"A SALVAÇÃO"

Eram meia noite, e Dr. Praxedes seguia pela Br 471 a descoberta mais importante do mundo moderno. O Projeto estava arquivado em seu Laptop que se encontra no banco do carona de sua pick-up. O asfalto estava vazio naquelas horas, e o sono estava quase vencendo o cientista. Ele havia trabalhado por mais de setenta horas ininterruptas para aprontar “A salvação”. Sua intenção era no dia seguinte tomar um avião até São Paulo para registrar sua descoberta.

Os faróis da camionete cortando a neblina da noite, úmida e fria, e o som de B. B. King vindos do rádio, davam um ar de nostalgia ao ambiente. Por umas duas ou três vezes o carro chegou a trocar de pista. Vez por outra dava um gole numa garrafa de coca-cola tentando espantar o sono. Quando percebeu faróis na sua traseira ficou contente, não se distanciaria muito do automóvel, assim ficaria mais atento. Porém ao passo que se aproximavam os faróis, mais pareciam olhos diabólicos avançando sobre sua camionete. Talvez por instinto, Praxedes sentiu-se ameaçado e compulsivamente acelerou seu carro. O outro carro fez o mesmo, e o cientista não tinha mais dúvidas que estava sendo seguido. Os dois carros passaram então a quebrar o silêncio da madrugada com suas acelerações, derrapadas e frenagens, já que o asfalto era sinuoso. Dr. Praxedes ao menos se contentou, pois seu sono havia ido embora.

Não contentes em apenas perseguir, dois estampidos foram ouvidos. Eram tiros, não havia dúvida. E pelo barulho era de alto calibre, deduziu Dr. Praxedes. No terceiro tiro o vidro traseiro ficou em estilhaços, que atingiram o cientista, que perdeu o controle da direção e saiu do asfalto rasgando a terra descendo por um barranco coberto de vassouras, e finalmente de árvores, que num choque brusco conteve o avanço do automóvel que teve a frente destruída. Com a batida o computador voou para fora do veículo. Grogue com a batida, Praxedes demorou alguns instantes para recobrar a consciência e perceber que a perseguição continuava. Três homens entraram no bosque, munidos de lanternas na caça ao cientista.

Dr. Praxedes sabia que carregava consigo algo muito valioso, e que mudaria para sempre o mundo moderno. Tamanha era a importância de seu invento que chegou a apelidar de “A salvação”. O cientista tinha a consciência que seu invento chamava a atenção de gente poderosa, pois além da importância social, era algo que transformaria a economia mundial. Ou seja, alguns ganhariam, outros perderiam dinheiro, e isso sempre foi motivo de conflitos desde a invenção da moeda e da economia. Por isso pensou que se tratasse de espionagem. Isto é muito comum no meio. Aliás, Dr. Praxedes também sabia que seu invento o enriqueceria para o resto de sua vida, e fosse o que fosse sua invenção valia milhões de dólares, e isto sem dúvida era motivo para perseguições.

O doutor saiu da camionete cambaleando. Pegou seu laptop e adentrou na mata tentando se refugiar. Mas debilitado andava lento, e seus perseguidores estavam ao seu encalço. Com a proximidade da luz das lanternas irrompendo a mata o cientista percebeu algo curioso. Os outros não falavam português. Provavelmente americanos, pelo inglês que falavam. O pulmão de Praxedes já não suportava o ritmo de sua fuga em meio a galhos, folhas e buracos na mata. Ofegava, cansado, e sem forças para resistir. Num declive escorregou, e sentiu as pedras e a madeira esfolarem seu corpo. Era um homem corpulento, e seu peso se multiplica pela falta de suas forças, sentia-se como uma pedra rolando barranco abaixo. Suas vistam foram escurecendo, até os sons noturnos silenciarem, e as trevas o dominarem seus olhos.

Uma luz forte e insuportável tomou conta dos olhos de Praxedes. Com a vista turva, aos poucos ia reconhecendo seu laboratório. Quatro homens lhe cercavam. No entanto não havia muito que fazer, estava amarrado. Um dos homens começou a interrogar-lhe num português mal falado. Queriam saber se haviam backups dos arquivos no laptop. O doutor jurou não haver mais nada, tudo que tinha estava no computador quebrado durante a perseguição. Os homens não acreditaram, e reviraram todo o laboratório. Todo e qualquer objeto que pudesse conter dados era destruído. Lagrimas escorriam pelo rosto do cientista que dedicara uma vida inteira naquele laboratório. Se não estivesse amarrado e amordaçado talvez gritasse, reagisse... Mas não podia fazer nada, a não ser ver a destruição do seu laboratório. Foram minutos torturantes em que a história da sua vida foi destruída. Depois da quebradeira um deles saiu até a rua e voltou com dois galões. Era gasolina.

