Relojoeiros Cósmicos - Final

- Gabriel??

A voz retumbante era enérgica, apesar de nunca deixar de ser benevolente. O arcanjo respondeu rápido:

- Sim, meu Senhor?

- Você tem certeza que não esqueceu um de seus brinquedinhos por aí?

De seu trono, Deus todo poderoso balançava o mecanismo multidimensional.

- Você esqueceu de esconder este aqui debaixo do manto protetor do espaço-tempo!

Ele olhou seu aparato mecânico, incapaz de se perdoar por tal deslize.

- Alguém viu o mecanismo, meu Senhor?

- Pior que isso, Gabriel: pousaram nele!

Como havia cometido tal deslize? Deixado o mecanismo exposto? Sempre fôra tão cuidadoso!

- Era fácil quando eles pensavam que eram o centro do universo, que tudo girava em torno deles. Até então, eles nem tinham idéia do quão imenso o universo poderia ser! Mas apareceu o tal do Galileu, criou lunetas, e viu que nem tudo girava em torno deles. E Isaac Newton com suas maçãs doidas... Precisávamos explicar isto tudo, e por um bom tempo as leis da gravitação foram suficientes!

Gabriel se lembrava. Ele próprio havia ajudado a elaborar aquela história, inventar alguma lei convincente capaz de explicar o universo próximo que os seres humanos observavam. Mas logo apareceu o matemático Poincaré, e Einstein no começo do século 20 com sua idéia de universo de 4 dimensões, sendo o tempo uma delas. A mecânica clássica não era mais o bastante, e Deus precisou reunir seus arcanjos para criarem uma nova explicação para os curiosos seres humanos.

- Senhor, eu tinha certeza de ter coberto o mecanismo com o tecido do espaço tempo!

- Relaxa, Gabriel! Foi divertido! Ver a confusão deles!

Depois a dualidade onda-partícula. Para cada história inventada, surgiam novos problemas. Era difícil sustentar mentiras, ficava cada vez mais complicado. Mas... eles entenderiam a verdade? Entenderiam os mecanismos de um universo multidimensional?

- Já dei um jeito de esconder seu "brinquedo", Gabriel! Mas que não aconteça de novo! Eles ainda não estão prontos...

Gabriel pegou seu relógio cósmico entre as mão. Com aquele curioso ponteiro descrevendo a órbita de uma lemniscata, símbolo místico universal do infinito, cuidadosamente combinando o movimento de torção de duas engrenagens tetradimensionais. Teria mais cuidado dali em diante. Não o deixaria mais exposto...

*** FIM ***