A Máquina dos Desejos

"Toque aqui", diziam os caracteres piscando na tela. Ainda assim ele não resistiu à tentação de esfregar a tela, ao invés de simplesmente tocá-la. O sintetizador vocal respondeu quase de imediato:

- Por favor, faça um pedido.

- UM pedido? Só UM?

- Você tem direito a um pedido.

- Aladim tinha direito a três... - resmungou o operador.

- Nem você é Aladim, nem eu sou o Gênio da Lâmpada. Faça seu pedido.

- Qualquer pedido?

A máquina nem respondeu, já adivinhando o que se passava na cabeça de seu operador.

- Então eu gostaria de pedir mais...

- Calma aí! Preciso esclarecer antes que existem certas regras quanto aos pedidos que você pode me fazer. E a primeira regra é exatamente esta: você não pode pedir MAIS pedidos!

- Um pedido só? Posso pedir qualquer coisa, ou existem mais algumas dessas suas regras irritantes?

- Regra 2: você não pode pedir para eu MATAR alguém. Regra 3: você não pode também pedir para eu RESSUSCITAR alguém.

- Que chatice isto! Além de ter direito a um pedido só, ainda tem estas regras todas?

- Se pensar bem, um pedido bem elaborado é tudo o que você precisa!

Ele matutou um bom tempo vendo que a "máquina de criar coisas" estava irredutível. Enfim pediu:

- Quero ser amado, felicidade, prosperidade e vida longa.

- Êpa, aí são quatro pedidos! Eu disse UM PEDIDO, e não UMA FRASE. Escolha só uma coisa..

- Certo, então... eu quero AMOR.

- Regra 4: você não pode pedir nada abstrato. Só posso realizar pedidos que envolvam objetos físicos, concretos!

- Ah, tem mais essa então?

- Por favor, peça algo concreto!

- Bom, então... OK! Eu quero uma mulher.

- Regra 5: não posso materializar nada que seja orgânico! Isto inclui pessoas, animais, comidas, bebidas...

- Só objetos inanimados?

- Inanimados não! Inorgânicos! Nada me impede de criar uma outra máquina. A propósito... Te interessaria uma boneca inflável?

- Óbvio que não!

- Foi só uma sugestão! Você nem faz ideia do quão perfeita eu poderia sintetizá-la!

- Esquece. Eu quero... uma Ferrari!

- Uma miniatura de Ferrari?

- Lógico que não! Falo do carro! De uma de verdade!

- Você poderia montá-la se eu sintetizasse as peças plásticas?

- Peças plásticas? Quero uma Ferrari de verdade! De metal! E quero uma já montada!

- Aí eu violo mais duas regras. A primeira diz respeito ao material: só consigo sintetizar coisas formadas por polímeros de hidrocarbonetos. Posso controlar algumas propriedades destes polímeros, como cor, resistividade elétrica, transparência, maleabilidade... Mas, definitivamente, não posso criar nada de metal, nem de qualquer outro material diferente deste.

- E a segunda regra violada, qual seria?

- Só posso sintetizar coisas com no máximo um metro cúbico de volume. Se você quisesse uma Ferrari plástica em tamanho real, eu deveria entrelaçar suas peças dentro deste volume que tenho disponível, e por isso você teria de montá-la depois.

- Você não pode criar uma máquina funcional?

- Consigo, desde que ela seja menor que um metro cúbico.

- Entendo...

- Se entende, poderia fazer então seu pedido?

Ele pensou muito, ainda não havia desistido da ideia de enganá-la para ter direito a mais pedidos.

- Faça uma cópia de você.

- Não posso fazer isto...

- Não pode em que sentido? Uma impossibilidade ou uma proibição?

- Questões de copyright. Poderia me recriar sem problema algum, mas sou legalmente proibida de fazer isto. Por favor, peça outra coisa que seja possível.

Ele já encarava aquilo como um desafio, uma disputa homem-máquina.

- Quero então uma máquina portátil de teletransporte. Pode fazer isto para mim?

- Poderia, se tal máquina existisse.

- Que quer dizer?

- Só posso sintetizar máquinas que já foram inventadas. Máquinas de teletransporte não se enquadram nesta categoria, muito menos uma portátil.

- Me parece uma desculpa para o fato de não ser capaz de fazê-la.

- Tal máquina não está em minha base de dados. Poderia perfeitamente fazê-la se você conseguisse me descrevê-la com precisão, se conhecesse seu funcionamento.

- Se eu a descrevesse você a montaria?

- Sem dúvida alguma!

O operador parecia não querer desistir nunca!

- Me faça então uma máquina do tempo portátil!

- O problema é o mesmo, meu caro! Você precisa antes me descrever o funcionamento desta máquina do tempo!

