A FÓRMULA DO CAOS - CAPÍTULO XX

Rimos como doidos. Nada mais natural naquela situação do que decidirmos acabar com aquele resto de uísque. John comemorando sua demonstração vitoriosa da levitação magnética auto-induzida. Eu comemorando meu fracasso, a falsa previsão do fim do mundo.

- Fracasso, cara? Não vejo assim...

- O mundo não acabou! A previsão era falsa!

- De forma alguma!!! Sua fórmula acertou até o último momento! Ela previu tudo com exatidão! Sua interpreteção desta previsão é que estava errada...

- Um brinde a isto, meu amigo!

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- De certa forma, pra mim, o mundo acabou, cara...

Sem gelo (John havia acabado com todos os cubos!) o uísque subia rápido.

- Que tá rolando, John? Levou um fora da namorada?

- Meu! Acha que isto me abalaria tanto? Estou falando disso aqui...

Joga uma página de jornal na mesa de centro da sala. "Depois de fiasco de show no Brasil, lider dos Darkest Skuls deixa a banda."

- John! Meus... pêsames, cara! Não sabia!

Ele esconde o rosto entre as mãos. Lógico que o álcool deixava aquilo mais trágico que o normal. Normalmente aquilo não o afetaria tanto...

- Isto é o de menos, cara!!! Continua lendo! Continua lendo!!

"Uma das bandas de heavy metal mais bem sucedidas deste século e do anterior, The Darkest Skuls perde seu líder fundador, que vem conduzindo com maestria o sucesso da banda desde 2014. Foram três anos de sucessos nunca antes alcançado por bandas de renome do século passado como Black Sabbath, Judas Priest, Motörhead, Iron Maiden, Metallica... A banda está atordoada com a perda inesperada de seu mentor"

- John, eles vão superar isto! Tem o Killer Joseph, por exemplo! Ele continua na banda!

- Cara, lê tudo! Lê tudo! - lágrimas rolavam de sua face.

"Ian Andersen, conhecidíssimo vocalista e flautista do clássico Jethro Tull, a tempos negocia ser incorporado à famosa banda de heavy metal! Ele promete enriquecer o som da banda com sua inconfundível flauta transversal!"

- Ian Andersen???

- Isso cara!!! Ian Andersen, aquele careca com aquela sua flautinha maldita, tocando no Darkest Skuls??? Já imaginou isso, cara? Que desgraça vai ser???

Não consegui segurar a gargalhada! Eu sempre gostei do Jethro Tull. Mas aquela mistura era mesmo... inusitada!!

- Hahahaha!! Vai ficar bom, cara!!!

- Meu, não brinca com isso!!!

- "A flauta é um instrumento de metal! E ela é pesada!!!" Metal pesado!!! Hahahahaha!!

- Aquele sonzinho de flauta dos infernos? No Dasrkest Skuls? - John chorava feito criança.

- Abra sua mente, John! - não podia parar de rir. - Abra sua mente!!!

É nesta situação absurda que o prefeito entra em minha casa. A expressão em seu rosto era séria...

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- Excelentíssimo? Honorável? Excelência? - tentei arriscar o cumprimento.

- Relaxa, não é uma visita oficial! Pode me chamar só de Prefeito!

Fiquei mais à vontade. John já estava incapaz de responder qualquer coisa...

- Relaxem! Só vim aqui comunicar que o Seu Bosco partiu.

- Partiu? Pra onde?

John despertou de seu transe etílico.

- Falei com ele ontem à noite mesmo! Não me disse estar preparando viagem para lugar nenhum...

- Ele se foi...

- Como se foi sem nos avisar? - quis saber.

- Ele nos deixou!

- Mas por quê? - quis saber John - Ele estava tão feliz aqui! Fiscalizando os trens.

O prefeito respirou fundo.

- Ele partiu desta pra melhor, pessoal!

- Melhor? - não entendi nada... - Mas ele gostava tanto daqui! Aceitou um cargo de fiscal na cidade vizinha? Eles pagavam melhor? Duvido! E, de qualquer forma, não era isto que o movia!

O prefeito, de olhos arregalados, se dirigiu a nós com uma expressão indecifrável.

- O que tem de errado com vocês dois, hein?

- Questão de ponto de vista, Excelentíssimo... - disse John, antes de desmaiar.

- Excelentíssimo??? Eu não sou juiz, caramba!!!

Nos olhou de novo.

- Vocês estão brincando comigo?

- Brincando? De forma alguma, Prefeito! O que houve?

Ele não sabia mais como expressar seu espanto.

- Estou aqui, faz meia hora, tentando dar a notícia de que o Seu Bosco faleceu! Morreu! Bateu as botas! Vestiu o paletó de madeira!!

Foi um choque! Demorei pra digerir. E John... bom, John já desmaiara em coma alcoólico...

- Já entendeu, ou preciso desenhar?

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O corpo do Seu Bosco ainda estava na cama. Parecia dormir serenamente.

- Acredito que morreu faz umas duas ou três hora no máximo. - esclareceu o prefeito.

John parecia o mais abalado. Estranho, nunca percebera que eles tinham uma ligação tão forte! Respeitosamente, ele retirou o caderno que Seu Bosco abraçava forte contra o peito. Levou até nós, folheando-o até a última anotação:

- Ah, aqui está! Vejo bem, John! A última anotação foi de 20 de fevereiro de 2017, às 23:01 horas. Ele não "mediu" o trem das sete do dia 21 porque... estava morto!

- Isso aí, cara!! O "medidor" do evento quebrou! Ele morreu... Não mediria nada mais dali para a frente...

Reverenciamos por uns minutos a dedicação do fiel fiscal. John, respeitosamente, devolveu o caderno de anotações.

- Ele... tem de ser enterrado com isto! - declarou John.

- Com certeza, John! - garantiu o prefeito. - Farei de tudo para que isto aconteça.

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Resolvemos continuar com as operaçõesdo trem. Agora com os trens do John, de levitação por auto-indução! Não foi difícil convencer todos sobre a melhor solução tecnológica da invenção. O fato de ser incomensuravelmente mais barata de se manter fechou a questão...

Nossa estação era a mais pontual do país! A mais pontual do mundo! Não por regularidade, óbvio... Era outro tipo de pontualidade!

De forma alguma nossos trens partiam exatamente às 8, depois 9, depois 10:30, 11... Nada disso! Partir na hora certa, redonda, era raro! Impossível descartar os imprevistos... Mas no começo de todo dia, início das operações, estava sempre definido numa tabela, para quem quisesse ver, quando chegariam e partiriam os trens do dia que começava! Hoje, por exemplo, ele chegaria às 8:02, partiria 8:17. Chegaria um novo às 8:57, que partiria EXATAMENTE às 9:06. O próximo chegaria, com certeza, às 10:32, e rápido partiria às 10:34, pois haveriam poucos passageiros embarcando neste dia e horário. Era nisto que éramos pontuais! Tínhamos conhecimento prévio de todos os imprevistos, e sabíamos colocar um tempo exato para eles! Isto era muito melhor que ser pontual no sentido original da palavra! Não obrigávamos horários fixos, mas podíamos prever toda e qualquer variação! E as revelávamos bem antes delas acontecerem. E fatalmente aconteciam! Sempre! A minha fórmula nunca errava!!

**** FIM ****