O outro lado do universo

Eu ainda não sei como sobrevivi aos fatos que me ocorreram há alguns meses atrás. Às vezes parece que o destino é certo e já está traçado para certas situações, porém os acontecimentos mudam o que seria o fechamento óbvio. O que nesse caso seria a morte. Mas estou aqui, sentado em uma cama de hospital e eu preciso tirar isso de meu coração, para alivia-lo. Minhas dores físicas são bem menores do que as dores espirituais, estas que acabam corroendo a pessoa por dentro, torturando com pensamentos negativos. Então vou me encostar no travesseiro, me sentar e contar esse acontecimento bizarro e aterrador que eu tive.

Preciso me apresentar e dar certas credenciais de quem sou. Meu nome é Newton Silveira e sou físico, o que acaba sendo uma homenagem ao gênio cujo nome utilizo. Meu pai nunca esteve ligado as ciências e muito menos minha mãe, foi uma questão de gosto. Sou físico teórico, me imagino como um alquimista moderno, que com a ajuda dos grandes nomes da física como Einstein e Newton, desvenda o que há nas entrelinhas do universo. Minha especialidade é o mundo quântico, a natureza de como as coisas funcionam fundamentalmente é o que move essa minha paixão. Eu quero saber não apenas o porque, mas o como. O que é massa? Gravitons existem? E a questão que me levou a vários infortúnios, existe mais de um Universo?

Essa é uma questão amplamente debatida e pesquisada, porém existe uma grande crítica, que de uma certa forma vira chacota por parte de outros colegas, que é a dificuldade de experimentar. Devemos conseguir falsear, retirar números, para poder criar uma hipótese. E eu tinha uma hipótese na minha mão. Meu mestrado e doutorado foram escritos com essa hipótese na cabeça. No alto de minha arrogância, ao sair de casa eu pensava ‘aí está, penteando os cabelos, o novo Oppenheimer’. Sou um idiota. Minha tese, em poucas e simples palavras é a seguinte: é possível ‘olhar’ para um outro universo utilizando um buraco de minhoca. Eu ouvia de meus colegas que eu tinha assistido demais a Guerra nas Estrelas ou que eu estava brincando de cientista maluco. E por fim eu tinha que provar a eles que estavam errados. E realmente estavam terrivelmente errados.

Foi difícil conseguir, mas eu tinha um laboratório fruto de outras pesquisas. Essa era a pesquisa do meu coração, de minha carreira. Mas eu precisava de equipamentos e dinheiro, por esse motivo trabalhava demais, até conseguir trabalhar no Large Hadron Collider. Para qualquer físico isso seria o ponto alto da carreira, porém eu pensava que isso não passava de uma ferramenta para minha pesquisa. E eu iria fazer meus experimentos secretos e conseguir meus números. Por alguns meses consegui nada de interessante, porém em um certo dia em especial, durante uma pesquisa sobre quarks vi uma curva interessante no gráfico. Isso era promissor.

Eu manipulava os experimentos dos outros pesquisadores para que conseguir essas leituras, que de acordo com minha tese, batiam. E era repetível, o que era incrível. Eu não me aguentava de alegria, mas não podia contar para ninguém. Porém, precisava de mais e mais experimentos. Eu sabia que iam utilizar o acelerador para um certo experimento, que com a quantidade certa de energia e de isótopos no núcleo, um mini buraco de minhoca artificial iria ser gerado. E dentro desse buraco de minhoca, um outro universo estaria lá, para todos verem. E minha cabeça começou a imagina o Nobel, ser o homem do ano e ser equiparado a meu ídolo Isaac Newton. Realmente sou um idiota.

Posso ser um idiota, mas não sou burro, pelo menos isso devo aceitar. Há uma frase de Oppenheimer, sobre seu arrependimento após criar a bomba atômica, que se encaixa nesse momento: "Eu tornei-me a Morte, o destruidor de mundos." . Me sinto assim. Mas, voltando, a coisa deu certo. O buraco de minhoca foi criado, exatamente como meus cálculos disseram. Eu só não previ o que ele iria causar. Era para ser pequeno, mas grande o suficiente para ser detectado. E ele ficou grande demais, e foi crescendo e engolindo cada vez mais massa. Os outros cientistas entraram em pânico. Desligaram a energia do acelerador e usaram todos os procolos de segurança que seja encaixavam na situação. Nenhum deles foi efetivo. E a fissura simplesmente começou a comer a carcaça do acelerador e se tornar vísivel.

Ele não era negro, estava mais para um rosa bem claro. E era possível enxergar o outro lado. Havia um universo além do nosso, um universo diferente, que na falta de uma palavra melhor, começou a vazar para o nosso. Era como se fosse um líquido, que ia pingando no chão, criando buracos invisíveis no chão. Era como se cancelasse a matéria. E foi crescendo cada vez mais, e do nada, apareceu algo disforme. Eu não sei dizer a vocês o que era, mas era vivo. Não há classificação na Terra para aquilo, era um monstro. E aquilo começou a se mover para cá, uma bolha de carne vermelha do tamanho de um cavalo. Havia algo que parecia ser uma boca, que não produzia sons, apenas vomitava algo que fedia muito. Quem estava em volta, já apavorado, vomitou.

