Os pés de Ariel

Vistos do alto, seis dos sete blocos das Torres Nova Deuteria compunham um hexágono, circundando um parque coberto por luxuriante grama avermelhada, ao centro do qual fora erguida a sétima torre, o bloco G. No topo deste, havia um simpático café, o "Luz da Galáxia", onde Malakor costumava reunir a equipe depois do expediente, para desopilar e jogar conversa fora. Naquele anoitecer, contudo, estavam ali apenas ele e Zorava-Hava, observando a hipnótica movimentação de amerissagens e decolagens de aeromóveis indo e vindo dos complexos residenciais submarinos, construídos a partir de 2 km de distância das costas da ilha. Residir sob o mar havia sido um imperativo milhares de anos atrás, quando uma supernova explodira nas vizinhanças cósmicas, inundando por um breve momento a atmosfera de Deuteria de radiação letal; passado o perigo, contudo, os cidadãos mais abastados (agora, praticamente toda a população planetária) haviam decidido que a vida sob as ondas era mesmo muito mais prazerosa e quase integralmente haviam deixado a superfície para locais de trabalho, lazer, e residência de uns poucos milhões, principalmente estrangeiros.

- Desta distância, parecem enxames de insetos coloridos - comentou Zorava-Hava, enquanto Malakor bebericava um capuccino.

- É bonito... e relaxante - disse Malakor.

- Fiz um ajuste nas minhas frequências visuais para enxergar da mesma forma que você - disse a robô.

- Não prefere lembrar-se de como as coisas eram, em vez de como serão?

- A partir de hoje, estarei voltada apenas para o que será.

- Você precisa mesmo fazer isso? - Questionou ele, uma ponta de preocupação na voz. - Virtualmente abrir mão de uma existência imortal para tornar-se... carne?

- Esse é o meu desejo - disse ela, serenamente. - A decisão já havia sido tomada há muito tempo. Muito antes de conhecer você.

- Mas, de alguma forma, eu tive influência sobre sua decisão?

Zorava-Hava estendeu a mão metálica sobre a mesa e abriu-a:

- Toque.

Malakor tocou brevemente a palma rígida da mão aberta.

- A carne é frágil - ponderou ele.

- Espero poder ouvir isso de você da próxima vez que me tocar - respondeu ela.

Sobre suas cabeças, pontos metálicos sibilavam ao cruzar o céu azul-arroxeado, mergulhando mais adiante num mar verde-esmeralda.

[07-09-2014]