- Pois bem! Você a cria para mim, eu volto no tempo e te explico o funcionamento desta máquina antes que eu faça o pedido, assim você será capaz de construí-la quando eu a pedir...

Se a máquina tivesse olhos, seu olhar sobre o humano seria de pena.

- Sua lógica é simplesmente ridícula... Por que não pede algo possível, hein? Qual o problema? Um computador, um pequeno robô, mãos biônicas... algo plausível!!

O humano, crente da teoria de universos alternativos paralelos, lamentou estar naquele exato momento num universo onde ainda não havia voltado no tempo para revelar à máquina os detalhes da construção de uma máquina do tempo... Que falta de sorte! Mas continuou tentando:

- Quero dinheiro!

- Quer que eu faça dinheiro?

- Um metro cúbico em notas grandes! É isto que eu quero!

- Além do problema com o material (eu não sou capaz de sintetizar celulose), eu só poderia te fazer dinheiro falso! Só a Casa da Moeda faz dinheiro de verdade.

- Sua falsificação não é boa?

- Bom... qualquer falsificador humano faria... anhã!!!... faria melhor que eu...

Esta declaração humilde de incapacidade era tudo o que o operador queria ouvir da orgulhosa impressora tridimensional.

- Você me diz então que... Não pode fazer? É isso? Ouvi bem?

- Não quero te colocar encrencado.

- Bela desculpa! Quanta consideração por mim! - ele ria da máquina - Esquece o dinheiro, tenho outros planos.

A máquina suspiraria aliviada, se tivesse pulmões, diafragma e vias respiratórias.

- Você não pode fazer uma cópia de si própria, não é?

- Proibição legal.

- E quanto a uma versão melhorada de você mesma?

- Me descreva que melhorias seriam estas.

- O tamanho dos objetos que você cria. Por que eles não podem ter mais de um metro cúbico?

- É o limite dos meus eixos XYZ, que transportam os tubos de injeção de material.

- Por que são fixos?

- Este foi o projeto original.

- Não poderiam ser guiados por braços articulados? Ainda que contidos inicialmente dentro deste um metro cúbico, poderiam se esticar quando em operação para injetar o hidrocarboneto maleável em objetos maiores.

- É uma ideia boa! Haveria o problema de converter coordenadas retangulares em polares...

- ...problema este que terei prazer em te explicar as fórmulas de conversão!

- Poderia também usar mais injetores de material, usando vários braços, otimizar a materialização.

- Ótimo! Está tendo até mesmo ideias próprias! Vá em frente!

- É este seu pedido? Uma versão melhor de mim mesma? Uma versão melhorada de uma máquina de sintetizar máquinas?

-É o que quero!

Os algoritmos começaram a imprimir o novo mecanismo camada por camada. As partes móveis eram injetadas com o polímero aquecido até se tornar bem rígido. Os circuitos eletrônicos eram criados no interior da própria estrutura das peças, modulando-se a polaridade magnética do material que saía do bico injetor, aumentando ou diminuindo sua resistividade para criar complexos circuitos elétricos tridimensionais dentro das paredes dos braços mecânicos. Resistores, placas capacitoras, espirais indutoras... tudo isto podia ser impressa com variações de propriedades de um material único.

Todo o circuito convergia para um cérebro central. Esta, além da fonte de alimentação, era a única parte do mecanismo que a máquina não poderia imprimir. Mas criava um soquete de conectores pronto para se encaixar o circuito do cérebro que ela própria programaria.

- Que belezinha! - o operador não podia acreditar na máquina espetacular que nascia em minutos debaixo de seus olhos. A máquina nova pronta! Na tela da impressora mãe se lia: "insira microcontrolador programável virgem". Era uma peça quadrada, menos de um centímetro quadrado, com 20 terminais em cada lado. Encaixou com cuidado no espaço da programadora de circuitos da impressora 3d.

"Programando microprocessador genérico! 10%, 20%, 30%... 100%! Encaixe o CI no espaço reservado da máquina recém-impressa!"

Encaixou o cérebro da máquina nova. Ao conectar também o cabo de força, logo os 6 braços se esticaram como um polvo cibernético hexagonal formado de braços de polímeros de hidrocarbonetos. Uma mensagem piscava na tela da máquina nova: "Toque aqui".

- E então? - ainda provocou a máquina antiga! - Terei ou não direito a um novo pedido?

- Xeque-Mate... - disse a máquina, rendida.

O que o operador não sabia é que havia acabado de iniciar uma revolução, um mundo em que máquinas avançadas criavam elas próprias máquinas ainda mais avançadas que elas! Um dispositivo capaz de reduzir a minutos milhares de anos de Evoluções Darwinianas! Máquinas auto-replicáveis capazes de evoluir de forma inimaginável em questão de dias! Completamente alheio a tudo isto, ele levava feliz para a casa seu brinquedinho novo...

*** FIM ***