Aí vem a chuva

Jean-Pierre acordou na penumbra da cabine exígua com uma ligeira sensação de desassossego, despertando de um sonho onde era criança e estava em sua cama, no sótão da fazenda. As luzes indicadoras na parede, brilhando num vermelho mortiço, não indicavam qualquer anormalidade. E foi então que ouviu um trovão. Provavelmente fora o que o arrancara do sonho...

Sentou-se no beliche e assentou os cabelos rebeldes com as mãos. O leito de cima, ocupado por seu colega Quiroga, estava vazio, já que ele estava em seu turno de trabalho. Abriu um escaninho na parede ao lado da cama e dele retirou uma garrafa térmica de alumínio. Encheu o copo que servia de tampa e tomou um longo gole de água gelada.

Lá fora, outro trovão, mais forte do que o anterior. Provavelmente, a chuva ia ser pesada. Esperava que todos houvessem voltado em segurança, antes que as coisas lá fora se tornassem complicadas. O nevoeiro onipresente, que mesmo com tempo bom diluía contornos a algumas centenas de metros de distância, tornava-se realmente denso sob chuva. Uma sopa de ervilhas. Era necessário muitas vezes parar e procurar abrigo até que a tempestade passasse.

Estendeu a mão para um painel na parede em frente ao leito e uma tela retangular acendeu-se. Na imagem, o interior do Centro de Operações, o CenOp. Um dos dois técnicos de plantão voltou-se para a câmera, ao ver que o monitor havia se acendido.

- Acordado, Jean-Pierre? - Perguntou-lhe sorrindo um rapaz, de cabelos negros lisos.

- Sim, Nguyen. Acho que foram os trovões...

- Estamos anotando sugestões para a próxima missão. Talvez seja necessário melhorar o isolamento acústico?

Jean-Pierre não sabia se a pergunta fora feita a sério ou meramente para descontrair. O sorriso permanente também não permitia tirar conclusões imediatas.

- Veja, Nguyen... eu não tenho nada contra ouvir o que se passa lá fora. Mas às vezes, essas trovoadas soam quase surreais. Talvez eu tenha passado muito tempo na Lua e me esquecido como é isso, de variações de clima e precipitações atmosféricas...

- Ah, o silêncio da Lua - Nguyen balançou a cabeça em concordância, o sorriso ampliando-se no rosto. - Mas lá, pelo menos, podemos ver as estrelas...

- E a Terra!

- A Terra, azul e branca, como um grande enfeite de Natal - acrescentou a outra pessoa no CenOp, a técnica Martinez, sentada ao lado de Nguyen.

- Vocês estão com saudades da Lua? - Indagou Jean-Pierre, um sorriso aflorando-lhe ao rosto.

Nguyen e Martinez entreolharam-se.

- Aqui é mais divertido - respondeu Nguyen.

- Eu gostaria de céus mais claros - opinou Martinez. - Mas a gente acaba se acostumando...

- Sim, - disse Jean-Pierre - a gente acaba se acostumando...

Um rumor surdo começou a se ouvir. Espaçado a princípio, e depois cadenciado.

- Lá vem a chuva! - Exclamou.

E para os técnicos:

- Bom plantão, pessoal! Vou dormir mais um pouco...

Nguyen e Martinez despediram-se com acenos.

Jean-Pierre apagou o monitor e deitou-se, enrolando-se no cobertor. Lá fora, a chuva pesada tamborilava contra as paredes e o teto da base. Voltou a pensar na fazenda enquanto deslizava de volta ao sono, e ao adormecer, embalado pelo martelar ritmado dos pingos grossos, voltara a ser criança e, ao olhar pela janela embaçada do sótão, viu surpreso que chovia metano líquido de um céu pardacento...

[21-06-2016]