carrancudo e desobediente.

Fernando era tão desobediente que, aos sete anos, só porque sua mãe lhe dizia para que ele se afastasse da janela, já que a família morava em um edifício, no segundo andar, ele a pulou, ficando gravemente ferido, dando muito trabalho à sua bondosa e paciente mãe.

No momento de saírem para ir a igreja era sempre difícil esperar que Fernando se decidisse que roupa deveria usar, já que para ele não fazia diferença para onde iriam mesmo.

- Vamos Fernando, vou chegar atrasada de novo por sua causa! - assim dizia dona Raquel, esperando o filho escolher a roupa na maior calma.

Dona Raquel até pensava em deixá-lo em casa, mas não sozinho, pois sendo tão peralta, certamente iria aprontar alguma peraltice enquanto ela estivesse na igreja.

Seu pai, João Bosco, era demasiadamente calado, nunca se interferia em casa, sempre achava, que colocando a alimentação em casa, já fazia o suficiente e assim a família levava a vida.

Ao chegar à igreja, Fernando não ia para a escolinha porque, sempre quando ia, arrumava encrenca com alguma outra criança e até mesmo com as senhoras que ali ficavam para tomar conta das crianças.

No salão da igreja o menino sempre fazia ao contrário do que o pastor falava. Se o pastor pedisse que eles se sentassem, ele ficava de pé; se pedisse que eles se levantassem, ele se sentava; se fosse para fechar os olhos, ele abria mais ainda; se fosse para abrir os olhos, ele fechava... Assim Fernando cresceu carrancudo, teimoso e desobediente.

Aos dezoito anos, em sua festa de aniversário, sua mãe convidou os parentes e algumas pessoas de seu convívio pessoal. No momento de soprar as velinhas sua mãe lhe disse:

- Fernando, faça um pedido especial a Deus meu filho!

- Não mamãe! Eu não dependo de Deus, pode deixar que eu me garanto!

- Não fale assim, meu filho! Todos nós dependemos de Deus.

- Engano seu mamãe, eu não dependo e, além do mais, Deus está muito ocupado para me atender em alguma coisa; prefiro deixá-lo descansar.

- Deus sempre está presente quando precisamos, meu filho! Ele é o mais maravilhoso Pai que se sente orgulhoso em saber que nós sendo seus filhos dependemos dele.

- Chega de balela mamãe, eu já disse que me garanto sozinho!

Alguns convidados, que ali se encontravam, ficaram escandalizados com tanta ousadia e até comentavam entre eles sobre a postura do rapaz.

Depois de cantarem a tão famosa musica parabéns pra você, Fernando cortou o primeiro pedaço de bolo e disse:

- De quem será o primeiro pedaço, hein? - perguntou ele, oferecendo o pratinho de bolo e ao mesmo tempo respondendo - Já que ninguém se manifestou, é meu - e assim come o bolo.

Poucas pessoas sorriram meio que sem graça, tentando não levarem em conta o acontecido. O bolo era servido, enquanto que Fernando saía com alguns amigos de farra, garotos que viviam fazendo rachas durante as madrugadas.

Assim que Fernando entrou em um dos carros com uma garota gótica, sua mãe lhe disse:

- Deus lhe proteja meu filho e te guarde.

Ao que Fernando respondeu:

- Não precisa mamãe, eu já lhe disse que eu me garanto! – e saíram em gargalhadas.

No carro, que Fernando se encontrava, estavam quatro jovens, duas garotas e dois garotos, sendo que uma das garotas era a namorada de Fernando. Ao se afastarem daquele local, os jovens começaram a se embebedar de cerveja e a fumarem baseado entre gargalhadas de prazer. Em dado momento, enquanto o motorista do carro, de nome Paulo, beijava a garota que estava do seu lado, o carro se desgovernou, caindo de uma ponte.

Algumas horas mais tarde, o telefone da dona Raquel chamou... - De onde?! Hospital Santa Casa de Misericórdia?! – gritava a pobre mulher ao ouvir o que disseram a ela. Depois de desligar o telefone, mais calma, dona Raquel fez ma breve oração.

