PRÓLOGO

Aconteceu de repente. Poderia ter sido com você, na sua cidade. Por mais que a gente se prepare, ninguém nunca imagina que isso poderia se tornar realidade. Parecia mentira quando a repórter da TV apareceu num daqueles plantões de emergência no meio dum filme à tarde.

Eu admiro quando um profissional sabe se portar com dignidade diante de tragédias. Não precisa ser indiferente, apenas estar no controle das próprias emoções. A Bambace era uma dessas que eu admirava. Inabalável. Não dessa vez. Ela chorava muito e sua voz embargada traduziu no momento o sentimento de todos nós que assistíamos.

Eu estava na rua quando percebi as pessoas se aglomerando em bares e vitrines para assistir. Todas as telas, todas as emissoras, todas as sintonias de rádio - as que ainda tinham sinal -, mostravam a mesma coisa. A Capital coberta por uma nuvem, a cidade inteira se afogando na mais densa escuridão. Eu me lembro do silêncio. Ouvia-se apenas a narração da TV. Claro, e as sirenes! Como nunca antes, todas as viaturas e ambulâncias foram direcionadas para a Capital. Não ouvíamos as vítimas, mas cada um de nós sentia o terror de suas expressões.

Como explicar? Não havia céu. Não havia atmosfera. De uma hora para outra, surgiu essa nuvem sobre a Capital e então todos estavam expostos ao vazio do espaço. Vácuo, faminto, devastador, sugando tudo que não estivesse enraizado de alguma forma.

A transmissão durou alguns minutos apenas, eu sei porque quando o sinal foi interrompido ainda tocava a mesma música no meu celular. Que ironia!

Tudo bem, eu confesso, eu nunca fui a pessoa mais corajosa nessa vida. Sempre pensei: “Pra que lutar, se eu posso correr?”. Acho que agora não tínhamos para onde ir. A última coisa que vimos antes de perdermos as transmissões foi… Eu perdi o chão.

Precisei de um cara de terno e gravata esbarrar em mim para que eu saísse do transe, como se a nuvem tivesse sugado não apenas aquelas pessoas, os carros, os animais… Por alguns instantes eu senti meu corpo sem alma. Hoje, lembrando, eu imagino se as pessoas que estavam na rua comigo pensaram o mesmo que eu naquele momento.

“Alguém que eu amo está lá.”

Harrison Bourguignon
Enviado por Harrison Bourguignon em 22/05/2015
Reeditado em 22/06/2019
Código do texto: T5251420
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