Boto encantado
Tio Carlos, irmão da D. Dora, minha mãe, fora residir no Norte. Daí, a prima Drica, de 14 anos, embuchou de um garotinho de 16. Foi o maior rebu do mundo na casa daquela parentada. A Drica, menina linda, era ainda um bebê quando ficou prenha; quase não tinha nem peito, sequinha, parecia mais uma vara. “Gente do céu, aquela criança vai dar a luz?” _ Eu de boca aberta quando soube da notícia. Sabe, como é esse tipo de notícia? Corre longe. Todo mundo da família, até os mais distantes, foi por uma boca só: “Coitado do tio Carlos!”
Seis meses depois, Drica já estava com um bucho enorme, parecia que ao invés de uma criança eram duas, de tão grandona que estava. Ela precisou ir urgente ao médico; havia caído na porta de casa ao correr pra dar uma olhadinha no seu amor. Havia visto o Rico, o menino que a embuchou, cubando-a de longe. É, porque o meu tio Carlos proibiu terminantemente dela encontrá-lo. Tio Carlos criaria a criança como se fosse o pai.
Drica retornaria a estudar. Assim aconteceu. O menino Carlinhos Júnior foi registrado no cartório como se fosse irmão da prima Drica. A vida da menina retornara aos poucos à normalidade. O Juninho nasceu normal. Saudável só vendo! A família havia superado as intemperes de uma barriga indesejada. E chutaram a bola pra frente. Passara a tempestade. Juninho era só os amores do tio Carlos. Todos naquela casa estavam loucos de amor pela criança. Ninguém mais se lembrava do perrengue que passara. Porém, um dia Drica chega da escola chorando. A sua amiguinha de sala, teria lhe perguntado: "Ei, como vai o Botinho?” Drica não lhe respondeu nada, mas a primeira coisa que fez quando chegou em casa chorando foi dizer pro pai o acontecido: “Papai, minha amiguinha me perguntou como estava o Botinho”. Tio Carlos tranqüilo foi logo dizendo: “Liga não, filha, isso é coisa de caboco da região”. A Drica não entendeu absolutamente nada, porém ficou na dela; foi assistir televisão. Tio Carlos também nem ligou pra aquela besteira da garotada. Na manhã seguinte, foi comprar pão, assim que chega à padaria, encontra-se com o seu vizinho e compadre Moisés. Daí, ele o puxa pra um lado e vai logo perguntado: “Aí, compadre Carlinho, como vai o Botinho?” Gente, a coisa ficou feia, tio Carlos quase dá um piripaque. Mas, sai fora logo e não dá nem atenção. Quando ele chegou em casa, contou logo o que houve. Então abre a boca pra todos de casa: “Se o Moisés me fizer de novo a tolice de perguntar pelo Botinho, vou perguntá-lo sobre a Botinha da netinha dele, a filha da Mariana, sua filha mais velha. É, porque até onde eu sei ninguém conhece o pai da menina”.
Tio Carlos estava era todo feliz com o seu Botinho, isto é com o seu netinho. O Juninho o fazia feliz da vida. Quando o menino fez um aninho, tio Carlos realizou aquela festança. Gastou o que não tinha. A primaiada ficou impressionada porque ele nunca havia feito nada parecido para os filhos. “O pai nunca fora de festas!” – Os primos com dor de cotovelos. Além disso, tudo agora era do moleque: olhares, carinho, e atenção. Não sobrava nadica de nadica para os filhos. “Titio se abestalhou! Acredito que o Boto o enfeitiçara.”– eu perplexa. Tio Carlos estava totalmente louco por Carlos Júnior. Ele somente vivia pra Jr. O pior mesmo era que nem ligava mais para o resto da família. Por isso, gerava aquela ciumeira toda. Só não pra Drica. Ela não estava nem aí. Estava noutra, atrás do leite derramado. Ela amadureceu com o filho. Queria agora estudar e trabalhar. “Bem que aquele Botinho havia feito um bem danado a prima. Ela era outra pessoa” _ Me impressionara com aquela mudança da prima Drica. A prima Drica mudara da água pro vinho. Estava mais calma e mais centrada.
Alguns anos mais tarde, Carlos Júnior já com dezoito anos abre o Boi-Bumbá Garantido, cantando A Lenda do Boto. Tema feliz naquele ano, pois com ele o vermelho e branco vence pela décima terceira vez o Boi azul e branco.
A prima Drica se apaixonou de novo por um Boto Encantado. Ela engravidara do sétimo filho. Cada garoto diferente do outro; os filhos eram de pais de encantamentos distintos. A prima talvez jamais retornasse mais à sua vida normal, porque passou a ser uma lenda viva na Ilha Tupinabarana.