log(Gênesis)

No princípio Deus criou a Singularidade.

A Singularidade era sem forma, tempo e dimensões; flutuações quânticas pairavam sobre a Energia Escura; e o Espírito de Deus unificava as quatro forças fundamentais.

E disse Deus: "Haja a inflação". E a Singularidade começou a inflacionar, acelerada pela Energia Escura.

E viu Deus que era bom o Universo Inflacionário; e fez Deus a separação entre a força fundamental mais fraca porém de longo alcance e as três forças fundamentais restantes.

E Deus chamou a força fraca de Gravidade; e as forças restantes, ainda indistinguíveis pela alta temperatura, de Grande Unificação; e assim se passou o primeiro centésimo de sextilionésimo do primeiro yocto-segundo (10^-19 yS) do Universo.

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E disse Deus: "Haja outra separação entre as três grandes forças unificadas, e que ela separe a Interação Nuclear Forte das outras duas forças fundamentais restantes."

E fez-se a separação, e a Interação Nuclear Fraca continuou agrupada com a Eletromagnética, separada da Interação nuclear Forte, e assim foi.

E chamou Deus às duas forças fracas agrupadas de Força Eletrofraca; preenchido de plasma de Quarks-Glúons e estranhos monopolos magnéticos, assim se passou o primeiro décimo de bilionésimo de yocto-segundo (10^-8 ys) do Universo.

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E disse Deus: "Separemos também a Força Eletrofaca em Interação Nuclear Fraca e Força Eletromagnética." Ao fim do primeiro pico-segundo do Universo as quatro forças fundamentais se tornam independentes, e as partículas enfim ganham massa, e a força gravitacional já podia começar a atuar, e assim foi.

Mas o Universo ainda estava quente demais para que os quarks começassem a se agrupar em hádrons. Chamou Deus às partículas com massa de Matéria; e viu Deus que era bom.

E disse Deus: "Que o Universo se espanda mais e que diminua sua temperatura, e que os quarks e glúons interajam e se agrupem em várias espécies de hádrons e anti-hádrons de acordo com as cores e sabores de seus componentes fundamentais."; e assim foi.

E o plasma de quarks-glúons que preenchiam o Universo que se espandia esfria e se agrupa em hádrons, incluindo bárions como os prótons e nêutrons, ainda incapazes de se agrupar em núcleos atômicos porque ainda era muito alta a temperatura ao fim daquele primeiro micro-segundo do Universo, e viu Deus que era bom.

Os neutrinos então se desacoplam e começam a viajar livremente pelo universo, formando o "fundo cósmico de neutrinos" ao final da Era dos Hádrons; este foi então o primeiro segundo do Universo, contado desde aquele momento em que Deus ordenou a inflação inicial da Singularidade...

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A maior parte dos hádrons se aniquila com anti-hádrons, restando no universo apenas léptons e anti-léptons velozes demais para conseguirem interagir e se aniquilar. Com a temperatura sempre caindo, enfim os próprios léptons acabam interagindo e se aniquilando com os anti-léptons, restando poucos léptons velozes cruzando o Universo Finito mas Ilimitado ao fim do processo, eventualmente interagindo com nuclei (núcleos atômicos de hidrogênio sem camada de elétrons) e elétrons restantes da aniquiliação anterior.

Percebendo que a assimetria original permitiu que as partículas não se aniquilassem totalmente com as anti-partículas, viu Deus que esta assimetria era boa. E ordenou Deus: "Que sempre haja um pouco de Caos, pois a Perfeição é incompatível com a Criação." E Deus abençoou o Caos.

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No terceiro minuto do Universo, disse Deus: "Que a temperatura caia ainda mais, e que se inicie a nucleossíntese!". Prótons e nêutrons se agrupam em núcleos de deutério. O deutério rápidamente se funde em núcleos de hélio-4. Mas a fusão nuclear pára no sétimo minuto, pois ao se espandir o Universo fica frio e rarefeito demais para continuar permitindo esta reação de fusão nuclear espontânea. Ao fim do vigésimo minuto todo nêutron livre do Universo está incorporado a núcleos de hélio-4, e os prótons restantes (bem mais numerosos) formam núcleos livres de hidrogênio. E existem 3 núcleos de hidrogênio para cada núcleo de hélio-4 do Universo, e a quantidade de núcleos mais pesados existe mas é ínfima.