- “Oh, meu Deus, não deixe que seja grave! Guarda meu filho, Senhor! O Senhor bem sabe que ele é meu único filho, é certo que é muito rebelde, mas eu sei e tenho fé que ele vai se consertar... Apesar de ele achar que não precisa do Senhor, cuida dele para mim, por favor, eu lhe peço Pai!”.

Depois de fazer a oração, dona Raquel chama seu marido, que já está dormindo:

- João, acorda homem de Deus, nosso filho tá no hospital, sofreu um acidente com aqueles amigos e parece que alguns morreram e outros estão gravemente feridos...

Ao ouvir o que dona Raquel lhe dissera, o senhor João Bosco pulou da cama ainda meio sonolento e, de pijama, pegou as chaves do carro e foram para o hospital.

Enquanto isso, no hospital, Fernando passava por uma leve cirurgia no braço, levando apenas seis pontos. Dona Raquel chegou ao hospital e, ao entrar na sala onde Fernando se encontrava, ele olhou para a mãe e sorriu.

- Ai, meu filho, graças a Deus que você está bem!

Fernando fala em tom de deboche:

- Como a senhora vê mam... mãe, eu estou muito bem, porque eu me garanto! Quem estava comigo é que levou prejuízo.

- Não fale assim meu filho! Você sobreviveu por causa das minhas orações. Deus me ouviu e o livrou do pior.

Enquanto conversavam, entrou, na mesma sala, um senhor claro de cabelos grisalhos e perguntou ao enfermeiro de plantão.

- Por favor, me diga onde fica a UTI deste hospital?

Ao que o enfermeiro respondeu:

- Amigo, você não pode entrar na UTI, é proibido visitas na UTI!

Fernando, ao ver aquele senhor, fez sinal para sua mãe que se aproximasse para que ele lhe falasse baixinho. Sua mãe se aproxima e ele disse:

- Tá vendo esse homem que está aí?

- Sim, filho! E ele parece desesperado, deve estar com algum parente na UTI deste hospital.

- O filho dele é o Paulo, motorista do carro onde eu estava... ai!

- Senhor da glória! - exclamou sua mãe, colocando a mão na boca.

- Disfarça, ele não sabe que eu sou amigo do filho dele e não quero que saiba. Vá até ele e pergunta o que aconteceu, mas não diga a ele que eu estava junto.

Dona Raquel se aproximou daquele senhor, cumprimentando-o:

- Boa noite, sou Raquel, mãe daquele rapaz que está ali. O que aconteceu? É algum familiar seu que está na UTI? Me desculpe perguntar, mas ouvi, sem querer, a conversa que o senhor teve com o enfermeiro.

- Prazer senhora, meu nome é Carlos e estou procurando meu filho que estava a farrear com alguns amigos e sofreu um acidente e, pelo que eu sei, ele está muito mal.

- O senhor confia em Deus? - perguntou dona Raquel, preocupada com o estado de saúde do rapaz.

- Claro que confio e estou sempre pedindo a Deus que proteja meu filho, apesar dele ser muito rebelde. Sou católico e confio muito em Deus, sei que um dia ele vai mudar a cabeça do Paulo e fazer com que ele pare com essa vida de bagunça.

- Eu sou evangélica, respeito a sua religião e a sua fé, e quero ajudá-lo em oração pelo seu filho, se permite é claro! E, se puder, ajude-me, orando também pelo meu filho aqui está. O nome dele é ...- lhe entregou um papel com o nome de Fernando.

- Muito obrigado dona Raquel, eu permito e agradeço-lhe de coração! Quanto mais orações, melhor é! Prometo que vou pedir a Deus pelo seu filho também... Afinal, orações não fazem mal a ninguém pelo que eu saiba, só fazem o bem.

- Então escreva o nome dele no papel e passa para mim, que, a partir de hoje, eu também estarei intercedendo a Deus por ele. - Carlos escreve o nome inteiro de Paulo e, ao entregá-lo a Raquel, agradece novamente.

