Relojoeiros Cósmicos - Parte 2

Devido ao efeito Doppler, a estrela vermelha se apresentava a todos numa tonalidade violeta profunda naquela velocidade colossal. A estrela amarela já não era mais vista a olho nu, sua frequência de emissão central já havia deixado os limites do espectro visível. Mas de uns meses pra cá começavam gradualmente a voltar ao normal. Elas desciam aos poucos no espetro em direção às suas configurações originais. Bastante próximos do Sistema Chronos, a direção dos hiperpropulsores iônicos fôra invertida, e os exploradodes desaceleravam rápidamente.

- Afinal, não se trata de um sistema binário.

- Não, mestre. As estrelas realmente giram em torno de algo comum, consistente, que ainda não conseguimos identificar. Na verdade estas estrelas são os "planetas" de uma estrela central extremamente densa que está no centro do sistema, e cada uma delas rege uma orquestra de 150 satélites cada uma, que antes achávamos serem os planetas deste sistema binário.

- Satélites, estrelas, planetas... Você sabe muito bem que é apenas questão de nomenclatura, né? Termos medievais que deixaram de fazer sentido para nós há séculos, enquanto aprendíamos mais sobre este sistema. Chame-os apenas de "corpos celestes", tudo bem ? Vai poupar muita confusão...

A decisão fôra unânime em tentar pousar naquele estranho planeta que descrevia uma órbita estável impossível em forma de lemniscata entre duas estrelas. Estrelas? Além de menores que o próprio planeta (algo de início já bem estranho para qualquer criança aprendendo as noções de mecânica celeste!) nenhum dos dois corpos focos da estranha órbita emitia luz visível, infravermelhos, ulrtravieletas, raios X, microondas... Mesmo tendo visto tantas variações possíveis para aquilo em todo o universo, ainda se exigia muita imaginação para se chamar aquilo de "estrelas".

Ficou bem claro quando o "planeta" pôde ser ampliado com nitidez nos telões nas naves pelos telescópios exteriores:

- Sua superfície... se move!!! Não é sólido, né?

- Nem líquido! Isto eu garanto também... - acrescentou um jovem astrônomo, especialista desde que nasceu no estudo daquele estranho sistema para onde a colônia se dirigia tentando não enlouquecer...

- Mas estas ondas, cadeias de montanhas se erguendo e ruindo a olhos vistos...

- Bem sólidas! Podem durar pouco, mas são sólidas o bastante durante o período em que existem. Provavelmente nós é que não estamos observando o fenômeno na escala de tempo mais adequada.

A elite científica, a bordo da nave mestra, olhou para o idoso astrônomo chefe, já sem tentar esconder o peso de seus 300 anos bem vividos, esperando uma decisão final.

- Procurem a região mais plana na superfície destas montanhas metálicas incansáveis. Se chegamos até aqui, seria um absurdo deixar de tentar qualquer coisa pelo medo de correr riscos. Arriscamos tanto para chegar até aqui... Nossos ancestrais já desprezaram, riram dos riscos quando se decidiram abandonar tudo para chegarem até aqui! - sentiu o manto branco impecável entre os dedos. A decisão era subjetiva,nenhuma lógica a sustentava, mas ele sabia que ainda assim era importante que partisse só dele! Olhou aquele ponto específico na superfície de montanhas móveis, como ondas lentas no mar. Nem precisava disso, mas, se todos estavam esperando, por que não encenar? Baixou o rosto, fingiu uma breve "perda de consciência", um contato com "energias cósmicas", e afirmou sob olhares apreensivos:

- Naquele ponto da planície! - por "coincidência", o centro geométrico daquela região, a tempos sem as manifestações tecnônicas aceleradas que se observava de todos os cantos... - É ali que os antigos me dizem que devemos pousar!

Uma mentirinha branca. Gerações de antigos astrônomos-chefes descreviam um contato telepático nunca comprovado com clareza com as mentes armazenadas no computador da nave. Ninguém, nenhum "espírito antigo" congelado nas memórias do computador central lhe dizia nada obviamente! Mas o astrônomo chefe, reconhecido como um tipo de "autoridade espiritual" daquele povo viajante, acho que seria boa idéia manter o mito por enquanto... Ele próprio nada sentia, nem acreditava nisto. Mas o povo que liderava acreditava, e era o que importava no fim de tudo!

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Pousaram, e o contato com o resto da colônias, todas as demais naves, sumiu microssegundos depois!

- Cadê todo mundo?

A superfície do planeta era também muito mais sólida do que supunham a princípio! Em volta daquele plano estável (inclusive o que os levou a escolher o tal local de pouso!) as cordilheiras prateadas se erguiam de um jeito que todos nós costumávamos lembrar que seriamas cordilheiras: gigantes, e, o mais importante, estáticas!

- Que regularidade! Podem me apresentar um mapa topográfico disto tudo em volta ?

