A Sala Sem Saída

“A pior coisa que poderia acontecer seria a gente entrar em um looping infinito.”

Lucas falou essas estranhas palavras com voz firme, olhando sério para Mario, que fez cara de quem não entendeu.

“Looping? Mas nós já estamos em um, não é? Os espaço está todo curvado, você me disse isso há pouco.”

Lucas e Mario estão sentados em cadeiras, um diante do outro, em uma sala retangular, não muito longa. Logo atrás de Lucas há uma porta, com uma série de cabos achatados, de cores diversas, que contornam o batente da porta e continuam pelos rodapés dos dois lados da sala, até chegarem a porta da extremidade oposta e contornar batente dela também. A portas não são iguais: a que está atrás de Lucas tem outros cabos, mais finos, que saem do batente e se ligam a uma máquina à esquerda. A máquina parece uma grande tijolo cinza com uns dois metros de altura e um de largura; na face da frente há um visor, abaixo dele uma barra verde vai sendo lentamente preenchida, embaixo dela há uma série de botões.

“As três dimensões estão curvadas. Nesta sala, comprimento, largura e altura deixaram de ser linhas retas e se curvaram até suas extremidades se tocarem e formarem um círculo.”

“Se todo o espaço aqui está em forma de círculo, por que tudo parece normal?” perguntou Mario, de modo desafiador.

“Porque TODO o espaço nesta sala está circular: os objetos, nossos corpos, a luz, nossos olhos... Se tudo está circular, não há parâmetros de comparação, e tudo parece reto, entendeu?”

“Não entendo onde você quer chegar, Lucas,” quase gritou Mario, irritado. ”Se tudo está circular já estamos em um looping infinito, e daí?”

“Tudo menos uma coisa: O Tempo. Se o tempo também se distorcer até ficar circular, não sei como vamos sair daqui.”

“Estou cansado das suas teorias,” Mario se levanta, apontando o dedo para Lucas, “toda essa história de distorcer dimensões é só um modelo matemático que nós usamos para criar um novo tipo de porta de segurança. Não é real, entendeu? Não é real!”

“Se não é real,” diz Lucas, se levantando e apontando para a porta, ”como você explica que as últimas vinte vezes que passamos por aquela porta terminamos nesta mesma sala?”

“Não sei!” diz Mario, com raiva e pânico. ”Não sei o que está acontecendo, e não quero saber; tudo que sei é que VOCÊ nos colocou nisso, e você vai nos tirar. Nada disso teria acontecido se você não tivesse mexido na configuração do distortor.”

“Não adianta perder a calma. Olha, acho que agora fiz o ajuste certo, quando a barra ficar cheia,” Lucas aponta a barra do distortor, ”vamos abrir essa porta e o mundo vai estar do outro lado.”

“Será que não dá pra sair daqui de outro jeito, ”pergunta Mario, suplicante, ”quem sabe se a gente cavar um buraco no chão?”

“Cavando um buraco no chão, íamos acabar caindo do teto,” respondeu Lucas.

“Então a gente devia bater nas portas até alguém ouvir e nos tirar daqui.”

“Será que você não entendeu nada?” diz Lucas, irritado. ”Ninguém pode nos ouvir, esta sala está fora do universo, isolada de tudo, esta sala NÃO TEM SAÍDA! A única maneira de sair daqui é usando o distortor; ninguém pode nos ouvir aqui dentro, e não podemos ouvir nada do mundo de fora.”

Barulho vindo da porta.

Os dois olham na direção da porta do outro lado da sala.

“O... que foi isso?” pergunta Mario, lentamente.

“Parecia um barulho vindo da porta,” responde Lucas.

Os dois não desviam o olhar da porta. Outro barulho, muito mais alto, os dois um espasmo de susto.

“QUEM É?” grita Mario. Um barulho de batida na porta.

“Se esta sala está fora do universo, QUEM ESTÁ LÁ?” Mario pergunta, segurando nos ombros de Lucas.

“É melhor não tentar descobrir,” responde Lucas, e olha para o distortor; a barra estava cheia.

“Vamos sair daqui,” diz Lucas, aperta um botão no distortor e um instante depois alcança a maçaneta da porta.

Não consegue abrir.

“Abra essa porta,” grita Mario, enquanto atrás deles a batida na outra porta se torna cada vez mais violenta, “Não quer abrir”, Lucas responde, em desespero, os dois tentam forçar a maçaneta, batem na porta, forçam a maçaneta.

“Abriu!” diz Lucas, com alívio. Os dois passam pela porta sem olharem para trás, e a fecham, tendo tempo de ouvir a porta atrás deles se abrindo violentamente.

“Estamos livres!” grita Mario, e olha em volta, sua alegria vira horror.

A mesma sala.

“Estamos perdidos, não há saída,” Mario chora em desespero, Lucas, mais calmo, vai até o distortor, mexe em alguns botões da máquina, e a barra verde começa a preencher de novo.

“Acho que já sei o que deu errado, agora fiz tudo certo, o espaço aqui está todo curvado, mas o distortor vai corrigir isso, daqui a pouco vamos sair daqui,” diz Lucas.

Lucas faz Mario se sentar em um cadeira e se senta bem na frente dele.

“E se não der certo?” pergunta Mario, angustiado. “O que vamos fazer? Como vamos sair daqui?”

“Calma, não está tudo perdido, ainda podemos sair daqui. Poderia ser bem pior.”

“Pior? Como pior? O que seria pior que isso?”

“A pior coisa que poderia acontecer seria a gente entrar em um looping infinito.”

FIM

Você acaba de ler um conto de Ricardo de Lohem.

Este conto foi originalmente publicado na revista virtual "Conexão Literatura", número 2.

Faça download copiando e colando o endereço: http://www.fabricadeebooks.com.br/conexao_literatura2.pdf

Até a próxima!