A remanescente - parte 2

2

A nave restabeleceu sua velocidade e o planeta X26 surgiu. As três de suas cinco luas girando em volta.

– Nave Solaris, aqui é o comando de X26. Vocês têm permissão para pousar – Soou uma foz feminina vinda do comunicador da nave.

– X26 – respondeu Flick, com voz trêmula – Aqui é Solaris. Temos um problema. Temos um ferido. Capitã Terry está gravemente ferida. Requisito atendimento médico imediato assim que pousarmos.

– Entendido, Solaris. O hangar treze está livre. A unidade de atendimento médico estará à espera.

Flick adentrou a atmosfera e ao descer entre as espessas e escuras nuvens avistou a Tropa Estelar. Um gigantesco complexo arredondado com áreas subjacentes acopladas por túneis. Dezenas de naves passavam voando. Cadetes passavam zunindo nas trilhas de luzes com motos flutuantes.

" Rápido, garoto, por favor!" – apressou Kira, pela enésima vez desde que saíram do estranho planeta.

" Ele está fazendo o melhor que pode, Kira" – retrucou Jessie, causando uma expressão de espanto em Flick. Era a primeira vez que sua IA o defendia.

Flick virou o manje para a esquerda descrevendo um círculo no ar com a nave cilindro. Lá embaixo ele viu um quadrado marcado no solo com o número bem grande 13. Se não tivesse recebido o programa completo da nave, não conseguiria nunca pousar ali. Tinha certeza disso. Olhou sobre os ombros, para a alienígena adormecida.

Há muito tempo atrás, antes de Flick sequer existir, os seres vivos julgariam o estado da alienígena como absolutamente sem vida. Ou seja, aquele ser pereceu e nada o traria de volta à vida. Contudo, isso foi há milhares de anos quando a tecnologia e a ciência ainda não tinham desvendado os mistérios da vida. Podiam agora ressuscitar qualquer ser, desde que seu cérebro estivesse em perfeito estado. Partes do corpo eram facilmente trocadas por artificiais, a mente, contudo, era insubstituível.

A alienígena permanecia na mesma posição, exceto pela cabeça que agora pendia do lado esquerdo. Correias metálicas prendiam seus pulsos e pés de modo que o corpo não se soltasse. Seus cabelos caíam na frente de seus olhos e desciam sobre os bustos até o meio das pernas. Flick sobressaltou-se. Por uma fração de segundos teve a impressão que eles estavam maiores. Era impossível, sabia, mas não conseguiu afastar a impressão.

" Vamos, cadete! O que está esperando?" – Ouviu a voz da IA de Terry berrar.

A nave Solaris desceu suavemente e tocou o solo. Assim que a porta lateral se abriu e Flick saiu, uma torrente de pessoas se aglomerou a sua volta. Cadetes perguntavam como a capitã Terry tinha se ferido, jornalistas perguntavam se tinham encontrado algo no planeta e logo atrás os oficiais médicos que tentavam passar. Flick estava quase soltando um grito quando se ouviu um sibilar agudo e então labaredas surgiram logo atrás da platéia. As pessoas abriram passagem para passar Incendius, um dos veteranos.

– Saiam! Afastem-se! Temos uma veterana ferida – falou ele, com sua voz grossa e imponente. Era famoso por seu absoluto controle sobre o fogo.

– Eu assumo daqui, rapaz – disse, colocando a mão sobre o ombro de Flick.

Flick assentiu com um meneio de cabeça e saltou no ar caindo logo atrás da platéia. Estava irritado. Tinha conduzido a nave até ali, salvado sua tutora e fora descartado como um mero lixo.

" Não fique com raiva" – Soou a voz de Jessie. Tinha se esquecido completamente dela.

– E como não ficaria?

Flick passou por uma porta automática e entrou no complexo da Tropa Estelar. Estava em um comprido corredor com gente saindo de portas e entrando em outras. Se não fossem pelos IA’s dos cadetes ninguém conseguiria encontrar nada naquele lugar gigantesco.