- Mais uma vez agradeço sua preocupação pelo meu filho, dona Raquel, me dá licença que vou ver se consigo vê-lo.

- Esteja à vontade senhor Carlos e muito prazer em conhecê-lo.

- O prazer foi meu, dona Raquel, e tenha uma boa noite.

Ao se despedir, dona Raquel saiu do hospital juntamente com seu marido e seu filho, que recebera alta em poucas horas. De volta para casa, nenhum deles disse uma só palavra. O silêncio foi total durante toda viagem.

Três meses depois, lá estava Fernando com seus amigos em uma madrugada fria, preparados para fazerem os rachas de sempre, quando, ao seu lado, surge Paulo completamente restabelecido e, ao vê-lo, Fernando pergunta, abraçando-o:

- E ai cara, tá pronto para me enfrentar? Pense bem, hein? Enquanto você esteve fora, eu andei praticando e agora eu tô mais que fera e pronto para lhe derrotar, meu irmão!

- Fernando, eu não faço isso mais!

- O quê?! Será que eu ouvi direito? O nosso chefe virou maricas?

- Não tentarás ao senhor teu Deus!

- E cara, tô estranhando você, tá falando abobrinhas...

- Não Fernando, eu mudei e não faço mais rachas, não tenho o porquê arriscar minha vida por uma coisa sem fundamentos. Sabe, Fernando, naquele acidente, eu aprendi a dar valor à vida que Deus me deu. Ele me devolveu a vida e eu a entreguei a Ele para que cuide de mim e não me deixe mais errar.

- Xiiiiiiiiiiii, você tá falando igual minha mãe, parece até que virou crente.

- Crente todo mundo é, desde que acreditamos em alguma coisa; até em você mesmo! Eu apenas coloquei minha vida nas mãos de Deus e vou deixá-Lo a me guiar.

- Ah, cara, você tá é com medo de me enfrentar, sabe que eu agora sou fera e derroto todo mundo que cruzar meu caminho, porque eu sempre me garanto...

- Engano seu, posso lhe derrotar a qualquer momento! Apenas não quero colocar a minha vida e a sua em risco, porque, fazendo isso, estarei tentando ao meu Deus.

- Ah, é?! Então vamos fazer um negócio. Você me enfrenta hoje. Se eu ganhar, você volta para farra com a gente; se eu perder, eu prometo que vou seguir o seu Deus e fazer Dele o meu Deus também, feito?

- Me dê alguns minutos, que vou ali e já lhe dou a resposta, certo?

- Valeu cara, esse é o cara! Oi, turma, preparem-se para receber nosso irmão Paulo de volta! Vamos fazer uma festa para recebê-lo depois desse racha.

As gargalhadas ecoaram pela noite fria, enquanto que Paulo se afastara a um canto solitário e, ali, se ajoelhou e fez uma oração:

- “Meu Deus e Pai, aqui estou na tua presença porque sei que dependo de ti até mesmo para respirar! Não quero tentá-lo, meu Deus, mas permitas-me ganhar essa alma para ti mesmo que hoje seja o últim dia da minha vida faça valer à pena... Perdoa-me tu meus pecados, as minhas falhas e as minhas transgressões e recebas, em tua glória, o meu espírito, se, hoje, for o dia de eu me encontrar Contigo, mas permita entregá-lo em tuas mãos a vida de Fernando, amém!” - após aquela oração, Paulo se apresentou para o seu último racha.

- Pronto! Estou pronto e vamos logo porque tenho pressa.

- Precisa pressa não, meu irmão! Daqui a pouco você estará comendo poeira feita pela minha máquina e cuidado para não engasgar... - Fernando disse isso entre gargalhadas de deboche.

- Eu estou pronto, mas quem vai confiar em jogar a chave na minha mão?

- Quanto a isso não se preocupe! Para tê-lo de volta a gente dá um jeito... Manda, aí, Júlio - fala Fernando, dando sinal para um amigo do seu lado.