Nenhuma atmosfera, algo realmente surpreendente num planeta de gravidade 2,7g !! Mas o céu diurno negro não deixava dúvida alguma disto, nem os sensores dos trajes espaciais alertando o tempo inteiro da possibilidade de despressurização, avisando que ninguém tentasse a loucura de tirar seus capacetes espaciais sob o risco de morte instantânea. Ou nem tão instantânea assim, o que já era MUITO pior. Quanto tempo alguém demoraria para morrer por despressurização? Incapaz de respirar vácuo, sentindo a pressão expelindo para fora seus órgãos internos... qual seria a sensação? Felizmente ninguém sabia a pelo menos quase 4 séculos! Acidentes inevitáveis? Aconteceram poucos. E, por isso mesmo, todo astronauta enviado a missões mais arriscadas sempre partiam com sua cápsula de cianureto concentrado pendurada ao pescoço! Ninguém era obrigado a se tornar um herói masoquista! Estando claro que tudo tinha ido por água abaixo, a missão tinha dado errado, e que tudo o que podiam esperar seria uma morte terrível no vácuo espacial, não haveria vergonha alguma em se decidir rápido por uma morte mais limpa, instantânea, indolor...

- Nada está perdido ainda! - exclamou o astrônomo, admirado com o mapa topográfico que lhe traziam naquele exato momento.

AH, que maravilha era aquela? O planeta claramente metálico "congelara" no momento em que pousaram! Seus pico e vales eram regulares, igualmente espaçados! Como se fossem artificiais! Planejados, construídos de acordo com algum planejamento.

- Perdemos contato total com o resto da caravana! Estamos no meio de nada.

- Sei onde estamos. - o velho sábio dizia convicto. - Só não sei se posso contar, se estão preparados para ouvir...

Rotina comum a muito tempo, começaram a analizar a região.

- Tirando nós próprios, obviamente, nenhuma forma de vida aqui! Planeta morto, estéril! Superfície irritantemente metálica. Totalmente desprovido de atmosfera gasosa, apesar de seus 2,7 gs de atração gravitacional... Inexplicável, totalmente!

- Vocês acham mesmo que é um planeta comum? - o astrônomo não desgrutava os olhos da topografia local regular, com picos e vales distribuídos com perfeição admirável.

- Por favor, estou exausto! Me dêem umas horas de repouso, que explico tudo depois.

Prenderam firmes o habitáculo particular do astrônomo na superfície do planeta. isolado com camadas de nanoborracha nos pontos de contato com o solo, já que a condutividade daquele material metálico da superfície do planeta poderia afetar o bom funcionamento da estrutura. Ainda fez mais uma exigência:

- Um feixe laser bem posicionado! E que venham rápido ver o que me acontece no mínimo distúrbio de orientação do feixe!

E o deixaram só para repousar, e pensar na situação curiosa.

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- E então?

Como num acampamento, a tripulação fazia uma roda em torno de um pequeno reator de fusão ao centro, que lhes fornecia luz e calor naquela estranha "manhã". O planeta se aproximava rápido da segunda estrela, perto de um dos dois "periélios" daquela estranha órbita de dois sóis negros e invisíveis. A única chance de alguém perceber este sol no céu seria ele se interpondo a uma nebulosa brilhante mais distante, que não existia nem era previsível de existir naquele momento.

- Ninguém ainda entendeu por que este sistema planetário desrespeita de forma tão discarada as leis de Newton?

Tão inquestionável quanto o princípio da relatividade enunciada pelo antigo filósofo grego clássico Albert Einstein, as leis de gravitação do escriba egípcio Isaac Newton eram de veracidade ainda mais sólida! Quase uma fé, uma lei divina: "a atração entre dois corpos é proporcional ao produto de suas massas e inversamente proporcional ao quadrado da distância que os separa". A lei explicava bem órbitas em círculos, elipses, parábolas, hipérboles... mas lemniscatas? Não, era impossível encaixá-las dentro dos planos divinos...

- E se estivermos sendo enganados esse tempo todo? E se estamos deduzindo leis universais "preparadas"? Se descobrimos exatamente aquilo que querem que descubramos?

- Um "deus trapaceiro", mestre?

- Mais ou menos isso, caros. Talvez nem de propósito, talvez queira nos proteger da "verdade", mas... sim! Um Deus trapaceiro! Nos tratando como crianças! Que, incapaz de nos explicar toda a complexidade real de como o universo funciona, cria para nós "fábulas", histórias de criança. Onde uma lei simples de forças proporcionais ao inverso do quadrado da distância explicam a gravitação. Que a velocidade da luz é um limite a ser aceito sem se questionar. Que só podemos avançar no tempo seguindo a direção do aumento da entropia, que "E=mc^2" sempre é válida, que o fato de observar um evento quântico afeta seu resultado... entendem o absurdo disso tudo? Como são leis arbitrárias, que... não podem ser naturais? Axiomas que aceitamos sem questionar suas explicações, os "porquês" deles serem como são?

Alguns acharam que o sábio começava a apresentar indícios de senilidade. Mas a maioria dos que o ouviam naquele planeta desolado aceitou seu desafio.

- Olhem o céu em volta. Reconhecem alguma constelação?

De fato, nenhuma era reconhecível!

- E não devemos estar muito longe de nossa casa, de onde estávamos na via-láctea, não é? Mas, mesmo ainda perto, estamos longe... Alguém pode dizer o que aconteceu?

- Estamos... - o jovem não sabia se deveria ousar, mas arriscou: - em OUTRA dimensão??

O velho astrônomo abriu um sorriso que ia de uma orelha a outra:

- Ah!!! Nem tudo está perdido!!! Só mesmo um jovem de mente aberta para enxergar uma explicação óbvia que todo mundo está vendo, mas que ninguém quer admitir!

*** CONTINUA ***