Terra vermelha

Não chovia havia um bom tempo. A terra estava tão seca que pó subia ao pisar, criando uma nuvem vermelha. Era terrível. O céu, antes de um laranja bonito, estava muito vermelho, como se estivesse sangrando. Não era desse jeito quando eu era criança, adorava ficar observando os tons de laranja e algumas nuvens avermelhadas que passavam por cima de minha cabeça. E em seguida, uma bela chuva, que encharcava a terra, fazendo minha alegria, em fazer e jogar bolas de lama em meus irmãos. Mas o passado estava perdido, havia sido bebido pela terra, como a chuva naqueles dias de verão. Me sinto sugado, surrado e seco por dentro. Ser um agricultor hoje é uma sentença de morte.

Quero dizer, todos que conheço são agricultores. A maioria de nós é agricultor. Plantamos belas verduras, todas elas vermelhas, resultado do solo avermelhado e rico em nutrientes. De todos os tons possíveis de vermelho, do mais fraco ao mais forte. Haviam também frutas e verduras das cores laranja e amarelo. O mais raro dos raros era o verde. Eu mesmo vi uma fruta dessa cor apenas uma vez, quando era criança. Nem tinha ainda meus chifres desenvolvidos. Eu me assustei, não sabia que era possível. Mas ali havia uma beleza indescritível, ainda mais para os olhos de uma criança de Rubrinixxx. Redonda, do tamanho de minha mão. Brilhante, parecendo eternamente úmida. E macia ao toque. Uma avenix, tão doce e deliciosa que até hoje a minha boca se lembra de seu sabor marcante. Única vez que vi uma fruta dessas, meu pai que conseguiu de um amigo de um amigo. Deve ter saído caro.

A fazenda é herança de meu Pai, que desencarnou em direção aos Deuses Vermelhos. Ele me deixou essa joia, perdida no vale agora árido. Quando estava vivo, a seca já nos assombrava, porém conseguíamos sobreviver plantando verlas e turmosas. Vendíamos nas feiras de pequenas vilas, onde homens que nunca haviam pego em um arado mandavam. Eu não gostava de ir até as cidades, me sentia deslocado. Eles tinham os chifres tão polidos que conseguia ver meu reflexo ao passar. Todos os três dedos bem cuidados. Os meus são grossos, como essas malditas pedras que aparecem, com o vento cada vez mais forte. Sou um rubrinixiano simples.

Me sinto perdido aqui. Não tenho família, nunca tive chance de conseguir. A fome e a morte são meus vizinhos, meu único amor é essa fazenda, que não retribui de volta. Pelo que sei, de nossos cientistas, esse planeta está morrendo. A questão é que ninguém sabe o porque. Um dia a chuva diminuiu. O solo foi secando, e as reservas de água estão no fim. Existem pessoas que acusam que não sabemos como cuidar do planeta. Pela minha experiência somos pequenos demais para lutar com um gigante vermelho como esse. Talvez ele odeie nosso povo, nossa gente. Não sei o que lhe fizemos. Os mais velhos dizem que os Deuses Vermelhos desistiram de nós por que os esquecemos em primeiro lugar. Não os esqueci, eles estão em um canto empoeirado de meu coração.

Estou esperando pela morte. Às vezes distribuem comida nas fazendas onde há famílias com crianças. A colheita é fraca, consigo fazer crescer uma plantinha mirrada aqui e ali. Já pensei em me mudar para a cidade, mas lá está muito cheio por quem já teve essa mesma ideia. E convenhamos, não é meu lugar. Meu lugar é aqui: de frente para o horizonte vermelho e árido, olhando para o céu e esperando pela chuva. Nas noites solitárias observo o par de luas, que cortam o céu. Olho para as estrelas acima de minha cabeça e imagino se em algum ponto brilhante desses, longe de minhas mão de agricultor, existe um lugar mais belo e vivo.

Alípio de Jesus
Enviado por Alípio de Jesus em 16/02/2016
Reeditado em 16/02/2016
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