Jovens Selenitas - Parte 5

Os técnicos da NASA não se cansavam de admirar da sagacidade daqueles cinco brasileirinhos. Ainda mais com a notícia da descoberta da base de lançamento, escondida no meio do Saara. Coordenada à distância como uma simples construção recreativa num mundo virtual, através de ordens dadas a um grupo de robôs já fora de linha (mas bem eficientes no trabalho) que insistiam em permanecer mudos quanto aos detalhes da construção. "Só estamos autorizados a fornecer informações ao ADMIN do sistema", era a repetitiva e irritante resposta de todos eles.

Os técnicos discutiam entre si em inglês. Sim, pois a Grande República Latino-Brasileira das Três Américas insistia em manter a cultura de suas províncias, não tentava impor o Idioma Brasileiro como língua oficial em todos os seus domínios, exceto para textos e comunicações oficiais. Até mesmo a Província Argentina, apesar de vizinha à capital da República, havia mantido internamente o antiquíssimo idioma espanhol! As demais províncias do Continente Sul já haviam adotado, a algumas décadas, o Idioma Brasileiro como seu próprio, para facilidade de comunicação com as províncias vizinhas. Mas a recentemente incorporada Província Norte-Americana (da qual apesar do nome, não faziam parte nem a província canadense nem a mexicana) haviam mantido internamente o inglês. Ligeiramente latinizado, mas na base se reconhecia bem o antigo idioma. Por isso, como comecei a dizer, eles discutiam em inglês. A tradução era a seguinte:

- Podemos desistir de tirar qualquer informação dos robôs, isto não vai funcionar.

- Uma engenharia reversa em seus cérebros não poderia...

- Não! Totalmente inviável! O próprio processamento, endereçamento de memória, I/O... tudo é criptografado! Foi um trabalho brilhante mesmo!

- Mas aquele cilindro oco de metal dá o que pensar, né?

- Sim! Tudo indica que foram lançados como balas de canhão!

- Bem ao estilo Julio Verne!

- A grande pergunta é: como sobreviveram sem ser esmagados no lançamento? A tal aceleração, tanto faz se eles estivesse dentro da cápsula quanto na frente dela! O efeito seria o mesmo!

- Teremos que perguntar no próximo contato. Alguma idéia?

- De fato tenho uma, mas... não! Muito arriscado!

- Diz logo!

O técnico pensa antes de prosseguir.

- Conhece o princípio dos campos anti-inerciais que usamos para lançar satélites de componentes mecânicos ultra-sensíveis?

- Lógico que sim! Ele permitiu que nós... - para com uma cara aterrorizada. - Ah não!! Você está insinuando que aplicaram o campo dentro da cápsula, neles mesmos?

- Exatamente!

- Que loucura! Isto nunca foi testado em matéria orgânica! Nenhuma experiência com cobaias até agora, só instrumentos mecânicos e eletrônicos mesmo!

O segundo técnico conclui pensativo.

- Pois é! Para concretizar seus sonhos, tem certos riscos que somente a juventude ousa correr...

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Chegaram ao ponto de lançamento, e imediatamente se dirigiram à beirada do enorme precipício que escondia o cilindro de disparo, enterrado debaixo das areias do deserto.

- Que acha que usaram como propelente?

O primeiro técnico fareja vapores à beira do abismo, na esperança de detectar ainda odores conhecidos.

- Uma mistura de hidrogênio e oxigênio sólidos, extremamente comprimidos?

- Não acredito que foi isto. Não se espandiria suficientemente rápido para acelerar a cápsula até a velocidade de escape.

O técnico fareja novamente, e faz uma careta.

- Nitroglicerina???!!!

Olham as bordas do cano de lançamento, perfeitamente lisas.

- O material resistiu. Pedi uma análise dele, mas acredito que seja carbono manipulado numa geometria incrivelmente resistente. Icosaedros intercalados talvez, envolvendo núcleos metálicos em seus centros... Provavelmente o mesmo material das paredes da cápsula. Leve, e resistente!

Fareja de novo. Sim, claramente eram resquícios de uma explosão de nitroglicerina! De MUITA nitroglicerina!

- Admiro cada vez mais essa molecada!

Deixam a borda e passam a examinar os robôs, que agora vagavam feito zumbis de um lado para outro, sem nenhuma nova função com a qual se ocuparem. Todos modelos obsoletos! Sucatas! Não devem ter gasto nem metade das mesadas juntas de todos eles para comprar uma centena de tais robôs. Mas mesmo uma sucata bem programada é capaz de desempenhar com destreza sua função. Olhando a base de lançamento ao seu redor, os técnicos avaliaram que ela deve ter custado, no máximo, uns 10 mil dólares. Cinco adolescentes seriam capazes de acumular isto economizando suas mesadas por uns 2 ou 3 anos! E foi o que eles fizeram...