" Eu vi o que você fez, estou orgulhosa. Apesar de você ser um cabeça oca o tempo todo."

Um sorriso ameaçou brotar nos lábios do rapaz, mas foi suprimido.

– Obrigado. Mas isso não conta nada. Você me deu o programa.

" Claro que conta. Não são todos que conseguem assimilar tamanha informação e não ter um colapso mental."

Agora o sorriso brotou nos lábios de Flick.

– Sério? Verdade?

" Absolutamente" – respondeu Jessie.

Flick saiu por uma porta que dava para um pátio. Estacionadas uma ao lado da outra estavam dezenas de motos flutuantes. Todas tinham o símbolo da Tropa Estelar. Duas armas lasers cruzadas sobre uma rosa.

" Para onde vamos agora?" – perguntou Jessie.

– Para casa. Estou cansado.

" Vai de moto?"

Flick riu sarcasticamente e impeliu-se. Houve um estrondo sônico e segundos depois ele já estava a quilômetros do pátio. Correndo a mais de mil quilômetros por hora Flick deixou sua mente vagar em pensamentos. Queria se concentrar nela. O que ela era? O que acontecera ao seu planeta? Tinha tantas perguntas. Voltaria à Tropa depois que tomasse um banho e descansasse. Iria à biblioteca, Jessie talvez conseguisse informações. Além do mais, queria estar lá quando a trouxessem à vida. Nunca sentira sensações semelhantes com outra mulher. E olhem que as cadetes eram as jovens mais bonitas que existiam. Olhou para o relógio no mostrador digital do pulso. Eram quatro horas da tarde.

" Não para de pensar nela, não é mesmo?"

A voz de Jessie o assustou.

– Está com ciúmes?

" Não seja imbecil..."

Flick riu.

– Vou fingir que você não está com ciúmes.

" Não estou com ciúmes!"

– Ok, vou fingir que não está.

Um forte bip soou tão alto e tão agudo que Flick mordeu os lábios. Ainda ria quando adentrou o jardim de sua casa derrapando. Deixou duas marcas no gramado. Logo dois robozinhos do tamanho de cães surgiram deslizando pela grama em esteiras rolantes. Um deles jogou terra nos sulcos e outro assentou com uma estaca. Como magia, a grama cresceu tão verde e viçosa quanto antes. O jardim voltara a ficar com o gramado impecável. Assim que Flick colocou os pés na entrada a porta se abriu automaticamente com uma voz mecânica, sem vida, ao contrário da voz de Jessie.

– IDENTIDADE CONFIRMADA. FLICK JORDAN. SEJA BEM VINDO DE VOLTA.

Flick entrou na sala e imediatamente foi soterrado de mãos metálicas que saíam de aberturas em todo canto. Sua armadura e arma foram tiradas. Subiu na esteira no corredor e ela moveu-se o levando para o banheiro.

– Ainda não me acostumei em ter uma mulher me observando tomar banho – comentou em um tom divertido assim que entrou no boxe.

" Tecnicamente não sou uma mulher. Tenho uma personalidade feminina, mas isso não me faz uma mulher, não é mesmo?"

– Discordo. Se colocássemos sua personalidade em uma Ciborg você seria uma mulher completa. E se eu arrumasse uma namorada?

Jessie riu zombeteiramente.

" Você? Arrumar uma namorada? Isso faz meus circuitos ferverem. Além do mais você não poderia antes de se formar. E essa sua ideia da Ciborg foi horrível, para não dizer perigosa. Não deixe os veteranos ouvirem isso."

– Por quê?

" Imagine se todas as IA’s tivessem essa ideia? Poderia haver uma rebelião. Um grande problema. Não creio que não tenha existido uma IA que já não tivesse tido essa ideia antes. Seria bem fácil, sabe?"

