Expresso Transcroniano - Parte 12

*** O artista incompreendido ***

- Tem uma música que fiz em 1975, mas como a maioria de vocês aqui são de antes da década de 40 ainda não devem ter ouvido. É sobre Deus conversando com o homem, se queixando das decepções que sentiu em relação à sua criação. Me baseei bastante no livro sagrado hindu, Bhagavad Gita. Querem ouvir? - perguntou, já preparando e tocando os primeiros acordes no violão.

- Não, Raul! Não! - os passageiros responderam uníssono. Uníssono? Não é verdade! Lá do fundo do vagão, não se sabia de onde, podia ser ouvido claramente aquele lamento mudo: "Toca Raul!!" E Raul começou a tocar:

"às vezes você Me pergunta

por que é que Eu sou tão calado!

não falo de amor quase nada

nem fico sorrindo ao teu lado...

você me tem todo dia

e nem sabe se isto é bom ou ruim!

mas saiba que Eu estou em você

mas você não está em MIM!!!"

Edgar Alan Poe, do pouco que entendia da língua portuguesa, ficou de olhos vidrados ao ouvir aquela preciosidade!

- Raul? Ser este seu nome?

- Raul! Raul Rock Seixas! Com quem tenho o prazer de falar?

- Allan! Me chame de Allan! Edgar Allan Poe!

Edgar Allan Poe!!! O conto "o corvo" martelava em sua mente, e ele mal esperava a oportunidade de transformá-lo em música!

- Edgar Allan Poe!!! Eu... - era difícil Raul se perder, não saber o que falar. Mas aconteceu desta vez!

- Musica bela! Belenita!

- Bonita!

- Sim! Esse: bonita.

- Please, speak to me in english! I can understand very well!

- OK, Raul... ROCKWELL Seixas???

- No no! Only "ROCK". Raul ROCK seixas!

- Magnifical verses! God lamenting with man... fantastic! Did you translate this song to english?

- Never thought about it, but... - começa a tocar seu violão.

"Sometimes you ask me a question

You ask why I talk so little

I hardly ever speak of love

Don't side you and smiling so bittle"

"You think of me all the time

You eat me, spew me and leave me

Come forth, see through your ears

Cause today I'll challenge your sight"

"I am the star of the starlights

I am the child of the moon

Yes, I am your harred of love

I am too late and too soon"

- Edgar! Cool, man! A música ficou fantástica! Vou te colocar nos créditos dela!

- Ser melhor não, Raul! Ninguém entenderia...

Raul olhou fundo nos olhos do poeta preferido.

- Nobody, no one would any time understand it! Forgive! Its YOUR ONLY CREATION! Por Favor - disse com sotaque sobrecarregado nos ERRES - ninguém entenderia! Coautoria com Edgar AlaN Poe? Amigo, isto é um carimbo para o hospício! Diga que a música é sua! E ainda falta grande parte dela, né? Quem sabe a MELHOR parte. Que VOCê vai desenvolver! Poeta do futuro, eu já tenho tudo o que quero! Aproveite isto, tome pra você!

Foi quando se aproximou o fiscal dos comboios pelo corredor central.

- Seu tíquete, cidadão!

Ele conhecia Raul. Sabia que ele nunca tinha tíquete! Era satisfação o que ele sentia em ferrar as pessoas? Que vergonha de admitir isto publicamente... MAS DE SI PARA SI, aquilo desaparecia: ere QUERIA prejudicar aquele sujeito cabeludo, maluco-beleza, sem passagens. Uma satisfação inexplicável, doentia... uma vontade de atrapalhar a vida de alguém ardia em seu estômago!

- Seu bilhete, senhor...

- Raul Rock Seixas! - se adiantou Jules Verne. - E ele está comigo!

- Ele é seu... - o fiscal tentava captar o parentesco. - Filho? Amigo? Empregado?

Era um estranho! Um estranho interessante, cheio de coisas interessantes para dizer! Sem bilhete, mas... que é um bilhete de trem? O estranho, por seu valor, merecia estar lá! Jules Verne o protegeria com unhas e dentes!