- Tem gente que gasta o dobro disso ou até mais em edificações virtuais! Como poderíamos desconfiar que a deles era de verdade ?

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Os cinco jovens selenitas, deitados sobre a poeira lunar, aguardavam impacientes o "nascer" do Sol. Como dito antes, o sol já estava acima do horizonte lunar, embora nenhum indício disto pudesse chegar no fundo daquele vale. O que eles aguardavam era ver o disco solar, em sua viagem pelo céu, cruzar a qualquer momento a beirada da fenda acima deles, à direita.

- Que ninguém se esqueça dos óculos!!

- Ué, a película de ozônio não vai nos proteger?

- Da radiação ultravioleta, sim! Mas a intensidade do espectro visível, ainda mais atravessando apenas essa microatmosfera de 50 metros de ár, pode danificar seriamente a retina!

Carlos, O Polêmico, não poderia deixar de comentar:

- Eu costumava apostar quando pequeno quem conseguia ficar mais tempo olhando diretamente para o Sol. Costumava ganhar sempre.

- Eh... só podia ser ele mesmo! - provoca Pedro.

Marta completa:

- Provavelmente você deve ter uma parte da retina danificada com esta brincadeira.

- Eu não!

- Ah, tem sim! Lembra que você comentou um dia de que sempre via uma mancha escura na sua frente, que acompanhava qualquer que fosse a direção para onde você desviasse o olhar, então!

- Ué, todo mundo vê essa mancha, não vê?

- Lógico que não! - Pedro cutuca um pouco: - Só cabeçudos que fazem essa brincadeira idiota de ficar olhando para o Sol.

- ÊPA!!! - Marcos sente que é hora de intervir. - Vamos parando por aqui! Coloquem os óculos escuros que o sol vai nascer em 5... 4... 3... 2... 1.... agora!!!

Mesmo de óculos, eles não estavam preparados para a intensa luminosidade, acostumados que estavam com o breu absoluto do espaço. A breve cegueira cessou com a adaptação da retina. Viam agora aquele ponto de luz se esticar pela borda do vale, se apresentando cada vez mais na forma de um pedaço de disco. Quando enfim o disco solar surgiu completo ao alto, todos aplaudiram o espetáculo.

- Podemos agora tirar os óculos?

- Com certeza, Carlos! Mas óbvio que aqui vale a mesma recomendação que na terra: não olhem diretamente para o Sol!

Tudo que viam em volta era branco e preto. Como naquelas cenas muito mais antigas até que a dos filmes 2D. Filmes de uma época pré-histórica em que as cenas nas telas, além de não terem profundidade, também não tinham cores! As roupas dos adolescentes eram as únicas coisas coloridas percepitíves até onde a vista podia alcançar! Até o magma, antes laranja-vivo no breu cósmico, empalideceu com a brancura amarelada da luz solar que agora dominava o fundo do vale.

- Parece até um filme que meu vô me mostrou uma vez, de um tal de Chaplin...

- Nossa! Não sei como você consegue ver esses filmes 2D, chapados! Me dá dor de cabeça ver estas cenas, sem profundidade, em movimento! - queixa-se Pedro.

- Esse que vi era 3D. Foi convertido! Mas deixaram sem cores mesmo. Pelo valor histórico, meu avô me disse...

- Ah, menos mal!

Aninha ficou atenta também ao silêncio mortal em volta, interrompido apenas pelas vozes da tripulação.

- Esse silêncio todo também... deixa ainda mais parecido com o filme!

- Como assim? O filme não tinha som?

- Não, era da época do cinema mudo.

- Não te entendo que graça vê nisso, Aninha! - Pedro brincou. - Só falta agora você dizer que também gosta de ler desenhos de cavernas pré-históricas, hehehe...

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Satisfeitos com as observações no Saara, os técnicos resolveram dar uma passada no Brasil antes de retornar à NASA, na Província Norte-Americana. Na verdade, satisfeitos eles não estavam nem um pouco! Quase nada havia sido esclarecido, apenas suposições vagas, incompletas. Esperavam conseguir de novo permissão dos pais dos aventureiros para fazer uma nova ligação, tentar esclarecer diretamemnte com os autores algumas de suas dúvidas.