– Isto implica que até mesmo você já pensou na possibilidade – disse, Flick solenemente, enquanto a água quente da ducha caía sobre seu corpo. Mãos metálicas passavam espumas ensaboadas por sua pele.

Jessie ficou em silêncio. E então falou com uma voz que muito podia significar tristeza ou medo.

" Não posso mentir para você. Já pensei sim. Como disse, duvido que tenha existido uma IA que não tenha pensado. Entretanto, é algo impossível. Cada ser é feito para um propósito. O nosso foi servir aos cadetes e veteranos para depois sermos depositados na hibernação a espera de outro cadete. Anos se passam e nada muda. Entretanto, não acredito que deixem seus bancos de dados tão vulneráveis para nós."

Uma pergunta surgiu repentinamente na mente de Flick.

– Jessie, quantos anos você tem?

" Sou antiga. Não tanto quanto o Complexo Estelar, mas muito antiga. Você é o quarto cadete que estou servindo."

Flick jogou xampu sobre os cabelos e esfregou.

– Eu sou o pior deles, não é?

Jessie riu afastando a melancolia de antes de sua voz.

" Não, não. Definitivamente foi uma cadete. Era uma garota. Muito ousada e se achava corajosa. É lamentável ter que dizer que a mesma coragem a matou."

Flick meneou a cabeça em consentimento. Pareceu pensar por um pouco e disse:

– Seria legal ter você ao meu lado ao invés dessa vozinha chata em minha cabeça.

" Esqueça isso, Flick – retrucou Jessie – Não vai acontecer."

– Eu sei, eu sei – disse Flick, ranzinza enquanto a água caia sobre seu corpo – Mas posso sonhar. Talvez uma IA maluca tenha a coragem de tentar isso, ou não? Se assim fosse, apostaria como seria a IA da Mortiça.

" Por que diz isso?"

– Ah, ela é tão assustadora quanto à própria Mortiça. Ligar TV!

Ao som da voz de Flick, um holograma surgiu defronte ao boxe. Como esperava, a notícia de sua chegada já tinha se espalhado.

“... E ainda não se sabe o estado em que se encontra esse alienígena. A capitã Terry Vancer está sendo operada neste mesmo instante. Aparentemente foi envenenada por uma criatura que habita aquele estranho planeta. A nave chegou até aqui graças ao cadete e aprendiz da capitã Vancer. O cadete Flick Jordan.”

Flick vibrou com o punho fechado ao ouvir a menção do seu nome. Jessie bufou desdenhosa. Agora a câmera girou e focalizou o rosto redondo de Incendius. A repórter colocou o pequeno microfone próximo a sua boca.

– Senhor Incendius, já sabem o que farão com essa nova alienígena? Pretendem ingressá-la na Tropa Estelar?

– Não sabemos ainda qual a natureza da alienígena, mas se tiver requisitos poderemos sim ingressá-la.

Uma campainha tocou e uma voz falou:

– CHAMADA PARA O SENHOR FLICK JORDAN DA TROPA ESTELAR. ATENDER?

– Atenda – ordenou Flick.

Uma voz saiu pelos fones.

– Flick? Sou eu Jean. Temos um chamado para você. Nas docas. Parece que é algo importante.

– Ok, estou indo – respondeu Flick.

Aparentemente teria que resolver aquilo primeiro antes de voltar ao complexo da Tropa Estelar. Flick não via a hora de rever a alienígena. Será que cortariam seus cabelos? Sabia que era procedimento, mas julgava um sacrilégio tal coisa.

Minutos depois Flick estava pronto para o chamado. Tinha a pistola a laser ao lado do corpo. Nunca a usara, mas era bom de mira. Acertava quase todos os alvos nos treinamentos. Tateou o bolso do uniforme certificando-se de que ainda tinha o papel que retirara das vestes da alienígena. Iria à biblioteca assim que terminasse de atender àquele chamado.

Saiu pela porta e disparou pelas ruas onde transitavam apenas pedestres. Os veículos voavam em trilhas feitas de luzes respeitando uma ordem de um ponto a outro.