Os elétrons ainda estão quentes e velozes demais para se deixarem aprisionar em órbitas semi-estáveis ao redor dos núcleos positivos recém formados, mas a força gravitacional já começa a ficar bem evidente. Agindo a grandes distâncias, ela evidencia ainda mais a assimetria original do universo ao fim deste período de 70 mil anos, agrupando a matéria em grandes nuvens e deixando grandes espaços vazios separando-as.

E disse Deus: "Que atue agora a Força Eletromagnética", e os elétrons de carga negativa primeiro começaram a ser atraídos pelos prótons isolados, formando o hidrogênio neutro, e depois foram atraídos aos pares pelos núcleos de hélio e completaram assim a primeira camada eletrônica, formando o primeiro gás nobre do Universo.

Livres da maior parte dos elétrons, aprisionados em suas órbitas eletrônicas, fótons cruzavam agora o Universo praticamente livres de obstáculo, formando a "Radiação Cósmica de Fundo" que evidenciava a existência do Caos nesta época. O Universo se torna transparente, e assim foram os primeiros 377 mil anos do Universo.

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Deus vê o Universo preenchido de plasma neutro depois de 150 milhões de anos, e não acha que isso é bom. E disse Deus: "Que a força gravitacional concentre a Matéria e faça surgir lumiares produtores de luz e energia." E surgem as primeiras estrelas e quasares do Universo, reionizando o plasma neutro à sua volta com a energia produzida pela fusão nuclear, novamente possível devido à pressão existente dentro da matéria concentrada pela força gravitacional. É a era das estrelas de população III, formadas basicamente de hidrogênio e hélio. Elas começam a forjar átomos mais pesados no interior de seus núcleos, e são isoladas: ainda não existem agrupamentos em forma de galáxias no Universo.

Estrelas e quasares surgem esparsos pelo Universo, separados por vácuos angustiantes. Diz então Deus: "Não é justo que as estrelas fiquem sós!" A força gravitacional começa então a agrupar as primeiras estrelas em proto-galáxias. Muitas estrelas morrem, e explodem lançando elementos mais pesados no espaço à sua volta. Galáxias e proto-galáxias, reunindo agora mais gases do espaço intergalático à sua volta, aceleram o desenvolvimento de novas estrelas em seus interiores densos de gases primordiais. Diz Deus: "Dancem, Galáxias!", e surgem galáxias espirais, e dentro delas se formam estrelas de população II, formadas também de átomos mais pesados deixados pelas antigas estrelas de população III já mortas. E enfim as estrelas de população I, às quais Deus ordenou: "Façam Carbono!", e o Carbono se fez. As galáxias também se agruparam em Grupos Locais, tais grupos em Clusters Galácticos, e os Clusters em Super-Clusters.

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Esferas de rocha, metal e gases se formavam ao redor das várias estrelas, rodopiando em torno dos incontáveis centros galácticos. Repetindo a mesma história dos elétrons girando ao redor dos núcleos atômicos, elas orbitavam suas estrelas centrais, só que agora obedecendo à força gravitacional, de longo alcance apesar de fraca. Deus viu que isto tudo era bom, mas que poderia ser melhor.

E viu Deus que existiam incontáveis corpos de gelo e rocha em torno dos sistemas estelares, e que nelas havia muito Carbono e elementos complexos, e que estes corpos eventualmente eram atraídos pela estrela central e poderiam atingir as esferas rochosas que as orbitavam. E disse Deus: "Que o Carbono se agrupe com estes elementos e forme cadeias orgânicas complexas com potencial de auto-replicação" E cadeias orgânicas de DNA primitivo começaram a surgir nas várias "Nuvens de Ort" ao redor dos incontáveis sistemas planetários presentes nas inúmeras galáxias do Universo.

E disse Deus: "Caiam e semeem esta matéria orgânica complexa nas várias esferas rochosas que orbitam as estrelas, evoluam quando encontrarem ambiente propício, crescei e multiplicai-vos" E a vida começou a explodir em todos os cantos do Universo. E tudo isto já funcionava com perfeição no primeiro meio bilhão de anos do Universo.

