A FÓRMULA DO CAOS - CAPÍTULO XIV

Nem preciso dizer que não consegui mais dormir depois disso. Desliguei o aparelho no meio da faixa S.O.S. De fato, por que esperamos que o "Seu Moço do Disco-Voador" esteja sempre disposto a resolver as burradas que nós mesmos criamos? Não seria hora de crescermos?

Me prendi como um louco naquela questão que John levantou: "tem certeza que a previsão é infalível?" Difícil reconhecer em qualquer outra situação, mas naquela em particular era diferente: "tomara que você esteja certo, meu amigo John!", era o que eu desejava do fundo da alma.

"Deve existir uma brecha! Não pode ser inevitável!" E se a realização da experiência influencia os dados obtidos, como num experimento quântico? "Funcionaria se eu tentasse trapacear a seqüência impondo minha vontade?" É quando começo a tentar repetir a experiência com os dados...

"Vamos lá! Mostre que eu posso errar!" Começo a atirar como louco sobre a mesa meu velho dado defeituoso, com uma pontinha quebrada no vértice das faces 1, 2 e 3. Gero sequências, aplico o algoritmo, e testo se ele consegue prever. Uma dúzia de vezes, com sequências cada vez maiores. Sempre acerta! "Que praga! Poderia ser menos preciso, monstro!??" Tento influenciar as previsões ao máximo, tentar "escolher" as faces... nada! Sequência 100% coincidente!

Tal é minha raiva que jogo o dado com tal força na mesa, prevendo uma sequência, que ele quica e sai de minha vista. "Praga!!! Onde foi parar o infeliz?" Olho debaixo da mesa... Nada! Debaixo da cadeira, nada também! "Bom!", penso, "perdi o dado, e deveria aparecer aí um ZERO de fim de sequência, e não um quatro!" Portanto, meu algoritmo pode falhar!

É com esta falsa esperança que vejo, triste e desapontado, um dado no canto da sala. Penso, olhando a continuação da sequência: "que não seja um quatro! que não seja um quatro! que não seja um quatro!". desejei isto o máximo que pude, do fundo da alma! Pego o dado de olhos fechados, na esperança de errar! Abro aos poucos: dois! Não acredito! Meu algoritmo errou a sequência! De modo figurado, o bilionésimo primeiro número da sequência falhou! O futuro poderia enfim ser modificado! Nunca havia imaginado tal possibilidade, mas agora posso revelar que nunca em minha vida comemorei tanto o fato de eu estar errado!

Naquela madrugada, dormi um dos sonos mais tranquilos que pude dormir em minha vida! O futuro ainda estava em nossas mãos!

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Excelente, então existe mesmo livre arbítrio! O futuro não está determinado, ele depende de decisões atuais! Combinada com as decisões dos que estão à minha volta. Meu algoritmo indica então o caminho, digamos assim, "mais provável", que pode ser manipulado. Que alívio! Só precisava então convencer John de não construir seu "Trem Atômico", o que em si já era uma tarefa complicada!

- Cara, não tem nenhum Trem Atômico! - ele afirmou quando apareceu em casa para um café da manhã.

- Eu sonhei com isto ontem, John, e acredito que foi um aviso para...

- Primeiro diz ter entrado na "mente de Deus", depois revela ordenar os discos por motivos "astrológicos"...

- Correção: sempre os ordenei assim! Só depois vim a saber que isto é comum em virginianos...

- ...e para coroar tudo, vem me alertar de coisas que presenciou em sonhos. Francamente, cara!

- Me diz então: que você tanto quer com os trens?

- Já disse: vou revelar na hora certa! Mas garanto que não tem nada a ver com locomotivas atômicas...

- Mas você falou, John!

- Estava tirando onda com sua cara, meu!!!

Olhei para ele desconfiado. Aquele sonho era muito mais nítido do que a maioria dos sonhos que costumava ter! Confesso, estava muito impressionado com ele!

- Leia meus lábios, de uma vez por todas: NÃO TEM TREM ATÔMICO!!! Seu sonho é fruto puro de seus delírios malucos de matemático!

Olhei para ele desconfiado. Ele seria capaz de negar com tanta convicção algo que ele pretendia fazer convicto? Sim, seria! Pelo que conhecia dele, seria! Mas algo daria errado na viagem inaugural do trem atômico! Precisava evitar que isto acontecesse! A idéia inpensável martelava minha cabeça: "se John é a causa do problema, então você deve ELIMINAR John". Eliminar John? Assassinar meu amigo? Não, Deus! Eu ainda confio em sua existência, e em sua bondade! Isto não! Suplico, me apresente outra solução! Não me obrigue a eliminar meu amigo!

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Ah, final de tarde infernal!!! Fiquei pensando em quantos personagens históricos já precisaram passar por esta difícil decisão que agora se apresentava para mim com clareza! Ordens de Deus? Vozes te dizendo o que fazer? De certa forma, sim! Mas e se aquela história de tais personagens "ouvirem vozes" fosse simplesmente uma maneira mais compreensível de explicar suas decisões para as pessoas comuns? Era meu caso! Eu não ouvira nenhuma "voz", mas tinha consciência plena, por puro raciocínio, do que era certo eu fazer para evitar uma tragédia de proporções inimagináveis! Estava claro que eu precisava impedir meu amigo John de fazer o que quer que ele planejava fazer, mas simplesmente não sabia como impedí-lo de uma forma não drástica...

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"Depois de 15 anos, a banda Darkest Skull se apresenta no Brasil! E a capital escolhida é São Paulo!" Excelente! Não poderia ser em melhor hora! John reclamou muito da falta de dinheiro, ainda mais agora, que se dedica a suas pesquisas particulares. Isto, sem sombra de dúvidas, o colocaria fora de circulação no período crítico! Juntei minhas economias para presentear um grande amigo e ao mesmo tempo salvar a humanidade! Era uma pequena fortuna, mas nada que não pudesse conseguir com os prêmios parciais que sempre recebia das loterias...

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- Meu, isto deve ter te custado os olhos da cara!

- Nada me paga a satisfação que estou vendo agora em seus olhos, John!

- Ver os Darkest Skuls, cara a cara! E... CAMAROTE??? Meu! Que doideira!!! Nem sei como retribuir isto!

- A melhor maneira é esta: vá lá!

Ele olhou desconfiado o convite...

- 21 de fevereiro, é? Este é o dia do show?

Concordei com o olhar.

- O dia do "seu" fim do mundo... Você ainda acha que eu tenho algo a ver com ele, e quer me botar fora de circulação...

Penso na melhor resposta. Prefiro ser sincero.

- Vai lá, caramba! Você vai curtir! E, na dúvida, é melhor não arriscar!

John olha fixo o convite.

- Aquela história do Trem Atômico, né? Você ainda não se tocou que é brincadeira... Continua levando a sério aquele seu sonho maluco?

- John, conclui que minha fórmula pode errar. Que o futuro ainda está em nossas mãos, ok?

Ele olha para o convite com brilho nos olhos.

- Cara, minha idéia ainda vale! Não desisti dela!

- Certo, John! Contanto que ela não seja colocado em prática dia 21, pra mim está tudo certo!

Ele volta a me olhar desconfiado.

- Você ainda está encucado com o trem atômico, né? Vou te surpreender! Isto eu prometo!

Mas aceitou satisfeito o ingresso. Estaria dia 21 cara a cara com sua banda predileta, e não inaugurando o trem atômico. O mundo estava salvo...