O planetinha

Era um planetinha próximo de uma estrela relativamente jovem, na periferia da galáxia. Existia alta atividade vulcânica, o que foi ponto crucial em sua escolha. Nossos geólogos iniciaram alterações geológicas para diminuir a atividade vulcânica. Os metereologistas, em conjunto com biólogos, tinham a tarefa de alterar o clima, para que a paisagem fosse esculpida. O local deveria ser como uma estufa, não muito quente e nem muito frio, para que as plantas crescessem e animais corressem soltos. Era um equilíbrio tênue, trabalhoso de se alcançar e o resultado não era tão rápido assim, porém a pesquisa deveria continuar.

Quinze anos depois o clima já era bem mais estável. A chuva caía grossa, em tempestades gigantescas e magníficas, os ventos eram fortes, mas muito mais domesticados do que a alguns anos atrás. Haviam lagos, rios e mares profundos. As plantas mais resistentes conseguiam sobreviver a este clima selvagem e dominavam por toda a terra seca, criando oxigênio. Estávamos muito felizes com os dados coletados. Nos momentos em que a chuva parava e a noite chegava, milhares de estrelas piscavam no céu. Era uma visão que sempre me emocionava, apesar de ser um Gerente de Transformação Planetária experiente.

Tudo era novo. Trouxemos animais para os mares profundos. Peixes gigantescos nadavam, em meio a crustáceos e animais microscópicos. Algas começaram a aparecer, porém não por motivação nossa. Acreditamos que elas já existiam no planetinha, apenas não a detectamos. São os primeiros seres vivos nascidos aqui. Já para as florestas levamos mamíferos e répteis, que começaram a procriar e popular a terra seca. A partir desse ponto nosso experimento realmente começou.

Nunca tínhamos feito uma transformação planetária nessa escala. As tentativas anteriores falharam, como o planeta vermelho, que ficou árido ou o planeta amarelo que deixamos excessivamente quente. Planetas são como seres vivos, um pouco a mais de comida e você engorda e cria doenças. Um pouco a menos e a fome pode matar. É díficil mante-lo saudável. Tivemos histórias de sucesso fora dessa galáxia, nas mudanças geológicas e de clima. E pela primeira vez resolvemos trazer vida e observar como ela se desenvolve. Temos essa ideia de que seres vivos se adaptam ao ambiente, se tornando especializados de acordo com as condições locais. O experimento trata de observar a evolução dos seres vivos. Porém com um ponto ousado: o que aconteceria com seres inteligentes? Como sociedades nascem? Como popular um planeta com pouca variabilidade genética?

Para ajudar a resolver essas questões criamos um ser inteligente, baseado em nosso código genético. Ele deve ter a inteligência necessária para sobreviver e estar preparado biologicamente para os desafios que virão. Deve ter a força, habilidade e o espírito. Eu preciso de uma roupa preparada especialmente para este clima. Para este local sou uma falha evolucionária. Mas o ser com a minha imagem não será.

Esculpimos um macho e uma fêmea, parecidos com a minha raça, mas não exatamente igual. Precisavam de algo diferente para sobreviver neste clima e gravidade. Por motivos práticos aceleramos o metabolismo para que envelhecessem rapidamente, chegando a idade de um jovem adulto. Estavam no ápice físico e reprodutivo. Eram perfeitos. Ainda não estavam conscientes, viviam dentro de um útero artificial, esperando para botarem os pés na grama fofa e respirarem o ar fresco de um planeta criado só para eles..

A cápsula foi lancada da espaçonave mãe, sendo disparada em direção a uma floresta rica em comida, água e abrigo. Ela cortou o céu em um estrondo parecido com o dos raios e com um silvo similar a um pássaro. Um paraquedas foi acionado e ela caiu gentilmente no chão, derrubando algumas árvores, estacionando próximo de uma clareira. A porta se abriu com uma pequena explosão, sendo lançada bem longe da cápsula. Um líquido claro e viscoso começou a molhar a terra, e uma pessoa caiu e depois outra. Estavam nus. Elas tentaram se levantar, sujos pela mistura de terra e do líquido e caíram. E olharam uma para a outra, em espanto.

Agora íamos observar tudo. Que o experimento comece.

Os meses se passaram. Pareciam bem juntos, vimos nada de preocupante entre eles. Eram vegetarianos, tinham comida farta e nenhum animal perigoso. Mandamos os perigosos para longe. Ainda não era a hora. O filhote de um mamífero peludo parece ter ganho atenção da dupla, os três estavam sempre juntos. Eles fizeram um abrigo de folhas de palmeira e até uma cama tosca. Estava tudo bem, até descobrirem sem querer uma das nossas torres de transmissão, que era uma árvore disfarçada no meio da floresta.

A fêmea percebeu algo de estranho nessa árvore. Talvez não fosse tão realista assim ou algum som fosse perceptível aos seus ouvidos. O que importava é que ela ficou curiosa, e usando uma linguagem rudimentar, mostrou ao macho. Então começaram a mexer, testar, como se fossem crianças. Bateram. Colocaram o ouvido na sua casca falsa, para tentar escutar algo. Até o momento em que começaram a jogar pedras, o que acabou não dando muito certo. Eu acredito que uma dessas pedras deve ter caído dentro de um dos exaustores, bloqueando o fluxo de ar, o que levou ao aumento da temperatura dentro da estrutura. Pois bem, silenciosamente foi esquentando cada vez mais. Até um dia que simplesmente explodiu. Nós temos que rever este design.

Não foi uma explosão muito grande, porém o fogo começou a subir. E cada árvore próxima começou a queimar, que levou a outras árvores a queimarem. Os animais começaram a fugir em massa, o que deve ter acordado os seres inteligentes, que também escaparam. No fim, esse oásis queimou até o fim. Os mamíferos, aves, insetos, todos fugiram ou foram mortos pelo fogo. A vegetação, da menor planta até a maior árvore virou cinza. Pó. Foi um dia difícil no controle do experimento, tive que conversar com o diretor e prometer que iria resolver o problema de um jeito ou de outro. Pelo menos o casal não havia morrido, mas suas vidas iriam piorar. A moça estava grávida e o homem teria que aprender a lavrar a terra para que o alimento crescesse. Não estavam mais no paraíso.

Nesse momento jurei pelo nome de meu pai, Elohim, que iria cuidar deles como meus filhos. Este planetinha era o meu planetinha. Era a minha Terra. Até o fim.