OS HABITANTES DE IO
 
 
I
 
Quando fui convocado para investigar sobre aqueles fatos acontecidos naquela lua de Júpiter, de algum modo fiquei um pouco receoso, apesar do desconforto este era o meu trabalho e seria minha última investigação a serviço da Star-Vega.
Roger Ferreira não pode tirar férias - foi o que disse Hilda Garcia nossa gerente do quadrante sul batendo nas minhas costas antes de me entregar as passagens do último transporte em direção a Marte.
Certamente as viagens da Terra até Marte duram apenas vinte horas com o novo motor de dobra.
Entretanto quando minha missão começou num posto avançado da ABEE no deserto marciano, onde fora montada uma pequena estação de reconhecimento descobri que usaríamos na missão até Júpiter a nave de transporte Espectro de Mil e Seiscentos pés ancorada em Marte, aquele cargueiro era propriedade do consórcio internacional do qual faziam parte a ABEE, a NASA e a ESA.
Fiquei alguns dias alojado na cidadela ao sul de Marte construída próxima a um lençol freático de bilhões de litros da mais pura água, antes de partir rumo ao gigantesco planeta Júpiter. De acordo com informações toda aquela construção faraônica era obra do bilionário consórcio internacional para exploração do turismo espacial.
Um dos donos daqueles prédios colossais erguidos no deserto vermelho era o maior acionista da ABEE, foi o que disseram os especuladores do mercado financeiro quando fizeram aqueles investimentos convencidos pela lábia daquele bilionário russo, o Vladimir Ivanovich residente atualmente na cidadela marciana.
Saiu até em alguns jornais e revistas eletrônicas de fontes seguras que o único propósito do afamado e abastado empresário, seria descobrir novos meios de manter o homem vivo tanto quanto fosse necessário no vácuo e em outros planetas com atmosfera incompatível.
Minha missão após partirmos com a nave Espectro; era investigar o possível desaparecimento de vinte mineiros em IO, aquela lua de Júpiter que mais parecia o inferno. Os relatórios oficiais informaram que os mineiros estavam fazendo uma escavação no polo sul de IO quando perderam contato, de certo modo não existiam tantos abalos sísmicos e os vulcões ficavam um pouco afastados daquele local.
Nunca estive naquela lua de Júpiter, mas disseram que do espaço era possível ver “Pele” o gigantesco vulcão ativo jorrando lava sem cessar.
Após a chegada em nosso destino e resolvidos todos os problemas de trajetórias, com a nave Espectro ancorada em Europa partimos na pequena espaçonave de resgate.
Dos vinte tripulantes, apenas Joshua Wells um engenheiro mecânico canadense e Natasha Belatov uma piloto russa de vinte oito anos que todos a bordo conheciam por Nat me acompanharam naquela investigação até IO.
Os demais tripulantes ficaram no cargueiro Espectro, eles foram designados para o controle da missão e também descarregar os novos maquinários e abastecer com mantimentos alguns cientistas em Europa, estavam pesquisando o fundo do oceano daquela lua misteriosa.
Certamente quando o comandante Carson me passou as coordenadas do plano de voo fiquei um pouco preocupado, o plano mostrava uma trajetória linear que passava bem em frente ao temível vulcão Pele, aquele plano de voo foi questionado por Natasha, mas depois que o comandante Carson explicou sobre a sombra eletromagnética de Júpiter seguimos aquela trajetória sem mais perguntas.
Ao adentrar a atmosfera de IO senti um calafrio ao ver o monitor de bordo mostrar intensa atividade vulcânica e campos radioativos, meus dois camaradas também ficaram ansiosos em passar logo aquele ponto crítico da viagem.
Finalmente fiquei mais tranquilo, após passarmos o monstruoso vulcão seguindo rapidamente para o polo sul até a mina de Itrito-60, um minério recém descoberto naquela lua e usado na nova versão dos motores de dobra HC-3000. Não seria por falta de combustível que ficaríamos presos em IO se acontecesse algo fora de controle.
A mina de Itrito-60 ficava próximo a uma caldeira natural usada no aquecimento das instalações, aquele vapor d’água expelido do subsolo era canalizado e transformado em energia, do vapor se extraia oxigênio e água pura além de aquecer os casulos montados sobre o solo rochoso daquela lua assombrada.
Apesar de ser um investigador da companhia de seguros Star-Vega empresa seguradora do consorcio internacional, também havia cursado três anos de engenharia na UNIMARC em Marte, antes disso havia me aventurado em muitos ramos do conhecimento, fiz muitos cursos rápidos de eletrônica e mecatrônica além de aprender a pilotar pequenas espaçonaves como esta que estávamos usando, isto tudo muito antes de me tornar um investigador.
No cargueiro espectro havia mais três veículos espaciais como este que Nat pilotava com muita pericia, eu me tornei seu copiloto enquanto Wells cochilara num dos acentos traseiros do veículo sideral. Nat chegou a comentar sobre os avanços que aqueles veículos traziam acoplados, muitas das tecnologias recém-desenvolvidas já faziam parte daquele modelo disse ela enquanto apontava para uma tela laranja tridimensional.
Explicou sobre os canhões de fótons, uma maravilha que direcionava automaticamente o veículo sideral através do piloto automático.
Ela pacientemente esclareceu que a nave seguia comandos de voz através do computador de bordo executando a melhor rota para o trajeto desejado.
Natasha realmente me impressionou com todo o seu conhecimento de navegação, com certeza não gostaria de ficar perdido neste cemitério rochoso e vulcânico que tremia a todo o instante.
O gigantesco planeta Júpiter parecia estar mais próximo do que imaginávamos, e ficamos impressionados quando aterrissamos próximo a dois casulos que refletiam a luz tênue e distante do nosso minúsculo sol, sumindo rapidamente detrás do colossal planeta. Os motores apesar de silenciosos não evitaram que a potência usada na descida levantasse uma nuvem de poeira alienígena, que ficara flutuando acima do solo pedregoso de IO um bom tempo.
Aquela nuvem estranha semelhante aos nevoeiros dos pântanos da terra só se dissipou quando saímos para investigar os casulos.