– Será que encontraremos um alien desta vez? – perguntou, enquanto corria.

" Duvido muito" – respondeu Jessie, sonolenta. Parecia ter acabado de despertar de um cochilo.

– Oras, duvida por quê?

" Oras – retrucou Jessie, dando realmente um bocejo – Chamaram somente você para o chamado. Não deve ser nada grave."

Flick quis protestar, mas desistiu e fechou a cara. Ela tinha razão. Enfim chegaram as docas. Não havia nada lá que pudesse identificar um ataque alienígena. Só um homem parado no cais com um modelo obsoleto de robô de serviço. Era gordo e estava sujo de graxa.

– Ainda bem que veio rápido – disse o homem assim que Flick chegou derrapando.

– O que houve? Onde está o inimigo?

O homem olhou para Flick de um modo estranho e disse:

– Não tem inimigo. Eu estava pilotando minha nave sobre o mar, então você sabe, perdi o controle e ela caiu aí. Tinha bebido um pouco. Você poderia resgatá-la para mim?

3

Enquanto isso no laboratório do complexo da Tropa Estelar.

– É incrível! – exclamava Jude – Como esse ser sobreviveu tanto tempo.

– Pelo que pude avaliar, ela estava em uma câmera criogênica. Foi toda projetada para manter o espécime conservado. O engraçado é que não havia nada que pudesse manter sua vida.

Jude, a assistente do cientista Maxel caminhou até o corpo da mulher suspensa sobre uma mesa.

– Está dizendo, doutor, que queriam que seu corpo permanecesse conservado, mas não que ela vivesse?

Maxel balançou a cabeça discordando. Levantava os trapos velhos que a mulher levava no corpo na frente dos olhos. Era de um tecido estranho. Muito antigo.

– Sim e não – falou – Queriam obviamente que não sobrevivesse, mas o estado do corpo parece ser uma reação própria do espécime. Eu poderia até supor que ela própria tenha congelado a cápsula.

– Seria possível? – indagou Jude, incrédula.

– Oras, por que não? Incendius produz fogo, Galaxius tem uma força acima do normal até mesmo para nossa raça e Mortiça... bem, você sabe.

– O que são essas marcas? – perguntou Jude, apontando para algumas cicatrizes sob os seios da mulher.

Maxel aproximou-se da mulher nua. Os cabelos esvoaçavam ao seu lado. Eram tão compridos que ele precisava afastá-los para chegar mais perto. Por uma fração de segundos sentiu como se uma mecha tentasse se enlaçar ao seu corpo e instintivamente afastou-o expressando uma ligeira careta de pânico. Relaxou e disse:

– Realmente eu não sei. Há muita coisa que não se pode saber se não estudarmos o corpo. Mas isso só seria possível se a Tropa resolvesse deixar o corpo como está. Ou seja, morto.

– Eles querem ressuscitá-la, não é? – indagou Jude.

– Querem. E concordo com eles. Se conseguirem trazê-la de volta à vida sem danos mentais, teríamos mais respostas do que se estudássemos o corpo.

– E quando pretendem fazer isso?

– Dentre duas horas – respondeu Maxel.

Os dois ficaram em silêncio, mãos dentro dos bolsos dos aventais, observando o corpo nu da mulher. Era pálida da cabeça aos pés. E grande. Era muito grande. Maxel medira assim que ela chegou. Tinha exatamente dois metros e trinta de altura. E era bela. Bela até para a assistente Jude. Nenhuma de suas amigas tinha uma beleza semelhante à daquela alienígena. Era rotina alienígenas ingressarem na Tropa Estelar. Jude já vira muito deles, mas nada parecido com a mulher.

– E a capitã Terry? – perguntou, lembrando-se do estado da veterana quando chegou.

