Jovens Selenitas - Parte 2

Sentado no alto do módulo de sobrevivência, o capitão eleito Marcos contemplava o micro-habitat que se estendia num raio de 50 metros em torno daquele gerador gravitacional, próximo ao módulo. Fazia frio, as meninas já reclamavam disso há tempos! Pôs-se a analizar a situação... A 5 metros do módulo, a cápsula de transporte que suavemente pousara no solo lunar. E o rio de lava esperado? Estava lá, mas parecia longe demais...

- Pedro, pousamos no lugar correto?

- Perto módulo, como programei!

- E o módulo, pousou no lugar correto?

Pedro, lá embaixo, pensou...

- O riacho de lava deveria passar por aqui...

Carlos não podia perder a oportunidade de cutucar o rival. Amigo sim, sem dúvida. De longa data! Mas rival no amor, pois ele bem sabia que Carlos estava há tempos interessado na Aninha!

- Pousamos no lugar errado, não é, cabeçudo??

- Pousamos do lado da cápsula!

- E onde a cápsula devia pousar?

- Bom... Aproveitei o programa. Ajustei alguns parâmetros de peso e formato geométrico, mas usei o mesmo programa para a cápsula e para o módulo.

- Sim! Brilhante! Elas pousaram no mesmo lugar sim! - provocou Carlos. - No mesmo LUGAR ERRADO, gênio!

O clima ficava tenso. Marcos tentou se controlar. Afinal era o capitão! A ele cabia a decisão nesses momentos críticos!

- O riacho está muito longe! Acho que a uns 70 metros aqui! Fora inclusive do campo gravitacional do gerador, de 50 metros...

- Culpa do cabeção! E ainda diz que quer ser cosmonauta estelar... Como pretente chegar em Alpha-Centauri se mal consegue calcular direito uma trajetória balística de 300 mil quilômetros???

Pedro avança em direção a Carlos, e Marcos até pensa em pular do alto da cápsula para impedir a agressão! Felizmente se lembra de que, graças ao gerador gravitacional, estaria sujeito a uma dolorosa queda a 9,8 m/s^2 de uma altura de 5 metros caso tentasse isto... Se limita a impor sua autoridade de capitão da aventura.

- Vamos parar de criancice!!! Fizemos merda, não interessa quem foi o culpado. Precisamos consertar.

- Algum distinto cavaleiro me cederia um casaco? - queixou-se Marta.

Marcos desceu do módulo pela escada, cedendo o seu próprio.

- Então, onde erramos?

- O riacho de lava devia passar por aqui.

- Como sabe?

- Pelo mapa!

- Quem te deu o mapa?

Pedro aponta Carlos...

- O riacho faz uma curva. Isto estava no mapa?

- Não!!!

Todo mundo olha para Carlos.

- Ah, estava embaçada a imagem!

- E?...

- Bom, supus que continuava em linha reta!

- Você o quê??? Supôs??? Não fez uma regressão de focagem na imagem para ter certeza?

Carlos não sabia o que responder. Enfim, devolveu a batata quente para Pedro.

- Mas, mesmo que fosse uma linha reta, estaríamos no mínumo uns 20 metros longe! Pedro pousou no lugar errado! Errei também, mas se ele tivesse feito a gente pousar no lugar certo, estaríamos menos longe!

O capitão perdeu a paciência.

- Ah!!!! Estou trabalhando com incompetentes????

Um silêncio mortal tomou conta da turma por alguns minutos. O frio aumentava cada vez mais...

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- Certo, turma! Estamos longe de nossa fonte de calor. Não interessa nem um pouco quem errou onde. Precisamos resolver! Alguma idéia?

- Parece que precisamos cavar um canal de lava até aqui, né? - sugeriu Marta.

- Excelente! Mas como? O riacho está fora do alcance do gerador gravitacional, em pleno vácuo! E nós sem trajes especiais. Estamos limitados a ficar num raio de 50 metros em torno do gerador.

Aninha pensou. Vacilou um pouco, com medo de falar alguma besteira. Enfim, tomou coragem.

- Precisamos mudar o gerador de lugar! Para o riacho ficar dentro do campo!

- Brilhante, Aninha! O gerador está bem perto do módulo e da cápsula! Se o deslocarmos a uns, digamos 30 metros em direção ao rio de lava, o colocaremos dentro do campo gravitacional, levando junto a micro-atmosfera, e poderemos trabalhar na escavação dos canais tranqüilos. Ao mesmo tempo, módulo e cápsula ainda permanecem dentro do raio de atuação do campo gravitacional do gerador! Então... vamos lá, galera?

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Os meninos não conseguiram fazer o pequeno gerador gravitacional se mover um milímetro de sua posição.

- Caramba, isso é feito de quê? Pelo tamanho, achei que 20 quilos era muito! Mas parece que é muito mais pesado que isso...

- Gente, isso é um gerador gravitacional! Enquanto estiver ligado, movê-lo é o mesmo que tentar mover toda a massa que ele atrai. Incluindo a atmosfera à nossa volta!

- Ah, brincou, né? Quanto pesa o ár?

Marta fez uns cálculos rápidos de cabeça. Era boa nisso!

- Não parece, mas pesa muito!

- Quanto?

- Vejamos... Se não me engano, temos ár confinado dentro de uma cúpula esférica de 50 metros de raio, não é?

- Isso mesmo.

- Certo. Então temos um volume de ár de... - pensa... - 4/3 vezes PI vezes 50 metros ao cubo... Mais ou menos 523.600 metros cúbicos.

- Metade disso, Marta!

- Como?

- Nosso gerador só atua na semiesfera superior! Não faz sentido gastar campo gravitacional no subsolo lunar.

