2.999 (IMORTAIS)

O relógio despertou suavemente. Eram sete da manhã daquele quinto dia de janeiro. O ano, 2.999. Albert tinha um importante pronunciamento a fazer às nove, na sede do laboratório BRLabs Ltda.

Ainda sonolento passou a mão pelo rosto, e através do comando de voz solicitou o aquecimento da aguá que corria pelas torneiras. Lavou o rosto, vestiu-se, e se dirigiu para a cozinha. Sua esposa lhe aguardava com um pote de cereais. “Tente relaxar, amor! Não fique tenso. Tudo sairá bem.” disse sua mulher tentando aliviar as expressões preocupadas de seu esposo. Albert sabia da grande responsabilidade da notícia que levaria àquela coletiva com a imprensa. Enquanto tomava seu desjejum acionou o plasma acoplado à parede. Os jornais matinais só tinham espaço para o anúncio que seria feito às nove horas. De maleta em punhos, e vestido com seu garboso terno, Albert desceu até a garagem, e adentrou ao seu veículo. Acionou o piloto automático, e ligou seu laptop para adiantar alguns trabalhos pendentes. Só parou quando seu bólido estacionou em sua vaga na garagem do BRLabs, num dos prédios mais suntuosos da Nova São Paulo.

Albert era o presidente do BRLabs, um laboratório que iniciou pequeno, mas devido ao empreendedorismo de seu avô, se transformou no maior laboratório de pesquisas orgânicas do mundo. Seu poder era tanto que influenciava nas políticas públicas das maiores e mais poderosas nações da terra. Eram oito horas, e ele aguardava os presidentes dos países financiadores de seus projetos, que receberiam a informação em primeira mão. Albert tinha por política manter laços estreitos com o poder, o que lhe permitia bons contratos. Ao final do encontro os chefes de estado saíram da sala de reuniões boquiaberto com os gráficos, e com o resultado. Se dirigiram para uma tribuna de honra na sala de convenções, que aquela altura estava tomada por jornalistas de todos os continentes. O mestre de cerimônias proferiu o início do encontro. “Com vocês, o Senhor Presidente do BRLabs Ltda, Albert Leonardo da Silva”. Uma chusma de flasches fez o salão brilhar mais que as noites de céu estrelado. Os convidados batiam palmas, enquanto Albert dirigia-se ao oratório. Dois tapinhas no microfone, e o silêncio ecoou, ele iria iniciar suas palavras.

“Bom dia amigos e amigas de toda a imprensa mundial, que aqui se faz presente. Sem dúvidas é uma data especial para a humanidade. Antes de começar quero enaltecer a ilustre presença das maiores lideranças políticas de nosso planeta neste encontro. Se encontram neste salão os presidentes dos trinta países mais importantes do globo terrestres, além destes, nos honra a presença do Senhor Secretário Geral das Nações Unidas, e o Secretário da OMS. Tais ilustres figuras demonstram o quanto é especial a data de hoje. Vou iniciar dizendo a necessidade de olharmos ao passado, para que possamos perceber o quão lenta foi a nossa caminhada até aqui. Dá pra se dizer que tudo iniciou entre o fim do século XX, e o início do Século XXI com as importantes pesquisas decodificando o genoma humano, e posteriormente o inicio das pesquisas com células tronco. No começo houve grande dificuldade, principalmente a oposição de conservadores, e principalmente da postura da igreja, com grande poder interferindo nas ações dos políticos, o que talvez tenha atrasado este anúncio. Cabe destacar que foram necessários mais de oito séculos em pesquisas para que chegássemos ao ápice de hoje. Durante esta caminhada, patologias que nossos filhos só as conhecem pelos bancos escolares foram sendo erradicadas, como a aids no século XXII, e o câncer no Século XXV. E foi no século XXV graças a compra de importantes laboratórios, e a fusão com outros meu finado avô criou a BRLabs para prosseguir com as pesquisas. Era um período turbulento graças aos problemas oriundos com os primeiros clones humanos. Parecia que a ciência seria relegada ao ostracismo, e aqui quero ressaltar o pioneirismo brasileiro e de seus governos, que desde o século XXI começaram a investir pesado nas pesquisas orgânicas. Enfim, sem me alongar, a BRLabs deu prosseguimento às pesquisas com células tronco, até que patenteou a tecnologia ROTO, sigla para Reposição Orgânica de Tecidos e Órgãos. Esta tecnologia nos permitiu avanços consideráveis, e a partir das células-tronco depositadas por seus proprietários, nossos laboratórios passaram a produzir os órgãos e tecidos de reposição. Nossas primeiras experiências em meados do século XXVII se mostraram exitosas, mas no entanto ainda tínhamos problemas com o envelhecimento cerebral, problema corrigido através da reconstrução cerebral por meio da identificação da célula-tronco RCP, capaz de recriar o órgão cerebral, e graças ao sistema de transmissão de dados cerebrais via USB, nos permitiu recriar o único órgão que envelhecia sem condições de reconstrução.” Por um instante Albert fez silêncio em seu discurso, admirava uma platéia que aguardava ansiosa qual seria a novidade, visto que a tecnologia ROTO, nada tinha de novo, aliás, todos ali já haviam reposto um órgão ou outro no BRLabs.

“Bem, vou continuar”. Disse Albert. “Sei que tudo até aqui não é novidade para vocês. Mas se fazia necessário este resgate histórico para podermos entender a magnitude do encontro de hoje. Começamos a comercializar a Tecnologia ROTO no início do século XXIX. Todo o mundo civilizado passou por nossas salas operatórias. Neste período milhões de órgãos foram repostos, e toda e qualquer patologia foi dizimada. E foi este trabalho, construído por diversas gerações amigos, companheiros, que me permite nesta data, cinco de janeiro de 2.999, informar que exatamente há cem anos não se registra nenhum óbito de causas naturais ou humanas em países conveniados e nas sociedades civilizadas do nosso planeta. A morte não habita mais nossos pensamentos. Hoje a humanidade prova sua perfeição. Chegamos ao ápice da evolução. Vencemos!” Assim Albert encerra seu discurso, ovacionado pelas palmas dos repórteres e líderes mundiais. Terminadas as palmas foi um empurra-empurra, na tentativa de perguntar mais ao portador da boa nova.

Douglas Eralldo
Enviado por Douglas Eralldo em 11/06/2007
Código do texto: T522166
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