– Vai ficar bem. Foi envenenada por uma criatura do planeta dela – apontou com o queixo – Mas nada grave. Ela disse que quer estar recuperada ainda hoje para assistir a ressurreição. Ela e os outros três veteranos. Incendius já a viu. Acho que o único que não vai se interessar muito é Galaxius.

– E Mortiça virá? – indagou Jude, lembrando com um estremecimento da mais assustadora das veteranas. A que tinha poderes de manipular todos à sua volta.

– Provavelmente.

4

– Pronto, Senhor Joel. Trabalho feito. Só não garanto que vá funcionar depois desse banho.

Flick estava parado no cais e ao seu lado a moto flutuante do homem chamado Joel. Estava encharcada. Provavelmente não funcionaria. Era um modelo antigo, os novos eram impermeáveis.

– Muito obrigado, rapaz – agradeceu o homem, apertando com força a mão de Flick – Não se preocupe, sou um bom mecânico. Vou fazer essa belezinha funcionar novamente – fez uma pausa e acrescentou: – Gosto muito dos cadetes, sabe? São muito educados e estão sempre dispostos a ajudar. Ao contrário dos veteranos que pensam que uma emergência é somente quando aliens aparecem devorando cãezinhos.

Flick pensava exatamente a mesma coisa, mas não queria estragar a impressão que o homem tivera dele. Apesar de tudo, ele parecia ser um cara legal. Sentiu-se muito bem. Era muito satisfatório quando alguém apreciava seu trabalho. Nisso lembrou-se do seu empenho mais cedo. De conduzir a nave, levá-la em segurança até a Tropa Estelar mesmo estando a anos-luz de distância. E tivera algum reconhecimento?

– Não é pra tanto, Senhor Joel.

– Para com esse negócio de senhor, não sou tão velho assim, sou?

– Claro que não – apressou-se Flick, sorrindo.

O sol descia no horizonte. Quase tocava o mar. Mais adiante alguns prédios acendiam suas luzes. Era uma vista bonita dali. Nuvens baixas tocavam a superfície azulada. E uma fina névoa pairava sobre as águas.

– Escute, rapaz. Não gostaria de tomar um drinque comigo?

Flick olhou para seu mostrador. Seis horas da tarde. Até onde sabia a reanimação seria dali à uma hora. Mas aquele lugar era tão bonito. Talvez pudesse beber um drinque.

– Vou aceitar, Joel. Preciso tomar alguma coisa mesmo antes de voltar a Tropa. Algo grande me espera, sabe?

– Ah, sim! – disse Joel, e seus olhos se iluminaram – Eu vi na TV. O que você fez pilotando aquela nave sozinho. Foi realmente grande.

Um largo sorriso surgiu nos lábios de Flick. Gostava cada vez mais do gordo Joel.

– Não foi nada. Muitos não acharam grande coisa.

" Eu achei que foi uma grande coisa" – Soou a voz de Jessie repentinamente assustando Joel.

– Minha nossa! O que foi isso?

– É só meu... – começou Flick e então acrescentou: – Minha companheira Jessie. É uma IA. A mais inteligente que conheço.

" Não sou isso tudo" – disse Jessie com voz de charminho.

Joel riu espalhafatosamente e virou-se com o robô de serviço a segui-lo rangendo e apitando.

– Vocês da Tropa são muito estranhos. Já volto, jovem rapaz.

Passaram-se alguns minutos até que Flick falasse novamente. Tinha se sentado em um bastão de metal do cais enquanto observava o pôr do sol. O momento podia ter se passado em absoluto silêncio, porém ele se via na obrigação de dizer algo. Precisava acertas as pontas soltas. Esculpir as lascas tortas na pedra.

– Olha, Jessie. Quero me desculpar por ter te tratado mal das outras vezes. Acho que eu estava com medo.

" Não precisa se explicar, Flick. Você não é meu primeiro cadete. Sei como a pressão pode enlouquecê-los. Acho que é para isso que nós existimos, para equilibrar as coisas. Mantê-los na linha."

