A Síndrome de Terek
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Selsk era o chefe do Departamento de Controle de Fatores Genéticos de sua região. Sem dúvida era uma função importantíssima no começo do século 31. Não havia mais gestação, não havia mais partos, não havia mais família. Todo ser humano era “projetado” em laboratório, sempre com vistas à perfeição genética. As pessoas eram classificadas em “grupos genéticas”, a única reminiscência do que haviam sido as “famílias” de séculos atrás. Bem verdade era que, em alguns raríssimos lugares, ainda se “faziam” pessoas à moda antiga. Eram as chamadas “zonas naturais”. Havia seres  que nunca haviam se adaptado às grandes inovações e descobertas da humanidade. A existência dessas regiões, por um lado transmitia uma certa ideia de liberdade, e por outro servia como referência para a maneira rápida como o resto da civilização evoluía. Muitas vezes acontecia de virem cientistas para as “zonas naturais” com o fim de “coletar” dados e até mesmo material. Essas áreas eram absolutamente isoladas e controladas.
Naquele dia havia uma reunião importantíssima para Selsk. Uma figura importante do Controle Central estaria presente.  Essas reuniões com a presença física dos participantes eram raríssimas e só por isso poderia se ter uma ideia de sua gravidade. Estavam ali para discutir  a  “Síndrome de Terek”. Terek era um cientista do bloco oriental, que pela primeira vez  havia notado o fenômeno e daí o nome. Esporadicamente – isso havia começado há quase dois anos – algumas pessoas, sem razão aparente, desapareciam. No final eram encontradas, pois todas tinham um implante de localização. Apareciam em outras regiões conversando e até morando com outras pessoas. Entrevistadas, invariavelmente declaravam que não sabiam por que haviam feito aquilo. Simplesmente sentiam uma urgência de ir para um lugar definido e iam. Mais interessante ainda, era que as pessoas que as recebiam, de certa maneira esperavam por elas e sempre as recebiam bem. Foi Terek que notou que essas pessoas – visitantes e visitados – tinham código genético muito semelhante. Eram “parentes”, de certa forma. Como eles sabiam quem eram os “parentes”, onde eles estavam? Era um mistério.
Aparentemente algo desconhecido no cérebro induzia, de uma maneira incontrolável, esses indivíduos a se encontrarem. O cérebro estava completamente mapeado e todas as suas funções eram completamente conhecidas e daí vinha o mistério. Como, por quê?
Terek já sabia como evitar o problema, se é que isso pudesse ser considerado um problema. O incoveniente de tomar uma atitude assim, era que, desta forma, oficialmente se reconhecia que o poderoso Departamento de Controle de Fatores Genéticos não era tão absoluto e infalível, afinal de contas. Isso não era bom para sua imagem. A proposta de Terek era aplicar a solução que ele havia proposto para, uma vez por todas, evitar que essas “visitas” continuassem. Selsk era completamente contrário a isso. Segundo ele, e esse era um bom argumento, seria um absurdo científico eliminar o problema sem conhecer profundamente suas causas. Além de ser possível algum tipo de desdobramento, talvez estivessem perdendo a chance de descobrir algo novo,  algo revolucionário, numa época em que havia quase nada para se descobrir em termos de corpo humano.
Muitas pessoas do Departamento tendiam a concordar com Selsk, embora o comando central fosse poderoso e estivesse contra ele.
O que ninguém sabia –e esse era seu grande segredo – era que Selsk também tinha tido suas “viagens” inesperadas. Conhecera alguns “parentes” muito interessantes. A experiência tinha sido espetacular para ele, tinha passado por sensações que ele jamais imaginou pudessem existir. Era como se estivesse em contato com o que havia de mais profundo, em termos de experiência humana. Ele era esperto e sabia como dissimular suas “visitas”.
Além do mais, estava determinado. Faria de tudo para impedir que o novo controle proposto por Terek  fosse implantado. Afinal, ele estava passando por uma experiência memorável. Ninguém tiraria isso dele...A sensação de ter uma família, um irmão, um pai...