A cidade bolha capitulo 03

Barcela andava apressadamente, com os pensamentos na mesma velocidade. Inúmeras perguntas circulavam, seguidas por suas respostas , rapidamente requestionadas e descartadas. Olhou para o lado e viu o semblante serio de Anita. Por alguma razão desconhecida não conseguiu ir sozinha. Não era medo. Era mais complexo. Como a necessidade de uma testemunha, de alguém que validasse sua decisão.

Anita. Cabelos grossos negros, olhos negros brilhantes, pele levemente bronzeada. Sempre chamava mais a atenção de todos. Era mais impulsiva. Falava o que pensava e pronto. Deixou muitas vezes Barcela envergonhada, mas aprendera a lidar com isso. Anita era sempre a escolha quando Barcela precisava de algo, sua irmã mais nova também tinha a incrível capacidade de irrita-la em um milésimo de segundo. Uma amizade que era raro nos tempos em que viviam.

Uma ruela estreita com lixo jogado, casas onde quase não havia paredes. Do alto da cúpula as rachaduras estavam quase todas manchadas de branco, o que indicava que haviam sido consertadas inúmeras vezes, mesmo assim gotas de água pingavam.

Espantada Anita fala:

- Esta vazando! O governo sempre fala que quando pingasse iria evacuar e consertar tudo com uma nova camada.

Barcela a olhou e com desgosto na voz falou:

-O governo é pior do que achávamos.

Lá estava no final do beco uma placa maltratada preta:

“ olho do futuro”

- É aqui.- falou Barcela.

-não parece ser confiável.

-estamos em uma bolícula, nada aqui é confiável. Por isso você veio comigo.

Anita sorriu. E falou:

- Se conta comigo como reforço, você esta lascada.

-Na verdade conto com você para me ajudar a decidir.

-Decidir o que?

- Esse que é o problema. E acho que hoje mudará o destino de nossas vidas.

O lugar era iluminado pelos buracos e rombos na parede, e pelo teto em grande parte já não existia mais, e o que restava parecia que iria vim a baixo á qualquer momento.

- Olá – disse Barcela, sua voz saiu mais alto do que calculara, o que a fez erguer os ombros em sinal de reprovação.

Anita nem percebeu, continuou a andar com cuidado, como se o chão pudesse ruir a qualquer momento, falou:

- Acho que essa birosca está abandonada á anos, vai ver que o ultimo morador foi esmagado por um pedaço do teto, ou da parede.

- O telhado é mais forte do que parece, e ainda estou viva. – a voz rouca, gasta pelo tempo de uso veio do canto onde a parede e o teto ainda resistiam, era o lugar mais escuro da casa. Barcela desferiu um olhar de reprovação para Anita, pois sabia que ela sempre falava o que pensava e isso nem sempre era bom. Na maioria das vezes não era.

-O Lee me deu o cartão.

Um – áhhh- saiu da escuridão seguido por uma nuvem de fumaça acompanhada por um cheiro doce.

Anita espantou-se. Em tom de reprovação questiona:

- Está fumando?

-Um mal que me permito.

Anita contra atacou:

-A senhora pode permitir, mas a bolha inteira não permite. Fumar é proibido. Assim como o fogo. Sabe como é difícil retirar oxigênio da agua, e pessoas como você o desperdiçam.

Para a perplexidade de ambas uma risada emana da escuridão. Seguida por:

- suponha que devo parar de respirar também... Você deve ser a Barcela e a garota atrevida deve ser sua irmã, Anita se me recordo das noticias.

Barcela assentiu com a cabeça sem ao menos saber se a senhora podia vê-la.

Um rosto cheio de sulcos, com dentes amarelados ou sem nenhum, cabelos brancos indicadores de idade avançada, era o que esperavam. Estavam erradas.

Projetou-se do manto da escuridão um semblante jovem, olhos orientais, cabelos negros e um sorriso lindo. Tragou o seu cachimbo. Fitou o rosto de ambas que continha um misto de supressa e incredibilidade. Ela soltou uma gargalhada e falou:

- Sei...a voz engana. Parece gasta pelo tempo, e o que combina com ela é uma pessoa velha.

