Horizonte Virtual - Primeira Parte

Towner entrou apressadamente no escritório de Kia.

- Consegui! Finalmente consegui, Kia.

Não era a primeira vez que o agente Towner entrava agitado no escritório de Kia. Era uma atitude rara, mesmo para ele, mas Kia já havia aprendido, depois de anos trabalhando junto com seu parceiro, que ele deveria ter realmente algo importante para dizer.

- TOWNER! O que deu em você? Parece um maluco.

- Você não vai acreditar Kia, finalmente descobri, graças a um informante, o lugar onde eles estão escondendo tudo.

- Eles? - Kia olha com seriedade para ele, abrindo bem os olhos para enfatizar seu ar de ceticismo, fazendo seu parceiro irritar-se.

- Ah, não! Você não vai me dizer que ainda não acredita que eles existam? Não depois de tudo o que já vimos e passamos.

Era bem verdade, eles eram parceiros há alguns anos e já haviam visto muitas coisas estranhas. Coisas que fariam até o mais cético dos cientistas empalidecer; entretanto, em quase todas essas ocasiões em que haviam presenciado situações anormais em suas investigações para o comitê, em nenhuma delas, conseguiram provas reais que comprovassem as estranhas teorias de conspiração de Towner. Mesmo assim, isso não importava para o jovem agente do comitê, ele era um idealista e vivia com a cabeça nas nuvens, ao contrário de sua parceira, sempre com os dois pés bem firmes no chão. Kia era extremamente cética em relação a todas essas fantasias.

- O quê exatamente você descobriu desta vez, Towner? - Kia baixou o olhar e deu um leve suspiro, se preparando para ouvir mais alguma das maluquices e devaneios de seu parceiro.

Towner, percebendo o ar de desdém de Kia, deu um leve sorriso e tamborilou com os dedos em cima de sua escrivaninha. Uma de suas diversões preferidas era colocar sua parceira diante de situações irreais.

- Hangar D... - ele fala pausadamente, como se estivesse degustando uma iguaria - Isto lhe diz alguma coisa, Kia?

Ela olhou fixamente para a figura à sua frente, estudando sua fisionomia aquilina, com os cabelos negros e os olhos castanhos. Percebeu que ele carregava aquele seu costumeiro ar de entusiasmo.

- Não! Deveria me dizer alguma coisa?

- É claro que sim, o famoso “Hangar D”, onde, dizem os mitos, está guardado um ser alienígena.

Kia se mostra constrangida com as palavras de seu companheiro e, sem se dar conta, se surpreende olhando para os lados. Apesar de tudo, ela ainda se preocupa com sua carreira, e tem uma imagem a zelar. Towner, avesso a tudo o que tais aventuras possam lhe custar, como a perda de prestígio e a própria carreira, jogaria tudo para o alto só para correr atrás de um daqueles homenzinhos verdes de que tanto fala. Todos no comitê já sabem de sua mania de ver conspirações e alienígenas em tudo, por isso o apelidaram de Towner o “maluco”. O próprio diretor do comitê, cansado de ouvir todas as suas histórias de seres alienígenas, o designou para um escritório no porão do comitê, onde não perturbaria ninguém. Já fazia semanas que o agente Towner não se aventurava pelos corredores superiores, aturando as gracinhas dos outros agentes.

- E suponho que você quer me levar para conhecer o seu amigo do outro mundo.

- Senso de humor. Eu sabia que você tinha certa vocação para a comédia, Kia. Esse seu eterno ar de seriedade é só para tapear.

- Mesmo que tenha um ser alienígena escondido pelas autoridades governamentais no famoso “Hangar D”, como você pretende entrar lá dentro?

- Com isto. - Towner retira do bolso de seu paletó um crachá com a insígnia da força aérea, junto de um cartão magnético e uma chave. - O meu amigo informante conseguiu isto para mim, além da senha de acesso dada somente ao pessoal autorizado, antes de me desejar um feliz natal e ir embora.

- Towner, você está pensando em invadir uma área de segurança da força aérea? Isto é uma séria transgressão do protocolo de ética do comitê. Você pode estar jogando sua carreira fora.

- Somente se me pegarem. E se eu puder encontrar exatamente o que penso que tem lá dentro, o risco valerá a pena.

- Você não tem jeito mesmo.

- Esta é uma oportunidade única Kia, se eu puder encontrar uma única prova convincente de que os alienígenas estão nos observando e controlando nossos destinos, posso correr qualquer risco, porque alguém tem que fazê-lo. Alguém precisa alertar a população do que realmente está acontecendo nos bastidores.

Ele suspira, sabe que não precisa convencê-la, mas no fundo sente que deve tentar, afinal, ela é a única pessoa que realmente se importa com ele. Depois de olhar uma última vez seus cabelos claros e seu rosto arredondado e pontiagudo, que sempre lhe deram aquele ar tão delicado que ela procura disfarçar com sua atitude sempre profissional, ele se despede e parte.