- Ele está perdido, meu caro! Culpa da má sinalização de vocês! Pretendia seguir para o futuro, cujo bilhete perdeu. Mas... temporariamente está comigo, indo para o passado! Prometo deixá-lo na próxima estação! Afinal, está indo na direção errada! Caberia aqui inclusive uma indenização, se é que me entende....

O fiscal ainda olhava desconfiado.

- Se responsabiliza por ele? Não vai deixá-lo fazer besteira?

- "Todo homem tem o direito de se deslocar livremente pela face do planeta, tanto em tempo quanto em espaço! Porque o planeta é dele! O planeta é nosso!", parafraseou Jules Verne a maravilhosa frase que ouvira do novo amigo.

- Deixa eu ir, polícia!! - suplicou Raul.

O fiscal coçou a cabeça.

- Certo seu... Raul Rock Seixas! O que pretende fazer em 1920?

- 1920 ?????????????

Ah não!!! A história se repetia!

- Não estamos avançando, seu "polícia"?

- Estamos voltando, Raul.

- Ah!!! Parem já este trem! Errei a direção de novo!

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Raul Rock Seixas desceu na estação 19-20. Como havia errado de novo? Pessoas entravam, pessoas saiam... O problema era mesmo com ele? Algum complô maligno o impedindo de pegar um trem para o futuro? Por quê?

O trem fazia uma manobra. Os últimos vagões eram de cargas! Ele não cometeria de novo a mesma besteira: cruzo a ponte que ligava uma plataforma à outra! Era comum, em 1920, vagões transportando petróleo puro para os séculos seguinte! Energia barata, mas indispensável para alimentar o mundo vindouro! Sim, ele tinha certeza de que, ao menos aqueles vagões, iriam para o futuro. Para a direção que ele queria! Para a era em que os ets conviviam pacificamente com seres humanos, negociavam com eles, filosofavam sobre o universo com eles. Raul queria ver isso! E entrou sem que ninguém percebesse naquele vagão.

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- Êpa gente! Foi mal! Não sabia que já tinha gente aqui! Podem abrigar mais um?

Judas e Leonardo se olharam. Por que não? Mais um clandestino?

- Ah, venho pegando trem errado até agora! Todos indo na direção contrária que eu queria! Não aguento mais...

- E pra onde vais, amigo? - incentivava Leonardo.

- Discos voadores! Seres extraterrenos! Estou indo na direção certa para encontrá-los?

Leonardo da Vinci pensou um pouco. Concluiu enfim:

- Sim, amigo! Se é isso que desejas ver, está sim indo na direção certa!

- Ah!! Que alívio!! Ainda falta muito?

- Não vou de iludir: faltam uns... 10 mil anos! Mas você vai chegar lá! Ver exatamente o que quer!

- Caramba! Nunca imaginei que eles demorariam tanto! 10 mil anos???? Meu caro... qual seu nome mesmo?

- Leonardo! Leonardo da Vinci!!

Raul congelou por um tempo. Saiu enfim do transe:

- O cara da Monalisa? Foi você que pintou, né? Sabe que compus uma música pra ela?

Tira o violão das costas, dedilha, e começa a cantar:

"Mona-monalisa, 'cê tá rindo de mim!

garga, gargalhando seu sorriso de marfim!

faço tudo o que eu posso,

te dou tudo o que eu tenho, ó bruxa!

por um pedacinho!

da paz que um dia eu perdi"

- Fantástico, menestrel! Poucas vezes eu tenho a oportunidade de ouvir algo nesta língua dos alentejanos!

- Alentejanos? - estranhou Raul. Mas o segundo ocupante clandestino, demostrando ser ainda mais antigo que Leonardo pelas vestimentas, o intrigava mais!

- E você? - mas a abordagem direta parecia não funcionar. Raul apelou então para o novo amigo Leonardo: - Esse aí, quem é?