Olhou para seu cachimbo. Soltou uma nuvem de fumaça e direcionou o olhar para Anita falando:

-A culpa também não é do fumo. Tive uma doença de garganta. Não consegui os remédios. Sabe, tenho sorte de ter uma voz.

Os olhos se perderam no vazio por um tempo, como se fitassem algo muito distante e doloroso:

-muitos não tiveram a minha sorte.

Em seguida abriu novamente o sorriso, focou ambas, falou:

- Sou Sakimi. Irmã de Lee. Venham estão lá nos fundos.

Seguiam por um corredor escuro, a pouca luz do ambiente fazia estranhos desenhos no chão, nas paredes, uma tentativa torta de reproduzir a brecha por onde entrava. Deixando ainda mais o lugar sinistro e assustador.

Anita reparou nas roupas de Sakimi. Saia longa vermelha com grandes flores brancas, inúmeras pulseiras e colares. Ela perguntou:

-Você é a vidente?

Sakimi riu. Um arrepio passou pelo corpo de Anita. Essa risada não podia ser deste corpo.

-Sou. Foi minha ideia. Precisávamos de uma fachada, e minha voz ajuda a assustar os clientes o que é bom para os negócios.

- Que negócios?

- A revolução. O que mais podia ser? Lee vai lhes explicar tudo.

Conforme avançavam o cheiro de mofo aumentava. No final do corredor em meio a papeis e velas acessas um homem gorducho estava sentado. Ao seu lado Lee o fitava.

Sakimi quebrou o silencio:

- Seus convidados estão aqui Lee.

Lee abriu um modesto sorriso. Falou:

-Sabia que viria? – olhou para Anita- quem é ela?

-Anita, minha irmã.

-Sendo assim suponho que seja de inteira confiança.

Barcela não falou nada, apenas assentiu com a cabeça. Lee continuou:

-Esse é lois o segundo em comando.

- E quem é o primeiro?

-Nós a conhecemos por A Bússola.

- A bússola? – indagou Anita.

- Exato. Mas vocês falaram apenas comigo e com Lois. Ate que provem ser confiáveis ou que mereçam a confiança dela.

- Sei.- falou Barcela- e o que esperam de nos?

Lee sorriu, mas foi Lois que respondeu.

- Que ajudem a construir um futuro para nós. Vocês foram lá fora, viram a situação das bolhas. Sabem da real situação. E como vocês duas vieram ate aqui isso quer dizer que sabem que o governo não fará nada. Sabem que é só uma questão de tempo ate tudo isso ficar embaixo de água.

Houve alguns segundos de silencio, onde Lois e Lee esperavam que Barcela falasse algo. A espera foi em vão. Lois continuou:

-iremos lá fora.- apontou com o dedo indicador para o céu- iremos subir, não podemos mais esperar. Ninguém daqui deixou a bolha, exceto alguns consertadores, mas ninguém como vocês. Você Barcela e sua equipe são o que mais se aproxima de exploradores... de heróis.

Barcela e Anita riram. A gargalhada de Anita superou a de Barcela. Ela falou:

- Heróis? Nós? Até parece.

- Vocês sabem que são. Apesar de não ter recebido o devido crédito. Sabem que salvaram esse mundo, o nosso mundo. A nossa bolha. São as melhores para a exploração.

Lee falou:

- fizemos testes com vários candidatos, mas todos foram terríveis.

Barcela perguntou:

- E o que espera conseguir com isso.

-Provar que podemos voltar á superfície. Que o governo esta errado.

- E se não estiver...

- Então temos que conseguir matéria prima para reativar a bolha fabrica, ou para a manutenção dessas, antes que rachem de vez.

- Soa como loucura. - falou Barcela.

-Mais loucura é ficar aqui, sentado esperando a bolha estourar e a agua entrar.