...

Na manhã do dia seguinte, Towner já se encontrava na base aérea de Ratten Parkinson.

Foi fácil para o agente entrar com as credenciais falsas, as sentinelas do portão nem desconfiaram de nada. Também foi fácil passar pela administração do prédio principal, se fazendo passar por um engenheiro do Instituto de Tecnologia de Aeronaves, de acordo com o que diziam suas credenciais. Com o departamento de pessoal especializado foi mais difícil, ele imaginou que não sairia desta, mas a assinatura do secretário de segurança presidencial, com o código de acesso secreto da base, convenceu a todos.

Ele passou pela inspeção de segurança e se dirigiu ao Hangar D, pegou o cartão magnético e passou pelo friso da porta hermeticamente fechada, depois digitou os números de acesso e a porta se abriu com ruído.

Ao acender as luzes, Towner sente a emoção lhe tomar conta, sente seus joelhos tremerem e engole em seco ao contemplar fascinado e com os olhos arregalados, o interior do hangar. Nada do que já havia visto em toda a sua vida o preparou para aquele momento. À sua frente estava a imensa aeronave de formato tão incomum.

- Meu Deus, isto é inacreditável.

Ele pega o celular e liga imediatamente para a agente Kia, que havia ficado no carro, próximo à base.

- Kia, você não vai acreditar no que estou vendo bem diante de meus olhos, é... é espantoso.

Kia sente o tom de euforia de seu parceiro, e esboça um sorriso antes de responder-lhe ao celular.

- Towner, você está bem? Alguém desconfiou de alguma coisa?

- Não, tudo certo até agora. Minha nossa, eu queria que você visse este lugar, parece um grande estúdio de cinema, cheio de coisas fantásticas. Tem até um enorme “disco voador”.

Kia contempla o Sol que já havia se posto dando fim às nuvens alaranjadas do começo da manhã. De onde está ela pode ver o portão da base e as sentinelas, também pode ver um pouco do pátio e do estacionamento. De súbito, de seu rosto desaparecem os vestígios da alegria que a contagiou, tomando agora, um aspecto de preocupação.

- Towner, ande depressa, não temos muito tempo, o movimento na base já está começando a aumentar, estão entrando muitos carros.

- Estou indo.

Ele fala, sem escutar a própria voz, olhando admirado o interior daquele imenso hangar e, só agora, percebe que não há janelas, nem qualquer outra saída além da porta pela qual entrara.

No meio do grande hangar estava o disco, apoiado em cinco pilares de aço. Devia ter 20 metros de diâmetro e 7 metros de altura. Cada uma das paredes devia ter cerca de 50 metros de comprimento e 15 metros de altura, e estavam repletas de estantes do início ao fim, com vários nichos enfileirados. Deviam ser mais de 5.000 nichos em cada parede, todos com portas trancadas. O agente Towner se aproxima deles e observa que estão todos numerados, desliga o celular e tira a chave do seu bolso, observando o número inscrito em cima da própria chave.

1010

Ele procura pelo número correspondente à chave nos nichos da primeira estante e, quando finalmente o encontra, encaixa a chave na fechadura e gira duas vezes até ouvir um clique final. Abre devagar a portinhola que está à altura de seu queixo, observando vários tubos bem vedados, com um líquido escuro dentro e enfileirados dentro de uma proteção plástica. Atrás, um vidro maior, como um grande pote de conservas, com alguma coisa dentro. Towner pega o vidro, o observa bem perto dos olhos, e sente náuseas ao ver, horrorizado, o seu conteúdo. Dentro do vidro, ele vê uma criatura de aspecto estranho, com uma cabeça enorme, olhos muito grandes, com um corpo muito pequeno e membros reduzidos, presa a um estranho tubo. Ao todo a criatura não devia ter mais do que uns quinze centímetros, apertada ali dentro daquele recipiente, mergulhada em um líquido transparente. O agente sentiu vontade de levar aquele vidro consigo, conhecia uma porção de pessoas que adorariam analisar de perto a procedência daquele estranho ser, mas não conseguiria passar com algo daquele tamanho pelo pessoal da base. Só podia levar alguns daqueles pequenos tubos e torcer para que fossem uma amostra da composição daqueles seres. Ele coloca dois tubos, um em cada bolso, e sai, bem devagar. Já correra riscos demais por um só dia, e tinha a sensação de estar sendo observado de alguma forma.

...

No laboratório de análises químicas do doutor Yamaha, Towner e Kia aguardam enquanto o doutor Yamaha observa cuidadosamente o composto de um dos tubos através de um potente microscópio.

