A FÓRMULA DO CAOS - CAPÍTULO VII

Partir daí para a previsão de loterias foi um passo até que natural. Bem, tinha uma descoberta incrível em mãos mas era incapaz de tirar algum proveito dela porque não podia apresentá-la, era incapaz de compreender como e por quê ela funcionava. Mas alguma vantagem eu tinha de tirar disto, não é? Foi quando comecei a aplicar meu algoritmo no resultado das loterias.

De início me encrenquei bem com isto, meti os pés pelas mãos! Acertei muitas loterias em um curto espaço de tempo, e obviamente o leão ficou muito desconfiado. "Alguma treta tem aí, já vimos isto acontecer antes!", é o que ele deve ter pensado. Acabei não recebendo prêmio algum, já que a situação era bastante suspeita. E até provar que focinho de porco não é tomada... Lógico que o juiz não engoliu minha história da "Fórmula do Caos", mas felizmente se convenceu de que eu era apenas um matemático meio doido que acabou tendo alguma sorte no jogo tentando provar uma teoria maluca, e não uma pessoa de má índole tentando aplicar algum tipo de golpe. No fim saí no lucro, pois não fui preso por fraude, e felizmente o fato foi muito bem abafado pela imprensa: o governo não estava nem um pouco interessado num escândalo de tais proporções envolvendo a loteria, esperança de milhões de fiéis apostadores brasileiros!

Mas aprendi rápido a usar a situação a meu favor: por que eu preciso ganhar os prêmios totais, algo que posso fazer quando eu bem entender, mas pagando com isto o preço de colocar todos os holofotes sobre mim? Nem saberia o que fazer com tanto dinheiro. Na verdade, tanto dinheiro nem mesmo existe nos lastros do Banco Central, mas isto já é outra questão... Tudo bem que eu saiba o resultado exato de qualquer loteria simplesmente analisando a sequência de resultados dos sorteios anteriores, mas o que me impede de "errar" de propósito um ou dois números e passar a vida ganhando os prêmios parciais (uma boa bolada!), com a vantagem de não comprometer muito meu valioso anonimato agindo desta forma? Foi o que passei a fazer para sustentar minhas mordomias desde então.

Por favor, entendam que eu trocaria todo o dinheiro do mundo pela possibilidade de apresentar minha descoberta, pelo reconhecimento de ser seu criador. Mas para isto eu precisava explicar como e por quê ela funcionava, o que tornava meu algoritmo capaz de prever o "caos". Mas eu não sabia. Por mais irônico que possa parecer, eu acabei chegando ao "Algoritmo do Caos" meio que por acaso...

Quem trabalha com computação provavelmente vai entender o que estou querendo dizer. Trata-se daquela afirmação recorrente dos programadores: "Funciona! Não sei o que fiz para funcionar, mas funciona!". Ou a regra de ouro, corolário desta primeira: "Se está funcionando, não mexa!!" Foi assim que cheguei à minha Fórmula do Caos. Primeiro tentando ajustá-la para abranger todos os algoritmos pseudo-randômicos conhecidos, mudando um parâmetro aqui, alterando uma instrução do programa acolá... Depois constatei que funcionava na sequência dos primos, nas faces dos dados, nas moedas, cartas, isótopos de urânio, e enfim nas loterias! O que mais ela poderia prever? Eu precisava mesmo de mais provas?

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"Tempo instável durante a manhã. Sol à tarde com pequena possibilidade de chuva fraca ao anoitecer."

- Esta semana a previsão do tempo só errou! - queixava-se um senhor de idade no restaurante, que terminava seu almoço na mesa à minha frente. Eram umas 11 horas da manhã. Cedo demais para um almoço, mas meu estômago falava mais alto.

"Temperatura mínima prevista para hoje é de 25 graus, e a máxima de 31 graus."

Na ocasião nem dei muita importância às queixas do homem em relação às previsões da TV. Me interessava muito mais o bife à parmegiana que eu começava a atacar sobre meu prato. Além disso a queixa daquele senhor não era dirigida a ninguém em particular, ele apenas expressava em voz alta seu descontentamento. Além disso nem me importava a exatidão das previsões daquela moça bonita na TV, pois chovendo ou não meu fiel guarda-chuvas aguardava ao meu lado, por precaução.