Anita olhou para Barcela e falou:

- Vimos às rachaduras. E se não fomos nós a fazer algo quem fará? Não podemos esperar nada dos outros. Ninguém fará nada!

Barcela olhava para a irmã que continuou a falar:

-São todos uns acomodados! Medrosos demais para tomar uma atitude. E o governo tem seus próprios e únicos interesses, ele sabe que quando formos para a superfície irá perder o controle sobre nós. Não seremos mais os humanos no viveiro ou os peixinhos no aquário.

Barcela falou calmamente, mas Anita que a conhecia deste sempre pode ouvir a angustia incrustada.

- Eu sei. Mas também sei do perigo envolvido em algo assim. As chances de morrermos são altas.

Anita como seus olhos perspicazes respondeu:

- E se não fizermos nada também.

Barcela desviou o olhar para Lois e indagou:

-Posso ver sua nave?

-Vão se juntar a nossa causa? – perguntou ansioso Lee.

Barcela sorriu e falou:

- Espero que surja alguém mais capaz. Um herói de verdade.

- Nos viramos com o que temos. – retrucou Lois.

Lee e Lois as guiaram mais para baixo. Sakimi voltou para cima, afinal nesse meio tempo poderia surgir um indesejável cliente. Agora estavam embaixo da terra. Um túnel precariamente escavado iluminado com velas. Anita não podia parar de observa-las e calculava quando oxigênio aquela pequena chama estava consumindo, quantas respirações o fogo queimava. Mordia a língua para não reclamar e começar todo um discurso da importância do oxigênio e da inutilidade do fogo. Mas dadas as circunstâncias e ao contrario do que Barcela sempre pensara ela podia pensar e não falar. No final do corredor tinha uma comporta de onde via-se o mar, mas esse era mais limpo que o normal, por isso Barcela soube que estavam á beira da fenda fell e podia-se ver a nave. Anita falou séria:

- Tá de sacanagem?

Lee falou:

- Sei que não parece com as naves que estão acostumadas, mas é duas vezes mais resistente e própria para quebrar a camada de gelo que nos separa da superfície.

-Fizeram com lixo? – perguntou incrédula Anita.

Lee com orgulho falou:

- Não só lixo, mas tudo o que encontramos e servia.

A nave parecia um monte de entulho soldado de qualquer maneira. Era quase impossível ver alguma forma que indicasse ser uma nave.

- Parece boa para mim. – falou Barcela.

- Pois para mim parece só um monte de sucata.

- Ei mocinha- falou Lois- muitas pessoas trabalharam duro nisso, e ate arriscaram suas vidas por essa sucata. Toda a esperança de um futuro repousa nessa sucata.

Anita fitou o homem e falou:

- não sou mocinha! E de nada vale essa coisa ai de vocês se não tem uma tripulação, se não tem piloto.

Lois arregalou os olhos incrédulo com o atrevimento, fitou Barcela, como que esperando uma reprovação para as palavras da irmã. Barcela falou:

- É melhor não provocar, Anita. E vocês dois estão certos e errados. Sua nave é a esperança de um povo sem ao menos esse povo saber disso. E sem pessoal preparado de nada servirá.

Barcela respirou fundo. Concluiu:

- Eu irei.

- Eu também!- falou Anita.

-Sair, verificar, voltar e relatar. Não pode ser tão difícil.

Lee sorriu. E falou:

- Não sou pessoa que joga balde de água fria nos outros, mas o governo não vai deixar sairmos assim tão facilmente.

Lois falou:

- Meu caro Lee um problema de cada vez. Barcela já que concordou, gostaria que fizesse o teste, só para ter certeza da capacidade de comando e a habilidade em lidar com a camada de gelo.

- tudo bem. E tentarei conseguir missões mais longe da bolha para tentar verificar o trajeto.

Lee e Lois levaram ambas para fazer o teste de pilotagem, como esperado, passaram com louvor. Sem admitir Anita ficou impressionada com a capacidade da nave.

valmi
Enviado por valmi em 02/11/2014
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