- Como conseguiu alterar isso? O formato do campo?

- Bom, os detalhes são meio chatos... Explico com mais tempo.

- Certo! Então temos 261.800 metros cúbicos de ár. Como cada metro cúbico de ar pesa 1.3 quilos, resulta em... cerca de 340 toneladas de ár para empurrar!!!

- Brincadeira,né? - se espantou pedro.- Nunca achei que ár fosse tão pesado!

- Bom, não vamos conseguir empurrar isto arrastando no chão, por causa do atrito. Temos de colocar umas rodinhas embaixo pra diminui-lo.

- Tá, e como vai erguer isso pra colocar as rodinhas.

- Arquimedes, meu caro! "Dai-me um ponto de apoio e uma alavanca, que moverei o mundo!"

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É, as alavancas não foram suficientes... Eles se renderam a uma dúzia de bons macacos hidráulicos em torno na pequena caixa para que pudessem erguer o engenho fabricado pela empresa indiana Graviton. Felizmente o carrinho com rodas era muito resistente! Nanotubos de carbono bem distribuídos, aguentariam um planeta sobre ele! Foi de Carlos que partiu a idéia ridícula:

- Se o problema todo é arrastarmos essa atmosfera junto, não seria melhor desligarmos o gerador?

- Grande, Einstein!!! - Pedro não poderia perder esta oportunidade. - E todo mundo aqui sairia voando no vácuo do espaço, explodindo com a pressão interna de nossos corpos! Vai em frente!

Carlos nem tentou responder à provocação, pois percebeu imediatamente que a sugestão era ridícula.

Bom, lá estava o gerador sobre o carrinho de rodas. Seria difícil, mas não impossível, mover 340 toneladas daquela mistura de nitrogênio e oxigênio.

- Um, dois, três, e...

Um tranco! Nem um milímetro movido.

- 1, 2, 3, e...

Nada de novo! Só um barulho de batida em metal.

- De onde vem este barulho?

- Vamos descobrir. 1, 2, 3, e...

CLANK!!! Nem um milímetro movido, e de novo o som da pancada.

- Vem do nosso módulo!

Grande charada! Pensem, gênios! Pensem!

- Pessoal! - arriscou Marta. - Esta meia calota esférica do campo do gerador atua em toda a matéria dentro de seu raio de influência, não é?

- Isso mesmo, Marta!

- Inclusive no módulo e na cápsula?

Marcos não resistiu, e deu um sonoro beijo no rosto da garota.

- Brilhante, Marta!! Brilhante!!! Estamos aqui feito bobos tentando puxar a cápsula e o modulo junto com a atmosfera em torno de nós, já suficientemente pesada!

Pedro se lembrou de algo bem importante.

- A cápsula não! Não esquecemos ligado seu campo anti-inercial?

- Sim, concordo! Estamos tentando arrastar apenas o módulo (além da atmosfera) que deve ter bem mais do que essas 340 toneladas em forma de metal!!!

- E que faremos?

O capitão pensou. Sim, a função dele era resolver este tipo de emergência!

- Temor um gerador anti-inercial sobressalente, não é?

- Sim, por segurança! Mas eles consomem muita energia!

- Ligamos por pouco tempo! Só até deslocarmos o gerador gravitacional uns 30 metros daqui! Colocamos no centro de gravidade do módulo, e sua massa irá parar de atrapalhar nosso trabalho!

- Que estamos esperando?

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Ligaram o campo anti-inercial também em torno do módulo de sobrevivência. Agora, só teriam mesmo de empurrar a cúpula de ar de 50 metros de raio, que já era bem pesada! Amarraram três cordas em torno do gerador gravitacional. Sim, porque vocês não esperavam que os cavaleiros obrigassem as damas a um serviço braçal deste tipo, né?

As meninas ficaram do lado do carrinho, enquanto os três garotos tentavam sincronizar as forças.

- Vai lá! Um, dois três, e...

Enfim conseguem deslocar um pouco gerador. E também as duas garotas, que paradas ao lado dele recebem um empurrão sobrenatural, caindo de cara na poeira lunar.

- Ei!!! Que é isso???

Os garotos começam a gargalhar. Pedro entente rápido o que acontecêra, e explica:

- Vocês duas também estão dentro do campo gravitacional do gerador! Quando o empurramos, vocês vêm juntas!

- Ah, que engraçado!! - Aninha estava fula da vida. - Você não quer que puxemos esta coisa com vocês, né?

Marcos, centrado e conciliador, soluciona o problema:

- Subam em cima do carrinho, garotas!

- Ah, fala sério! - protesta Carlos. - Vamos ter de carregar mais uns 150 quilos além das 340 toneladas de atmosfera à nossa volta?

- 150 QUILOS???!!! Está nos chamando de gordas, é?

Mais uma vez a autoridade de capitão se faz necessária para apaziguar os ânimos.

- Não faz diferença. As arrastaríamos em cima do carrinho ou do lado dele. Só estamos deixando as coisas mais confortáveis para as meninas! Além disso, quem arrasta 340 toneladas não vai se incomodar com uns quilinhos a mais...

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Lenta e paulatinamente, o gerador gravitacional percorre os 30 metros em direção ao riacho de lava inscandescente. Rápido fica óbvio a melhora na temperatura, com a cúpula de ár entrando em contado com o magma lunar liquefeito...

- Certo! Podemos parar por aqui! - ordena o capitão.

- E agora?

- Venham comigo, rapazes!

Ele entra no módulo, pressiona um botão na parede, e tira de lá três pás.

- Tá brincando, né?

- Brincando uma ova! Vamos começar a cavar!!