O Demiurgo do entardecer

Parou no alto da colina, bem a tempo de ver o sol se pôr entre nuvens escuras no horizonte, um vento úmido recendendo a mato molhado enchendo suas narinas. O céu sobre sua cabeça adquirira uma tonalidade arroxeada, cirros alongados nas alturas tingidos de carmesim. A chuva de fim de tarde fora breve, e agora, pássaros noturnos emitindo pios aflitivos, davam voos rasantes sobre a vegetação em busca de insetos. O ocaso foi sucedido por uma breve profusão de raios dourados que se estenderam para o alto e apagaram-se subitamente, como se o sol houvesse sido tragado pela terra. A escuridão que se avizinhava foi suavizada pelo surgimento de uma imensa faixa leitosa que cortava o firmamento de norte a sul, entremeada aqui e ali por áreas mais escuras e em cujas bordas podiam ver-se estrelas brilhantes envoltas em nuvens de gás. Sobre a colina, indiferentes aos pássaros à cata de uma refeição, revoluteavam grandes pirilampos de luz dourada, que zumbiam como abelhas.

- Muito bom! - Aprovou Pai Waldemar em voz alta. - Devo reconhecer que tem bom gosto... Tlaloc.

Alguém riu às suas costas. Virou-se e ali estava Cedric - aliás, Tlaloc - tal como lembrava-se dele há 50 anos quando ambos cursavam a Academia dos Demiurgos. Mas estava vestido à caráter como um cavalheiro, de fraque escuro, camisa branca e calças listradas. E uma cartola. E uma bengala de mogno com castão dourado.

- Waldemar... não me olhe desse jeito - mofou Cedric. - As suas roupas são exatamente iguais às minhas.

- Mas não me deu uma bengala... - ponderou Waldemar, erguendo as mãos vazias.

- O Demiurgo aqui sou eu - retrucou Cedric com um sorriso impertinente. - Mas você tem um belo relógio de algibeira com algumas particularidades especiais, como adiantar ou atrasar o tempo do universo... embora eu não saiba em que isso lhe poderá ser útil enquanto estiver nos meus domínios.

- Talvez eu acelere o tempo se a sua conversa ficar muito maçante - provocou Pai Waldemar.

- Não funciona comigo - retrucou Cedric erguendo uma sobrancelha. - Eu estou além deste universo, como sabe.

- E isto nos conduz à pergunta: a que devo a honra do convite para conhecer o seu playground?

- É embaraçoso ter que admitir isso, mas vou precisar dos seus serviços.

- Algo de muito grave deve ter ocorrido para que eu esteja ouvindo essas palavras - disse lentamente Pai Waldemar.

- Sim, é verdade - respondeu Cedric encarando seu ex-colega de Academia. - Perdemos nossa melhor candidata num acidente estúpido e o Alto Conselho quer certificar-se de que na próxima tentativa conseguiremos chegar até a fase de execução do projeto.

- E você prometeu-lhes que poderia conseguir isso? - Inquiriu Pai Waldemar.

- Lembrei-me de nossas discussões na Academia... - Cedric abriu as mãos num gesto apaziguador. - Você tinha algumas ideias... interessantes. Heterodoxas, mas interessantes. Talvez seja a abordagem que precisamos para lidar com o problema.

- E se funcionar, você leva todo o crédito... - articulou lentamente Pai Waldemar.

- É por uma causa maior! - Retrucou Cedric com veemência.

- Oh, não se preocupe - ironizou Pai Waldemar. - Eu vou aceitar...

E acrescentou:

- Satisfeitas algumas condições, naturalmente...

[04-07-2014]