Júlio joga a chave e Paulo cata-a no ar e vai logo entrando, dando a partida, assim que uma garota fez sinal com uma blusa vermelha para que eles começassem. A adrenalina de todos estava a mil. A corrida estava indo bem, até dado momento que Fernando percebeu existir algo de errado com seu carro. Tentou parar, mas não conseguiu. Os freios não funcionaram. Ao abaixar, por um instante, a cabeça, não viu uma carreta vindo em sua direção. O acidente foi inevitável. O carro de Fernando bateu de frente, deixando-o entre a vida e a morte.

O silêncio repentino, total. Paulo correu para socorrer o amigo entre os ferros amassados e retorcidos do veículo. Fernando fora colocado na maca da ambulância, enquanto que Paulo colocou as mãos em cima do corpo inerte do amigo, dizendo:

- Não esquenta não amigão, vai dar tudo certo, é isso ai, vai dar tudo certo!

Ao dar entrada no bloco cirúrgico, Fernando imediatamente entrou coma. Os médicos tentavam reanimá-lo, mas sem resultados. Nessa viagem Fernando vai para o mundo espiritual e, lá, ele se viu numa uma encruzilhada: de um lado e outro dois homens a segurá-lo pelos braços, enquanto discutiam entre eles a seu respeito.

- Essa alma me pertence! - dizia um ao outro.

- Não! Essa alma me pertence por direito.

- Eu tenho mais direitos sobre ele porque venho guardando e protegendo-o desde que ele era uma criança e nunca o abandonei.

- Você fez isto porque quis, ele nunca lhe pediu, ele nem acredita em você.

- Ele acredita sim, da forma dele! E não é por ele não me pedir, que tenho feito isso, mas, sim, pelas orações constantes da mãe dele.

Nessa discussão, o que se apoderara de uma espada de fogo, começa a lutar com o outro:

- Você só vai conseguir tirá-lo de vez das minhas garras, se ele lhe fizer algum pedido especial e, sabendo que ele não depende de você, certamente ele será meu e vou levá-lo comigo sim, porque ele nunca vai fazer qualquer pedido a você.

Ao ver aquela cena de luta pela sua alma, Fernando percebeu a razão daquela tão violenta batalha e com muita dificuldade abriu a boca, dizendo:

- “Meu Deus, perdoa-me, por favor! Perdoa-me por achar que posso me igualar ao Senhor e achar que posso caminhar sem a sua ajuda”.

Ao dizer isso, o homem, que o defendia, se encorajou e, com uma força sobrenatural, derrotou o outro, que se transformou em fumaça e sumiu

Fernando acordou assustado do coma. Vê suas duas pernas engessadas. Dias depois é levado para sua casa em uma cadeira de rodas, na qual permanecera por alguns meses, dependendo da sua mãe novamente. Paulo visitava-o, e sempre ao chegar, era recebido com alegria por dona Raquel:

- Muito obrigada meu filho, que o nosso Deus continue a lhe abençoar sempre, pois você é um instrumento nas mãos de Deus.

- Que isso, dona Raquel! A gente procura agradar a Deus da melhor forma possível e espero que eu tenha conseguido.

- Você conseguiu meu filho, conseguiu! E pode entrar que Fernando o aguarda.

Vendo o amigo chegar ao quarto, Fernando deu um toque de mão, cumprimentando-o:

- E, aí, cara, como vai essa força, hein?

- Eu vou bem, você é que parece não estar bem nesta cadeira de rodas...

- Não se preocupe cara, EU ME GARANTO!

Ao que Paulo respondeu:

- É, eu sei que você sempre se garante...

E Fernando completou:

- Sim, tendo Deus como meu protetor e meu guia, agora sei que me garanto de verdade!

Os dois amigos se abraçaram com um sorriso largo nos lábios...

Tina poeta
Enviado por Tina poeta em 08/03/2011
Reeditado em 11/03/2011
Código do texto: T2835107
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