A FÓRMULA DO CAOS - CAPÍTULO XI

Era indescritível a empolgação de todos para reinaugurar a linha de trem! Embora já tendo conseguido meu objetivo nesta brincadeira toda, que era obter os registros do Seu Bosco, realmente me envolvi com aquela empolgação toda! Via a satisfação do Seu Bosco, diria que ele havia rejuvenecido uns...80 anos! Parecia de novo um moleque empolgado com seu brinquedo novo! Já havia até me mostrado sua linda encadernação com página em brancos, agora de couro preto e com letras douradas na lombada: 2017. Sim, a data da volta já tinha sido estipulada. O primeiro trem inaugural chegaria da cidade vizinha exatamente (e Seu Bosco faria de tudo para que este "exatamente" fôsse respeitado!) ãs 6:50 horas da manhã do dia primeiro de janeiro de 2017, para partir às 7:00. Eu já sabia que iria atrasar 9 minutos, mas seria incapaz de estragar a festa revelando este detalhe... insignificante! O prefeito era um político hábil, conseguiu prontamente o apoio dos prefeitos das cidades vizinhas, por onde a linha de trem passava, para este projeto de reinauguração.

Sendo eu o mentor da idéia, e vendo minha empolgação para colocá-la em prática, informalmente eu era uma espécie de "diretor" do projeto de recondicionamento das viagens de trem. Mesmo não sendo algo formalizado, de certa forma minhas decisões tinham algum peso no destino da antiga estação durante este processo de recondicionamento. Todo mundo sabia disto. Inclusive John. E foi por isto que ele se sentiu à vontade de me cobrar um favor naquela sexta-feira.

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Ele entrou de sopetão pela porta principal de minha pequena casa, que ia dar direto na sala.

- Então cara, saí daquele laboratório. Estava meio maçante ter que aparecer lá todo dia.

Ainda olhava para ele com certa desconfiança. Saiu? Como assim? Era o sonho dele trabalhar naquele laboratório de pesquisas nucleares!

- Foi aquele lance do urânio que te pedi? Alguém descobriu?

- Lógico que não! Estou saindo porque quero...

- Já tem algo melhor em vista?

Foi quando ele soltou a bomba.

- Então, estou vendo este seu movimento todo com a estação de trem, etc... A rotina de laboratório me sufocafa, estava sem tempo para uns projetos particulares que sempre tive.

- Cara, veja bem! Minha posição de organizador nisto tudo é meio que informal! Mais uma consideração por eu ter sido o autor da idéia, essas coisas!

- Ah, a gente sabe muito bem que o informal é a coisa mais sólida que existe, não é?

Ia argumentar que nem dependia disto, que me sustentava com os prêmios parciais de loterias, etc... Mas lembrei: calma! Só eu sei disso! Foi quando ele soltou sua segunda bomba:

- Andei pensando naquela sua história do urânio. Depois aquela encrenca com o leão. Sim, foi bem abafado! Mas sou seu amigo, caramba! É lógico que acompanhei o que estava acontecendo!

Comecei a gelar.

- Na hora não prestei muita atenção naquela sua justificatica: "Excelentíssimo, isto faz parte de uma experiência minha no sentido de aplicar fórmulas de recorrência a sequências numéricas caóticas..." blablablá... blábláblá... Achei mesmo que era uma desculpa furada, você só queria escapar, e estava quase esperando uma alegação de insanidade por parte do seu advogado. Mas estão lembrei daquele seu pedido por uma amostra de urânio. Na hora pensei: "mas que raios ele vai fazer com este urânio? Pra que ele precisa disto?" Lembrei que você tinha um contador Geiger em casa (nunca entendi o porquê). Foi então que liguei os pontos esparsos do quebra-cabeças: aquela história de experimento com sequências caóticas não era balela, não é? Você estava dizendo a verdade, por mais incrivel que possa parecer...

Xeque-mate! John não teve dificuldade alguma de matar a charada!

- Você descobriu, cara? Encontrou uma maneira de calcular a lógica de sequências caóticas?

- Ainda não estou certo se ela...

- Ah, fala sério!! Você têm acertado os prêmios parciais de loteria desde então, não é? Eu venho acompanhando tudo! Pô, sou eu! Seu amigo John! Acha mesmo que pode esconder isto de mim?

Houveram uns segundos de silêncio.

- Seu matemático do caramba! Você descobriu a "fórmula do caos", não é mesmo?

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Não havia como negar nada. Revelei a John minhas experiências com dados, moedas, cartas, loterias... Enfim meu teste com os trens, e minha insistência em fazê-los voltar a circular. Ele ouviu tudo calado, atento. Tenta digerir toda a informação, e enfim pergunta:

- E a questão do livre arbítrio, cara? Acha que até isto é previsível de alguma forma?

- John, meu algoritmo sempre acerta! Não sei explicar isto...

- Você não influencia a geração da fórmula? E, desta forma, a sequência que ela gera?

- Como eu faria isto? As anotações do Seu Bosco, por exempo: eu mal sabia que elas existiam antes de entrar em contato com elas! Como eu seria capaz de influenciar algo que já aconteceu independente do meu conhecimento prévio sobre tais eventos? Não faz sentido...

John não se conformava:

-Não pode estar errado mesmo? Influenciado? Vocês matemáticos já tentaram até demonstra a existência de Deus!

- Você está falando de Descartes, né?

- Dele e de outros malucos...

- Seu ateu incorrigível! Acompanhe meu raciocínio: e se a criação foi tão perfeita a ponto dele não precisar mais interferir, inclusive no acaso? Se tivesse preparado tudo para que, na hora certa, pudéssemos compreender até mesmo as coisas caóticas? Sinto que, com este meu algoritmo, eu talvez tenha entrado um pouco na "mente de Deus".

- Pronto, era só o que faltava!! Agora o cara está até se achando o Stephen Hawking!

Não precisei dizer nada, mas a comunicação silenciosa é bem mais compreensível que a falada! Estava clara minha mensagem: "sai da minha casa, seu ateu infiel!

John entendeu o recado. Mas, antes de sair da minha casa, ainda falou:

- Vai cara, desenbucha!! Me passa os números do próximo sorteio da Sena!!