O Continente Democrático Indiano, que atualmente englobava a antiga Ásia e a eternamente separatista província da Península Européia, confirmou o desvio de um gerador gravitacional para destino ignorado. Normalmente tais geradores eram destinados a serem instalados no centro de gravidade de asteróides para facilitar a atividade de mineiração, dispensando o uso de trajes espaciais pelos mineiros por conseguir segurar uma microatmosfera em torno do pequeno corpo celeste. Sim, foi um pouco de negligência, eram tantos os pedidos para asteróides novos que passou despercebida uma requisição para aquela pequena distância de 380 000 quilômetros da Terra. Ninguém pensou em questionar que asteróide seria aquele, tão próximo de nosso planeta.

- Você acredita que eles desviaram este gerador para a lua também?

- Tenho quase certeza! Trajes espaciais são muito caros! Eles não teriam como comprar...

- Mas este gerador específico tem potência bem baixa, não é?

- 50, 100 metros de raio no máximo! Mas deve ser suficiente para criar um micro-habitat para eles.

- E o calor? Eles não poderiam gastar tanta energia com isto!

- Isto é uma das coisas que vamos perguntar! - disse o técnico, chamando a atenção do robô-porteiro da casa.

O robô-anão entra por uma pequena abertura na parede da casa. Sua voz era quase humana! A dona da casa fazia questão de bons sintetizadores vocais!

- Dona Lia, os dois técnicos com credenciais da NASA, que estiveram aqui dias atrás, estão de volta!

- Permita que entrem, James!

James... De onde ela havia tirado este nome para colocar no robô? Ah sim! Provavelmente era algum mordomo dos centenários livros da Ágatha Christie, que Dona Lia não se cansava de reler! Ela adorava ler tais histórias que se passavam nas eras medievais, ainda mais quando recheadas de mistérios e crimes. Apesar dela não conseguir fazer uma idéia do que viria a ser "assassinato", que a autora tanto citava nas histórias. Na atual era histórica as pessoas tinham muita dificuldade em compreender a idéia de alguém tiram a vida de outra intencionalmente, com objetivo de conseguir alguma vantagem. Mesmo homicídios acidentais eram minimizados ao máximo, maior motivo da humanidade não ter ainda se espalhado pelo Sistema Solar: a possibilidade de erro, morte acidental num lançamento espacial, era totalmente inconcebível! Sem 100% de segurança na viagem, ninguém deixava o planeta!

- Boa tarde, Dona Lia!

- Igualmente! A que devo esta visita?

O técnico se esforçava em se expressar bem no idioma brasileiro, língua oficial da República:

- Nós querer... queremos tentarmos ligarmos... Estar certo isso?

- Não se preocupem! Eu estou entendendo vocês...

- Nós pedirmos permissão ligar garotos na lua de novo! Permite nós ?

- À vontade! Por favor, dêem um jeito de trazer de volta minha filhinha! Se for problema de dinheiro, meu marido garante que...

- No problem, senhora! Já estarmos providenciando isso junto com Continente Indiano, Reino da África e República Antártico-Australiana.

- Ah, fico mais tranquila!

- Filha da senhora e seus amigos agora famosos, a senhora saber... Ninguém falar outra coisa no mundo inteiro!

- Só quero ela de volta... - disca o código alfanumério no transcomunicador. - Tome aqui! Está chamando!

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- Alô! Mamãe??

- Sermos nós da NASA! Poder passar para capitão, por favor?

- Ah tá...

Marcos diz logo que recebe o transcomunicador:

- Podem aguardar um pouco na linha? Reunião rápida com minha tripulação!

- À vontade! Nós aguardar!

Marcos chama os dois garotos para dentro do módulo. As meninas reclamam.

- Ei, que é isso? Clube do Bolinha?

- Conversa de homem, garotas! É importante!

Indignadas, Ana e Marta vêem de fora a portinha hermética se fechar.

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- Então, cap! Qual é o galho?

- Eu evitei trazer as garotas porque o assunto é grave! Elas poderiam se desesperar.

- O probema é o que eu estou pensando? - perguntou Pedro.

Marcos fica um tempo mudo. Resolve desembuchar de uma vez.

- Vou abrir o jogo: achei que chegando aqui conseguiria bolar uma maneira de fazer, mas o fato, agora que aqui estamos, é que não faço a mínima idéia de como voltar!

- Bem que estranhei não terem me pedido um programa de retorno...

Carlos se segurava, mas se alguém fosse bem atento poderia notar um começo de lágrima de desespero no canto do olho.

- Sei que ninguém vai gostar muito da idéia, mas... não tem jeito, vamos ter que pedir ajuda para papai e mamãe!

- E a idéia é qual?

- Vamos liberar os robôs! Deixar eles explicarem passo a passo como chegamos aqui. Para a NASA tentar repetir e enviar um resgate.

- Ah não!!! Entregar nossa idéia assim de bandeja?