Aquilo se movia lentamente e talvez olhasse para nós, não sei que tipo de percepção uma criatura daquela teria. E eu senti algo em minha mente, um sentimento de medo brotou na minha cabeça. E do nada, palavras que não eram minhas brotaram em minha cabeça. Era como se fosse minha própria voz, porém um pouco mais grave e pausada.

“QUEM É VOCÊ POR QUE ME CHAMA”, e deu uma pausa. Meus pensamentos não funcionavam, eu apenas ouvia. “CRIATURA DESSA REALIDADE, VOCÊ TROUXE O PERIGO”, gritou na minha cabeça. . E eu lembro de fechar os olhos e quando abri os abri novamente, eu não estava mais no prédio do LHC. Eu estava em um deserto.

Eu olhei em volta. O céu parecia de um vermelho perigoso, com duas luas, uma delas em meia-noite e outra começando o repouso, no norte. E atrás de mim, no sul, um sol brilhante se levantava. E com a luz desse sol que estava nascendo, percebi que a areia em meus pés era roxa e brilhava. Na minha frente percebi um templo. Parecia egípcio pela construção. Como não havia para onde ir, fui nessa direção. Andei na areia roxa, deixando pegadas, com o sol me perseguindo pelas costas. Fui chegando perto da construção e eu pisei em uma pedra negra, de um tipo que eu nunca vi antes. Era uma escadaria formada de vários blocos horizontais. Subi essa escada até chegar em uma porta grande, feita de algo que parecia com um mármore branco. Eu empurrei a porta e ela abriu lentamente, era tão leve não parecia feita de pedra. E lá dentro, um salão gigante, com o teto altíssimo. E lá longe uma pessoa.

E eu fui chegando mais perto e vi que não era uma pessoa, apenas parecia com uma. Deveria ter mais de dois metros de altura e veio em minha direção, movendo-se sem fazer barulho. Usava uma roupa vermelha simples e na cabeça algo como um chapéu pontudo, cheio de detalhes de metal prata. Era tão branco quanto a porta, o que contrastava com a roupa vermelha. Não possuía as mesmas proporções de um corpo humano. Era grotesco. Não possuía um rosto como o de humano, mas uma cabeça lisa, sem boca e nem olhos. Falou em minha cabeça.

“VOCÊ É MEU SACRIFÍCIO.”

“Sacrifício? Como assim? Onde estou? O que é você?”

“BASTA. VOCÊ CHAMOU POR MIM. VOCÊ CLAMOU PELA MINHA VINDA. VOCÊ É O SACRIFÍCIO PARA SEU UNIVERSO. EU SOU O QUE MANTÉM TUDO VIVO. VOCÊ EXISTE POR CAUSA DE MIM.”

E ele se calou. Ouvi um barulho, único naquele silêncio. Me virei nessa direção eu vi uma mesa. Em cima da mesa estava eu, mas um eu mais jovem, um eu da época da faculdade. Ele se aproximou de meu corpo parado, que estava olhando fixamente para o teto. Era como se estivesse calmamente paralisado. Quando olhei novamente, o ser de vermelho possuía uma adaga em algo que se parecia com uma mão. E ele a fincou no coração do eu mais jovem. Senti algo rasgando meu peito e caí de joelho, gritando.

“Pare, por favor, pare. Eu não aguento a dor!”

“PURIFIQUE TODA A VIDA E ACEITE O SACRIFÍCIO”

E eu senti mais dor ainda, a pior dor em minha vida. E do nada a diminuiu. Me levantei, fiquei de pé e quando levantei a cabeça, percebi que não estava mais no templo de pedra negra. Era o LHC novamente. Olhei pelo vidro e o monstro estava voltando para a fenda.

“SEU SACRIFÍCIO FOI ACEITO.”, ouvi em minha mente. Em seguida a fenda se fechou sozinha, mas a sirene gritava. Deveria sair dali correndo. Do tempo que eu fui para o templo e voltei, não deve ter passado mais de cinco minutos, o lugar estava prestes a explodir. Corri com mais alguns empregados e a explosão saiu pelas portas do prédio, como se fosse uma bola de fogo. Algo bateu em minha cabeça e eu desmaiei. Quando acordei estava aqui no hospital.

A cabeça ainda dói e eu sonho frequentemente com o templo, mas sem o terrível sacerdote. Ninguém sabe que a culpa foi minha, pois minhas manipulações que criaram essa tragédia. Algumas pessoas morreram e a culpa é minha. Algo mudou em mim, sinto sempre uma presença terrível. E o pior: por mais que eu leia eu não consigo mais entender minha própria teoria. Na verdade eu não consigo mais compreender nada que eu leio. De algum modo, algo realmente morreu em mim naquele dia. E a culpa era imensa.