- Judas! Ele me disse?

- Judas? Só judas? Judas de quê?

Ah, por que todo mundo insistia em invadir sua intimidade?

- Judas! Só Judas! Um nome comum!

- Judas de onde? - insistia Raul, sem perceber que estava sendo impertinente.

- Judas... de... Judas de Belém! - explodiu, mentindo descaradamente. - E você, que me pergunta? Quem é? Raul? Raul de onde?

- Raul Rock seixas!

- Rock... Onde fica isto? Raul de Rock? Onde diabos fica este "Rock".

Com um largo sorriso, Raul apontou confiante seu próprio peito.

- AQUI fica o Rock, meu amigo! Dentro do peito! No coração de cada um, no lugar reservado que cada qual reserva para ele! É aí que vive o Rock!

- Eu sou Leonardo da Vinci, pois me chamo Leonardo e venho da província de Vinci.

- Irmão, eu sou Raul, e venho do mundo livre do Rock. E Seixas é minha origem! Por isto me chamo Raul Rock Seixas!

Judas observava aquilo à distância:

- Tenho uma música sobre Judas! - e, sem permissão alguma, disparou aqueles versos perturbadores. Ao menos para judas!

"Parte de um plano secreto!

Amigo fiel de Jesus!

Eu fui escolhido por ele

para pregá-lo na cruz!"

"Cristo morreu como um homem

Um mártir da salvação

Deixando para mim seu amigo

O sinal da traição."

"Mas é que lá em cima

Lá na beira da piscina,

Olhando simples mortais

Das alturas fazem escrituras

E não me perguntam se é pouco ou demais"

- Para, Raul! Ele não está gostando de seus verso!

Judas estava mesmo à beira de um ataque de nervos.

- Eu não sou este Judas! Nem conheço Jesus! Nunca ouvi falar dele!

Raul olhava Leonardo procurando aprovação.

- Judas de Belém, é o seu nome, né?

- Isto! Nem faço ideia de qual é este Judas que você cita na música.

Raul não havia citado nenhum Judas neste trecho de sua música. Ele próprio se denunciou! Cochicha muito baixo no ouvido de Leonardo.

- Ele é o Iscariotes, não é? O que traiu Jesus...

- Raul, Raul... acho que sim! - tentava falar Leonardo no tom mais inaudível que ele pudesse,. - Mas... Ele não quer se abrir! Deve ter seus motivos!

- Certo certo... e a Santa Ceia, Leo? Você a pintou também, né? Quadro lindo!

- Na verdade, Raul... ainda não! Está na minha cabeça! Tenho um rascunho... Mas ainda não pintei!

- Ops!!! Fiz merda,né? Revelei algo que não deveria? Ah, foi mal! Mas vai em frente, Leo!!! O quadro vai ficar muito bom! Se não um dos seus melhores, com certeza um dos mais conhecidos!

- De quando você vem mesmo, Raul?

- Século 20!

- Meu quadro ainda será conhecido no século 20? Mais de 500 anos depois de pintado?

- Vai sim, Leo!!! Então... vai fundo!!! Capricha!!! Muita gente mesmo vai vê-lo!!! :-)

- Nem sabia que pintava tão bem! Sempre achei que seria reconhecido eternamente pelos meus computadores mecânicos...

- Faça as duas coisas, Léo! Uma delas vai dar certo! Ou, se tiver sorte, as duas coisas!!!

Raul pegou pedaços de pernil suíno sintético nas prateleiras do vagão de carga:

- Estão com fome? Permitiriam que o novato preparasse um petisco?

- À vontade, Raul! Agora que sei que estas carnes são sintéticas, como qualquer preparado com elas! Se deliciosos, ainda melhor!

- Deixa comigo, Leo!! Sei preparar um pernil do outro mundo! Natural ou sintético, tanto faz!!!

*** ... e continua!! ***

David Machado Santos Filho
Enviado por David Machado Santos Filho em 22/12/2012
Reeditado em 22/12/2012
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