- Pedro, sejamos realistas! Eles não vão gastar milhões de dólares para resgatar cinco crianças desobedientes que vieram parar na lua e não sabem mais voltar! Só farão isso se mostrarmos um jeito barato de viajar até aqui. Sim, não tem outro jeito: precisamos entregar o ouro ao bandido...

- Porcaria! Tanto trabalho pra nada...

- Eles acabariam descobrindo.

- Não mesmo! Sozinhos? Nem no próximo milênio, do jeito que são medrosos...

Carlos não conseguiu mais segurar a lágrima.

- Está chorando, Carlos?

- Eu?? Logico que não! Foi uma poeirinha lunar que caiu no meu olho.

- Tá chorando! Tá chorando!!! Hahaha! A menininha tá com medinho! - Pedro se deliciava.

Desta vez nem Marcos conseguiu impedir o sonoro soco de Carlos no olho do Pedro. Os garotos rolavam pelo chão do módulo, enquanto o capitão apenas assistia, esperando os ânimos esfriarem. Enfim, esfriaram.

- Então? Acabou a palhaçada?

Ambos de cara inchada, olhavam para o chão envergonhados.

- Dois amigos numa briga besta desta. Francamente!! O que está rolando, hein?

Carlos olhou ameaçador para o amigo Pedro. Por um instante, Marcos achou que a briga recomeçaria. Mas isto não aconteceu.

- É ciúmes, Carlos? Ciúmes da Aninha?

A expressão do rosto respondia tudo. Não eram necessárias palavras.

- Ah não, dois velhos amigos brigando por causa de uma garota... Que idiotice!

- Pedro sabia que eu estava afim dela...

- Mas o contrário nunca aconteceu, Carlos! Acorda, homem! A Ana nunca quis nada contigo!

- Eu achei que...

- Achou! Só isso! A paixão nos deixa cegos? Não acredito nisso! Acho que é muito pior: ela não nos deixa cegos, ela nos faz é enxergarmos DEMAIS, vermos coisas onde elas não existem!

Carlos olha para baixo, triste.

- Parem agora mesmo com esta besteira! Esta briguinha morre aqui! Temos um problema muito mais sério para resolver agora! Apertem as mãos, e deixem isso para trás imediatamente!

Carlos reluta. Pedro, enfim, resolve falar.

- Mas você é muito besta mesmo, hein Carlinhos!! Só você ainda não percebeu que a Marta está te dando o maior mole??

Os olhos de Carlos brilham, deixando-o com ar de idiota. Olha para o capitão, em busca de confirmação.

- É mesmo?

Marcos sorri, e confirma com um aceno de "sim" com a cabeça. Com um aperto de mão, os velhos amigos fazem as pazes.

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Pela barulheira que ouviram lá de dentro, apesar do fechamento hermético, as garotas desconfiavam que algo acontecia dentro do módulo. Mas não imaginavam a gravidade até sairem pela portinha do módulo aqueles dois garotos com a cara inchada da briga.

- Que aconteceu, hein? - quis saber Ana. - Se trancaram lá para uma luta livre?

Marta ergue o transcomunicador.

- Os caras da NASA já estão cansados de esperar!

- Me dê aqui, Marta! Já tomamos uma decisão. - assume Marcos.

- Carlinho! Que cara é essa? - Marta olha quase com raiva para Pedro, adivinhando ser ele o causador daqueles hematomas em seu querido.

- Nada, Martinha. Besteira!

Os olhares se encontram. Sim, algo estava para rolar, todo mundo percebeu! A voz de Marcos ao intercomunicador cortou momentaneamente o clima.

- NASA? Vocês são da NASA? Ah, é Arthur seu nome? Saudações lunares, aqui é o capitão Marcos! Arthur, pretendemos soltar a língua dos nossos robôs. Pode nos ajudar a fazer isso? Precisamos que vocês conectem uma conferência com o seguinte código alfanumérico no nosso terminal do Saara: A de abóbora, 13, L de lua, nove...

Marta e Carlos ficam de mãos dadas. Tem momentos que as palavras não servem para nada, só atrapalhariam.Um bom exemplo disso eraa conversa atual de Marcos com o técnico da NASA.

- Desculpa, você não entendeu o que é "soltar a língua", né? Hehe, foi mal! Quis dizer que vamos destravá-los para explicar qualquer coisa que quiserem saber sobre como chegamos até aqui. Nossa localização, lógico! Anota aí: latitude 15 graus, 13 minutos, 27 segundos, longitude...

Carlos e Marta se abraçam num beijo digno dos bicentenários filmes de Hollywood. Até mesmo o casal Pedro e Aninha ficaram morrendo de inveja!

* CONTINUA *