Paguei minha conta e comecei a caminhar até minha casa quando, sem aviso prévio, desaba o maior temporal! Procurei rápido um abrigo, mas não a tempo suficiente para evitar de ficar ensopado. "Erraram de novo! O velho do restaurante deve estar furioso agora...", foi o que pensei ao chegar num lugar mais protegido daquela chuva. Ainda faltava uma boa caminhada até minha casa, próxima à antiga estação de trem, quando lembrei: "Praga!!! Esqueci meu guarda-chuva no restaurante!!" É incrivel como alguns objetos normalmente inúteis só se tornam importantes quando os esquecemos, por serem totalmente inúteis na ocasião do esquecimento. É fácil se esquecer de um guarda-chuva quando não está chovendo, não é mesmo?

"Se pelo menos eu soubesse que cairia esta tempestade, não teria esquecido meu guarda-chuvas." Foi quando mais um daqueles estalos gigantescos surgiu em minha cabeça: "Espera aí!!! Mas eu tinha como saber isto com antecedência!!" Esqueci da tempestade, do guarda-chuvas, do desconforto de estar ensopado, e de todo o resto! Corri para casa! Tudo o que me interessava agora era conseguir o registro das condições climáticas de minha região dia após dia, nos últimos dez anos pelo menos.

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Não consegui, me dei conta de que tal registro simplesmente não existia para minha cidade. Existia para as principais capitais, para cidades importantes no mundo, até mesmo registro hora após hora! Mas os que eu queria, não existiam... "Tudo bem!", pensei, "Posso eu mesmo providenciá-los!"

Resgatei um velho termômetro de mercúrio de dentro do meu baú de velharias, sobre o guarda-roupas, e o pendurei na parede da cozinha. Nos dois dias seguintes anotei obcecado as temperaturas, hora após hora. Queria aplicar as medições ao meu algoritmo e conseguir com isto uma previsão do tempo de uma acurácia nunca antes imaginada por nenhum meteorologista! Percebi logo depois das primeiras 50 anotações que eu realmente precisava dormir, por mais que tentasse rejeitar esta idéia. Mas quem anotaria as temperaturas a cada hora enquanto eu estivesse sonhando? Era muito importante que não existissem buracos na sequência, ou a previsão não seria tão confiável.

Felizmente tinha o equipamento necessário para continuar a registrar de uma forma muito mais confiável: um velho notebook, uma webcam e uma lanterna USB. Sempre achei inútil ter uma lanterna USB, mas agora seu valor era inestimável! Fico feliz de não a ter jogado no lixo como uma quinquilharia qualquer. Liguei o notebook na tomada (era realmente muito velho, não podia mais confiar na durabilidade de suas baterias), apontei a webcam para o termometro na parede da cozinha, acima do fogão, e também liguei a lanterna para iluminá-lo nas medições noturnas. Foi extremamente simples programar o notebook para acionar a lanterna e fotografar o termômetro a cada hora usando a webcam. Seguro que que havia espaço de sobra no equipamento para que ele registrasse milhares de imagens em sua memória, pude enfim confiar as medições à engenhoca improvisada e ter meu merecido repouso.

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Tal era meu esgotamento que dormi praticamente 24 horas seguidas! A primeira coisa que fiz ao acordar foi checar meu fiel medidor de temperaturas. Concordo, eu poderia muito bem ter comprado um termômetro digital e ligá-lo diretamente ao computador, sem toda esta gambiarra usando webcam, lanterna usb, termômetro de mercúrio... mas isto não me ocorreu na hora. Chequei as últimas imagens, e estavam todas lá, hora após hora. Lembram-se daquela regra de ouro que citei antes? "SE ESTÁ FUNCIONANDO, NÃO MEXA!!!" Saí então para uma longa caminhada, deixando meu fiel notebook continuar seu trabalho como medidor de temperaturas...