Eles tiraram o doutor para fora, e colocaram a cadeira de frente ao seu laboratório. Um dos bandidos, a quem Praxedes definiu como líder se aproximou e começou a falar. Seu português era fluente, e suas palavras cortavam Praxedes como se fosse um navalha.

“Brasileiros idiotas! Não param com essa mania de querer salvar o mundo, de serem os mocinhos. Estão sempre procurando por algo novo. Primeiro são os remédios da Amazônia. Quem vocês acham que são para comandar toda aquela biodiversidade, sem nos deixar explora-la. Que mania chata de defender a tal sustentabilidade. Agora não bastavam se meter com a tal de bioenergia, e o senhor vem com essa invenção. Talvez o senhor não saiba, mas o que acaba de inventar quebraria a economia mundial, principalmente a nossa. O que seria das famílias americanas dependentes da indústria do petróleo? Quantas refinarias quebrariam se isto viesse a público nesse momento? E as indústrias das armas então, sem as guerras pelo petróleo, para quem venderiam? Não o senhor realmente não sabe no que se meteu”.

O líder fez um sinal, e um dos homens ateou fogo. As chamas corroeram em minutos décadas de trabalho. Os homens entraram no carro, que manobrou fazendo a volta até ficar lado a lado com Dr. Praxedes. O vidro dianteiro desceu vagarosamente, até o cano de uma pistola 365 automática ficar a vista. Foi um disparo fulminante que acertou em cheio a testa do Dr. Praxedes, que morreu instantaneamente. O carro acelerou até não poder ser visto.

Dois dias depois um sedex chegava à sala do Professor Alberto. Ela vinha dum remetente conhecido. Dr. Praxedes. “Há quanto tempo não tenho notícias deste velho amigo” pensou o professor. Ele abriu a embalagem, e encontrou um CD, e um envelope com um bilhete dizendo “Assista primeiro ao vídeo. Por favor”. Alberto colocou o arquivo no computador, abriu-o, e com atenção passou a assistir. Nele Praxedes aparecia em vídeo lhe enviando uma mensagem.

“Olá meu amigo Alberto. Ou melhor, Beto, como sempre o chamava. Se estiveres assistindo a este vídeo é porque algo me aconteceu, e evitou que eu chegasse aí primeiro. Foi uma medida de segurança, e que provavelmente foi necessária. Você é a única pessoa a quem confio neste meio, e apesar de fazer alguns anos sem contato, tenho a certeza que você saberá fazer o que precisa ser feito, afinal, você foi meu melhor aluno. Neste CD estão arquivos do projeto do meu novo invento, sem dúvida uma grande descoberta. Há anos venho estudando fontes de energia eficientes e não poluidoras. Depois de mais de uma década cheguei então ao projeto que carinhosamente apelidei de “A salvação”. O Projeto consiste no uso da energia solar. Não da maneira que conhecemos, sem muita potência e pouca autonomia. Trata-se de um concentrador de força, capaz de captar a energia solar e a multiplicá-la, tornando-a uma fonte inesgotável de energia. Ou seja, os motores, os prédios, tudo, tudo o que você possa imaginar seria auto-suficiente energeticamente graças à captadores multiplicadores como explica o projeto. Inclusive a energia elétrica poderia se abolida. Esta energia Seria economicamente viável e mais barata, pois haveria apenas o custo de implantação. Além disso, irá significar um grande avanço na emissão de gás carbônico na atmosfera. Todos os dados estão no CD. Mais uma vez te peço para que tomes cuidado até registrar o invento, pois se não estou aí é sinal que isto incomoda a muita gente, ou que gerou interesse capaz de fazerem mal a quem estiver com este invento. Tenho a certeza que ao analisar o projeto tu verás a magnitude de tal descoberta”.

Ainda descrente ao que acabara de assistir, Beto fechou o vídeo, e pesquisou no google pelo nome de seu ex-professor. Uma grande variedade de Links surgiu na tela, a grande maioria destacando as circunstâncias misteriosas do assassinato do Dr. Praxedes Pacheco, renomado físico brasileiro, que há anos se dedicava ao descobrimento e avanço na pesquisa energética. Um calafrio se apossou da espinha dorsal de Beto, que pela primeira vez percebia o poder e a importância do documento que a pouco lhe chegara a suas mãos.

Douglas Eralldo
Enviado por Douglas Eralldo em 09/03/2007
Código do texto: T406804
Copyright © 2007. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.