- É realmente espantoso, eu nunca havia visto nada parecido com isto em toda a minha vida. – espanta-se o doutor.

Towner se aproxima e pergunta ansioso:

- Pode dizer se é deste mundo?

- Bem, o que eu posso dizer é que se trata de uma substância orgânica.

Kia, espantada, se sobressalta.

- O senhor disse orgânica? Mas como é possível?

- Bem... se trata de uma substância com base em carbono, semelhante a um tecido composto por células, com quatro nucleotídeos que servem de base para composição de proteínas. Tudo como um programa normal que se auto-reproduz em um ambiente favorável, mantendo todas as informações no núcleo de cada célula, com a diferença... que sintetiza o próprio alimento do ambiente, através de um processo de transformação de matéria e eliminação de resíduos.

Towner, sorrindo, olha para Kia que ainda parece não acreditar no que ouviu, em seguida interrompe o doutor Yamaha.

- Quer dizer que é um ser vivo?

- Definitivamente agente Towner, eu posso dizer com toda a convicção que nunca vi nada parecido com isto, sem dúvida deve ser de outro mundo, ou outro universo.

Kia, já recuperada de seu espanto inicial, e ainda incrédula a respeito do que ouviu, intervém.

- Mas doutor, tudo o que conhecemos em nosso mundo é composto por programas que são feitos a partir da compilação de seqüências simples de quatro dígitos básicos: 0, 1, 2, 3. Toda a vida em nosso mundo se apóia na constituição da matéria através das possíveis combinações desses dígitos básicos, em seqüências diversificadas. Como é possível imaginar formas de vida que não atendam a estes padrões?

O doutor Yamaha, percebendo a intenção de Kia em desmenti-lo de algum modo, a interrompe rapidamente.

- Sim, mas todas as combinações feitas a partir dessas sequências lógicas trabalham com um material muito diferente do carbono. As combinações representam na verdade impulsos elétricos que passam por uma superfície, e representam valores como “aberto”, “fechado”, “talvez”, “quem sabe”, construindo assim toda uma ordem de valores lógicos ou não, que acabam compondo toda a base de qualquer estrutura, desde um simples inseto até uma pessoa dotada de sentimentos, sensações e consciência. Mas, para que esses impulsos elétricos se processem, é preciso uma base de material condutor, como o silício. E toda a vida em nosso mundo é composta de silício. É simplesmente inconcebível acreditar que em algum lugar possam existir criaturas de carbono, dotadas de nucleotídeos, tão eficientes na composição básica de seus programas quanto o nosso sistema básico de quatro dígitos, mas é exatamente isso o que essa amostra indica.

Kia, ainda sem tomar consciência total do achado, olha para o agente Towner, que parece ter ficado em transe ao ouvir as palavras do doutor Yamaha, mantendo seus olhos bem abertos e alheio a tudo o mais à sua volta.

- Towner, sabe o que acontecerá se esta descoberta cair em mãos erradas?

- Sim Kia. - Towner, ao ouvir sua parceira, finalmente parece voltar à realidade. - Todos finalmente se darão conta de que não somos o ápice da criação, que existem outros meios da vida se propagar.

- Mais que isso, Towner. Isto pode mudar totalmente o que entendemos por vida.

...

Towner havia saído do laboratório e se encaminhava agora para o carro. O doutor Yamaha não declinara da idéia de fazer mais testes, tantos quantos pudesse, para ter certeza absoluta sobre o que já dissera, e, Kia, ainda mais cética do que o próprio doutor, resolveu acompanhá-lo durante a realização dos novos testes. O agente Towner, no entanto, não precisava disso, pois já tinha ouvido tudo o que precisava ouvir, e era melhor voltar logo para o comitê.

Ele pensa consigo mesmo a respeito de todas as consequências com relação à descoberta. Estariam realmente as pessoas, de um modo geral, interessadas em saber sobre a verdade? Ou estariam todos dispostos a viver alienados em um mundo que talvez nem ao menos fosse real? Seria ele real? Ou seria produto de uma mentalidade estranha de outro mundo? Tudo o que via, o céu, as nuvens, as pessoas na multidão, os carros barulhentos, os enormes prédios da cidade, ou até mesmo a calçada por onde estava andando, ou o Sol brilhante do início da tarde, que parecia lhe queimar a pele, seria tudo isto ilusório?

O agente do comitê retira o tubo do bolso e olha para ele demoradamente. O outro tubo estava com o doutor Yamaha, e era preciso arranjar um lugar seguro para guardar este outro, antes que dessem por sua falta em Ratten Parkinson. Ele guarda o tubo e se prepara para abrir a porta do carro, mas, ainda distraído, deixa as chaves caírem.

Continua

....Não perca o sensacional final no próximo episódio....

Paulo Salgueiro
Enviado por Paulo Salgueiro em 27/02/2015
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