Eu canto o corpo elétrico!

Pergunte-Me Como olhou-se no espelho e ajeitou pela décima vez a gravata borboleta azul-turquesa sobre o smoking prateado.

- Que tal estou? - Indagou ansioso.

O robô humanoide ao seu lado encolheu os ombros metálicos.

- Bem. Você está sempre bem. E eu não entendo esse seu jogo em frente ao espelho. Você é um holograma, homessa!

Pergunte-Me Como ergueu um sobrolho ao virar-se para seu acompanhante.

- "Homessa". Caramba, há séculos não ouvia essa expressão!

E depois, movendo imperceptivelmente a gravata:

- Mas claro que não me entende. Você é um robô. Robôs não usam roupas!

- Muito menos você, vamos combinar? Você está projetando um campo de força no formato de roupas e acessórios. Não precisa ajeitar nada, basta alterar a exibição da imagem!

Pergunte-Me Como fez um muxoxo.

- Robôs! Criaturas sem imaginação! Simples e diretos como o metal de que são feitos. Escute: nunca teve vontade de usar roupas? Um terno? Calças? Um vestido, talvez?

- Indiferente. E robôs são assexuados.

O robô fez uma pausa, como se tivesse dado conta de algo errado:

- Vestido, você disse?

Pergunte-Me Como virou-se de perfil. Pareceu satisfeito com sua imagem ao espelho.

- Sim, um vestido. Um... longo de seda, talvez. Do tipo que acaricia a pele.

- A minha pele é de metal. Não tenho esse tipo de sensores nela.

- Ah, carícias... - murmurou Pergunte-Me Como. - São uma coisa muito boa. Você deveria experimentar algum dia.

- Fala como se já...

- Houvesse experimentado? - Pergunte-Me Como deu uma risadinha. - Uma Mente suficientemente poderosa é capaz. Pode sentir isso e muito mais.

O robô pareceu intrigado.

- Uma Mente suficientemente poderosa? Poderosa para quê?

Pergunte-Me Como estalou os dedos e o espelho virtual desapareceu num clarão azulado.

- Poderosa o suficiente para emular a mente de uma mulher.

Mesmo sem expressão, a face metálica do robô revelava algo do que girava abaixo, em seus circuitos.

- E é tão poderosa assim a mente de uma mulher?

O holograma balançou afirmativamente a cabeça.

- Sim. Particularmente se tiver um corpo que acompanhe esta mente. E que possa vestir um longo de seda, e que o tecido acaricie sua pele...

Aproximou o rosto de um dos ouvidos metálicos do robô e sussurrou:

- Terminações nervosas!

E repetiu, baixinho, com uma ponta de riso na voz:

- MUITAS terminações nervosas!

[17-09-2014]