Still of the Night

Na ponte de comando vazia, uma lâmpada de leitura quebrava a obscuridade que ali reinava a maior parte do tempo. Na ilha de luz formada pela lâmpada, a comandante Sonya Pajak concentrava-se em examinar imagens sucessivas numa tela de computador à sua frente. Para olhos destreinados, as imagens pareciam representar apenas um borrão cinzento pontilhado aqui e ali de pontos brancos dispostos de forma aparentemente aleatória. Ela moveu o dedo sobre a tela e outro borrão cinzento foi exibido. Pajak ergueu as sobrancelhas. A posição dos pontos brancos parecia haver sido sutilmente alterada em relação à imagem anterior. Piscou os olhos repetidamente, como que para afastar a possibilidade de uma ilusão de ótica, quando ouviu uma voz masculina que parecia vir de algum lugar próximo:

- Trabalhando até tarde?

Ela virou a cabeça, tentando determinar de onde partira a voz, mas só o viu quando ele começou a se mexer, saindo detrás de um console.

- Raoul? Você QUASE me assustou!

Raoul caminhou silenciosamente até os pés da comandante e sentou-se, iluminado em cheio pela luz branca que vinha da lâmpada de leitura. O pelo marfim com pintas douradas brilhava quase como pelúcia e os grandes olhos amarelos amendoados, agora reduzidos a fendas para compensar a luminosidade, cravaram-se nos olhos verdes dela.

- Estou atrapalhando?

- Sobe - respondeu Pajak, abrindo os braços num gesto acolhedor.

O biosint pulou para o colo dela e viu-se imediatamente abraçado e efusivamente beijado. Retribuiu lambendo o rosto da comandante e ronronando.

- Puxa, se eu soubesse que você andava tão carente teria vindo antes.

Pajak deu uma gargalhada.

- Às vezes eu juro que esqueço que você não é só um gato fofinho, Raoul!

- Eu não sou um gato. Sou um ocicat macho.

Pajak passou a mão entre as pernas traseiras dele.

- Macho, é? E onde estão as suas bolas?

- Ei, mais respeito com a minha dignidade de inteligência artificial! Eu não ando por aí passando a pata no seu traseiro!

O biosint desvencilhou-se dos braços dela e pulou para cima de um console onde sentou-se solenemente, a cauda peluda dando voltas preguiçosas no ar.

- Como então você resolveu fazer o Teste de Rorschach e descobriu um padrão?

- Não é um "Teste de Rorschach". - Corrigiu ela. - É uma análise das radiofrequências emitidas por Jezebel.

Raoul inclinou a cabeça como se quisesse encará-la de um novo ângulo.

- Então Kepler-186f agora tornou-se Jezebel?

Pajak fez um muxoxo.

- Segundo o... presidente Reagan... é como chamam o próprio planeta - disse ela cautelosamente.

- Reagan. AQUELE Reagan?

Pajak balançou a cabeça em negativa.

- Não, Raoul. AQUELE Reagan, bem o sabemos, está morto e enterrado há séculos.

- Computação gráfica, talvez?

Ela encolheu os ombros.

- Eu não descartaria a hipótese. Mas, a pergunta que me faço é: por que Reagan?

O biosint espreguiçou-se.

- Acho que sei a resposta.

- Devo perguntar? - Divertiu-se a comandante.

- Não, vou economizar-lhe o esforço - disse o biosint dando um pulo para o chão. E virando a cabeça para ela, acrescentou:

- Consegue imaginar um presidente menos rock'n'roll do que Ronald Reagan?

Antes que ela pudesse responder, Raoul desapareceu nas sombras da ponte de comando.

[20-03-2015]