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E surgiram as Vidas. E se proliferaram vidas vegetais, vidas animais, vidas sintéticas, criadas por vidas animais evoluídas. E a tais vidas animais evoluídas, atuais e futuras, pois o processo evolutivo sempre se repetiria, Deus chamou de Humanidades. E Deus fez as Humanidades sábias, pois queria compartilhar com elas sua criação. E disse Deus às Humanidades: "Eu lhes ofereço todo o Universo. Podereis habitar toda esfera rochosa que gire em torno de uma estrela, podereis extrair energia de toda e qualquer estrela que rodopie qualquer centro de galáxia. Podereis se espalhar para qualquer galáxia do Universo, usufruir de qualquer espécie de vida desenvolvida nestas galáxias, aperfeiçoar esta vida, criar vida sintética. Eu lhes autorizo a serem meus co-criadores: estão livres para entender como fiz o que fiz, e podem copiar ou mesmo aperfeiçoar minha criação. Mas de uma coisa eu os proíbo: nunca, em hipótese alguma, toquem nas Singularidades Nuas! Podem se aproveitar de buracos negros ordinários, com seus instransponíveis horizontes de eventos. Podem ressucitar quasares, se assim desejarem. Mas nunca se aproximem das Singularidades Nuas! Nunca tentem reverter a entropia do Universo!"

Deus entregou o Universo às varias Humanidades atuais e futuras, pois o tempo também era uma criação Sua, que era atemporal. E no bilionésimo ano do Universo, Deus descansou.

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Passa-se um tempo incontável. Impensável.

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Estava tudo planejado: o Universo expandiria até certo ponto, e depois começaria a se reagrupar. Mais alguns bilhões de anos, e a energia restante já gasta acabaria se reagrupando numa nova Singularidade. As Humanidades nesta época já deveriam saber como se abrigar em outros Universos paralelos, mais estáveis, e deixar o seu Universo-berço vazio para que prosseguisse em seu desenvolvimento natural. Este era o plano de Deus. Mas ele estava descansando...

Enquanto Deus descansava, as Humanidades desobedeceram sua única proibição: elas interferiram nas Singularidades Nuas que existiam no Universo, tentaram reverter a Entropia na vã tentativa de se tornarem eternas como Deus.

Interferiram num equilíbrio frágil! Ao criarem energia do nada, fizeram com que o Universo não parasse mais de se espandir. E o Universo foi crescendo, se tornando mais frio. Não surgiam mais estrelas. Humanidades? Mortas a tempos! Nenhuma vida, nenhuma estrela. Lento, o Universo se espandia sem limites.

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Deus despertou no centésimo trilionésimo ano após a inflação original da Singularidade. O Universo continuava se espandindo. Deus não esperava por isso... Omnisciente? Este conceito é bem relativo! Comparado à inteligência das Humanidades? Com certeza!!! Mas numa escala absoluta? Não, definivimantente ele não era tão Omnisciente assim, estava sujeito a se surpreender. Como se surpreendera agora.

Estrelas se apagaram a Éons incontáveis, e não mais surgiam outras novas. Galáxias se dispersaram, buracos negros se evaporaram. Deus observa os agonizantes prótons livres do Universo começando a decair no yota-ano décimo bilhão (10^34 Y-Ano) em léptons (pósitrons e elétrons) e fótons. Eventualmente pósitrons e elétrons se recombinam com fótons formando um novo próton, mas isto é insuficiente para que se inicie qualquer coisa nova. A entropia é máxima, o Universo está morto. E Deus chora... Chora ao ver sua bonita criação arruinada...

Deus reúne todas as partículas residuais do Universo morto. Começa a reagrupá-las. E Deus pensa: "Eu errei ao descansar!" E decidiu que não descansaria da próxima vez, mas acompanharia a evolução de suas Humanidades, tentaria lhes mostrar o que e por que elas não podiam fazer certas coisas. Não confiava mais nos Anjos para delegar esta tarefa tão importante!

Reuniu então Deus toda a massa e energia restante do universo morto num ponto minúsculo, criando uma nova Singularidade. Olhando a Singularidade, disse Deus: "Que haja a inflação!" E um novo Big Bang foi iniciado...

*** FIM ***