Um Estranho Mundo - Prólogo Revisado

Prólogo

Era hora de dar um enterro decente aos meus dois colegas.

Shiri colocou a mão em meu ombro antes de entrarmos na cápsula, me olhou nos olhos, e perguntou se eu realmente estava preparado para o que me aguardava. Meu coração batia acelerado, eu estava suando, apesar do frio, mas o lado racional da minha mente me fez responder, com confiança, que eu saberia lidar com o que quer que encontrasse.

Eu estava errado.

Havia três corpos.

* * * * *

- Estamos descendo muito rápido - Correia estava suando. Ele estava monitorando a temperatura do casco, que aumentava mais e mais. Já havíamos passado muito dos limites seguros.

- Eu sei - eu respondi - mas não podemos fazer nada por enquanto. A nave vai ter que aguentar. Rezende, algum contato?

- Nada. Mesmo antes de começarmos a descer, só captei estática. É como se não houvesse ninguém transmitindo.

- Talvez não haja. Vocês viram o que eu vi. O planeta, eu quero dizer.

- Deve ter sido uma ilusão de ótica. As nuvens, talvez, não deu para ver bem, mas tem que haver uma explicação racional - Rezende tentava se apegar a alguma esperança. Correia só se concentrava na temperatura do casco, que continuava subindo.

- Eu já estive uma dúzia de vezes no espaço, Rezende. Você também. Não existe nenhum continente na forma daquele que a gente viu. Não na Terra.

- Dois minutos - Correia falou - se aguentarmos mais dois minutos, acho que vamos conseguir.

- E o que você está sugerindo? Que apareceu um continente novo do nada? Onde você acha que nós estamos? - a voz nervosa, quase histérica, de Rezende, contrastava com o tom controlado com que Correia contava o tempo. Suponho que cada pessoa tenha seu jeito próprio de encarar a morte.

- Eu não faço a menor ideia de onde estamos. Só sei que, seja onde for, não é na Terra.

Correia me interrompeu - os sistemas estão entrando em curto. Não sei mais que temperatura está o casco.

Nisto, as luzes se apagaram por um instante. Quando voltaram, a cor era ligeiramente diferente. Iluminação de emergência.

- Quanto tempo ainda? - perguntei.

- Está terminando, mais uns segundos, e vamos começar a sair da zona crítica - a voz de Correia contida, ele não querendo se dar esperança cedo demais - só mais uns segundos.

- Nós vamos conseguir, nós vamos conseguir. - Rezende começou a repetir, em voz baixa, como se fosse um mantra.

- Não basta a nave resistir a temperatura. Se os motores não funcionarem, não vamos conseguir controlar o pouso - eu não queria trazer mais preocupações, mas era verdade. Os motores não foram preparados para resistir a uma temperatura tão alta. Nesta hora eu desejei que estivéssemos em uma daquelas naves antigas, da época dos primeiros voos a lua, que pousavam com um para-quedas.

- Passamos o pior - Correia falou, finalmente relaxando os ombros e soltando um suspiro - a temperatura deve estar começando a baixar agora.

- Assim que achar seguro, libere as câmeras. Não quero ligar os motores antes de poder enxergar alguma coisa lá fora.

- Liberando sensores em 3, 2, 1. Ok. Funcionado, estamos com sensores externos. Rezende, o que você consegue identificar?

- Ainda estamos muito rápidos, e perdendo altitude. Estamos em cima de um oceano. O computador está identificando nossa posição neste momento... Falha. Ele não está conseguindo mapear. Deveríamos estar no meio do Pacífico, mas estou vendo um continente a frente - Rezende olhou para mim - acho que você está certo. Isto aqui não é a Terra.

Eu não respondi, estava ocupado demais ligando os motores.

- Sistema checando os motores neste momento. Teste geral OK... Não, agora apareceu uma mensagem de erro não identificado.

- O que vamos fazer?

- Não temos muita escolha, vou ligar mesmo assim.

Eu respirei fundo por um instante, antes de ligar os motores, imaginando se não iríamos simplesmente explodir. Mas não, eles ligaram. O isolamento era tal que não sentíamos nem uma vibração, só podíamos saber que estava funcionando pelo aviso do sistema.

- Continua aparecendo uma mensagem de falha não identificada, mas o computador já está controlando o voo. Ele está me dando um aviso para pousar imediatamente.

- O que fazemos? - Agora até Rezende estava aparentando alguma calma, relativamente falando. Pousar uma nave com defeito era algo que tínhamos mais experiência, ou pelo menos treinamento, para lidar. Era mais sob nosso controle do que simplesmente ficar aguardando sem fazer nada enquanto torcíamos para não virarmos uma bola de fogo.

- Vou obedecer o computador. Estou programando para ele pousar no primeiro lugar que conseguir. Não sei o que há de errado com os motores, nem sei o que mais da nave pode estar comprometido. Ele está informando que o pouso vai acontecer em uns 5 minutos.

A tensão foi diminuindo. Ainda não estávamos fora de perigo, mas parecia que íamos sobreviver. A única coisa é que isto também significava que íamos ter que começar a lidar com o fato que estávamos em algum outro planeta.

- Escapamos desta vez - Correia falou, soltando outro suspiro - achei que não íamos conseguir.

- Merda - eu interrompi.

- O quê? - ambos falaram ao mesmo tempo.

- Os propulsores pararam. O computador vai tentar pousar mesmo assim, mas vamos ter um impacto.

- Droga, Correia. Nunca, nunca diga que escapamos antes de já estarmos no solo.

- Está rápido demais...

Foi a última coisa que me lembro de ouvir antes de tudo ficar escuro.

Ashur
Enviado por Ashur em 20/08/2014
Código do texto: T4929461
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