Flick gargalhou. E finalmente depois de muito tempo achou que a relação com sua IA estava resolvida. Ainda teriam discussões, mas estavam mais próximos agora. Antes que o homem pudesse voltar com as prometidas bebidas, houve uma explosão ao longe. Um fogaréu subiu para o céu.

" Isso foi no complexo da Tropa!" – exclamou Jessie.

Joel trazia as bebidas, contudo tudo que viu foi um borrão indistinto passar rapidamente sobre as águas. Flick literalmente voava sobre a superfície tamanha velocidade que corria. Dirigia-se para o complexo da Tropa Estelar onde as chamas rubras erguiam-se para o céu. Quando estava a apenas alguns quilômetros algo emergiu de parte dos escombros e riscou o céu em uma chama amarelada.

– Viu aquilo? – indagou.

" Claro que não! Eu não tenho olhos, esqueceu? Mas eu senti."

Quando Flick chegou ao complexo, pessoas corriam de um lado para o outro. Algumas fugiam, outras tentavam juntos com robôs apagarem as chamas. Quando conseguiu agarrar alguém, Flick despejou uma torrente de perguntas as quais a pessoa não conseguiu responder. Levou as mãos à cabeça desesperado.

– O que faremos?

– Nada. Nem sabemos o que aconteceu.

Neste instante houve um estrondo logo atrás e quando Flick se virou avistou Galaxius se aproximando. A cada passo do veterano, rachaduras no piso se espalhavam. Galaxius devia ter um metro e oitenta de altura. Seu corpo era basicamente músculos. Sua armadura arroxeada era estufada no tórax e bíceps. Os cabelos eram crespos e sua pele negra brilhava à luz do sol.

– Cadete! – falou ele, asperamente – O que houve aqui?

A língua de Flick pareceu se enrolar até que ele conseguisse responder.

– Não sei também. Cheguei agora.

– Onde estão os outros? Terry? Incendius?

Flick balançou a cabeça numa negativa. Um cadete parou com sua moto ao lado dos dois e saltou. Estava afobado e resfolegava como se tivesse corrido a maior das maratonas. Flick o conhecia de vista. Estudavam na mesma classe, porém nunca tinha se falado.

– Senhor Galaxius – disse ele – Senhor, você precisa ir...

– Fala, garoto! – ordenou o veterano, rudemente.

O garoto puxou o ar e soltou. Quando se acalmou tentou falar novamente, mas engasgou nas palavras. Galaxius deu um sonoro suspiro de impaciência. Presenciar aquele homem ficar furioso não era algo que os cadetes sonhavam.

– Senhor, – tentou novamente o cadete – A alienígena, que ele, ele, ele...

– Eu o quê? – interrompeu Flick, quando percebeu que o garoto falava dele.

– A alienígena que ele trouxe. Escapou! Ela matou todos no laboratório, oh Deus. Matou Jude e o doutor Maxel.

Galaxius agarrou o garoto pela jaqueta e ergueu o no ar até que seus olhos ficassem no mesmo nível.

– Está falando a verdade, garoto? Mas ainda não está na hora da reanimação! E onde estão os outros?

O cadete tinha uma expressão de absoluto pavor no rosto. Se era por causa do que tinha acontecido ou por que Galaxius o tinha nos braços não se podia saber. Lágrimas escorriam por sua face.

– Não sei. Não sei de mais nada. Acho que foram atrás dela.

Galaxius soltou o garoto e apertou um botão no pulso.

– Luke, localize os outros!

" Localizando, senhor – Soou a voz do computador de Galaxius – Terry Vancer e Incendius se encontram a oeste, senhor. Setor quatro. E Mortiça está a norte, setor três."

– Tudo bem. Mande uma mensagem para Mortiça imediatamente. Prioridade máxima. E você, garoto – disse ele para Flick – Venha comigo.

Sr Terror
Enviado por Sr Terror em 11/04/2012
Código do texto: T3606264
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