II

Com os trajes apropriados desembarcamos da nave, estávamos bem próximos das construções e alojamentos dos mineiros. A mina ficava um pouco mais afastada.
Não vou negar que foi uma caminhada sinistra aquela sobre a superfície rochosa de IO.
No horizonte acinzentado manchado e formado por nuvens gasosas e fuligens víamos o espetáculo multicor dos gêiseres de lava pulsando, e mais além o fabuloso planeta Júpiter surgindo gigantesco detrás das montanhas ao norte parecendo uma pintura surreal.
Investigamos os contêineres de ferramentas e os casulos de sobrevivência, mas não encontramos ninguém.
Foram trinta minutos cronometrados por Wells para investigar os quatro casulos que abrigavam cinco pessoas com algum conforto e os dois contêineres de ferramentas, entretanto não encontramos nenhum sinal dos mineiros.
As máquinas perfuratrizes deveriam estar no interior da caverna rochosa onde os mineiros seriam encontrados trabalhando, eles seguiam um rígido calendário e cronograma para manter o ritmo biológico compatível com os padrões e evitar possíveis acidentes de trabalho.
A princípio estranhamos não haver ninguém na superfície, era de praxe pelo menos dois mineiros ficarem para coletar a produção vinda do subsolo através daqueles veículos ou caso ocorresse algum abalo sísmico com desmoronamentos.
Eles sabiam as regras, apesar de acharmos aquilo estranho prosseguimos até um veículo, de alguma forma aquele vagão coletor de minério abandonado próximo à entrada da mina talvez tenha chegado a intrigar Wells, ele notou que o vagão coletor estava em perfeito estado e funcionando.
Não encontrando respostas na superfície seguimos rumo ao interior daquela sinistra Lua de Júpiter, avançamos com aquele veículo de carga deslizando nos trilhos sinuosos até o interior daquele buraco no solo forjado com raios lasers e TNT modificada, certamente para evitar rachaduras muito profundas.
De algum modo o interior da lua era úmido e à medida que avançávamos cada vez mais para o interior da caverna notei a incrível semelhança com as velhas minas de carvão existentes na terra.
O interior insalubre e escuro daquele abismo que descia uns duzentos metros no subsolo de IO era assustador. O veículo que nos transportou suportava com certeza uma tonelada do minério precioso, mas ele estava vazio e o reservatório no solo ao lado dos contêineres estava com uma produção muito baixa, aquelas observações feitas por Wells deixara eu e Nat um pouco preocupados.
O vagão de minério chegou às profundezas da lua sinistra em alguns minutos.
Antes de sairmos do veículo observei algumas das luzes que iluminavam o interior daquela caverna sombria falhavam esporadicamente. Cheguei a comentar com Wells que carregava um medidor de ambiente acoplando a um analisador de isótopos.
Apesar de escuro e úmido o interior da caverna apontava uma temperatura de vinte graus Celsius, coisa que deixou todos espantados e apreensivos com a possibilidade de existir um ecossistema no interior daquela lua assustadora.
Os equipamentos foram verificados e mostravam uma corrente de ar pesado vindo de um ponto de luz um pouco distante, então começamos a caminhada rumo aquele ponto luminoso que refletia em nossos capacetes transparentes. Wells seguiu na frente apontando o aparelho medidor e avançando cada vez mais no profundo abismo, os leds em nossos capacetes iluminavam melhor o caminho que serpenteava ao encontro de um fraco foco de luz avermelhado.
Alguns desmoronamentos de terra às vezes nos faziam parar e observar com cuidado, entretanto aquela luminosidade no final da mina estava nos matando de curiosidade.
Seguimos por aquele túnel rumo às profundezas durante vinte minutos novamente cronometrados por Wells.
Enquanto eu e Nat verificávamos uma pequena bifurcação que levava para um túnel sem saída ouvimos o chamado de Wells através do comunicador acoplado ao capacete. Estávamos um pouco atrás e percebemos que ele havia parado. Wells nos chamou novamente e apressamos o passo na sua direção enquanto olhava fixo para alguma coisa no solo.
Nos meus dez anos de trabalho na Star-Vega nunca imaginaria que seria designado para uma missão tão sinistra, às vezes pensava em Vladimir Ivanovich naquela paradisíaca cidadela marciana com suas cúpulas protetoras transparentes de onde era possível ver o pôr do sol marciano.
Às vezes pensava porque alguns têm que fazer o trabalho duro enquanto outros curtem a vida.
Meu devaneio logo se dissipou quando chegamos próximo a Wells e vimos o seu achado.
Ficamos atônitos com a coisa incrustada sobre o solo úmido e escorregadio, alastrando-se por toda a caverna uma espécie de bolor esponjoso e alaranjado se perdia de vista, aquela espécie de fungo apesar de não acreditarmos que pudesse estar ali, se estendia até onde começava a claridade avermelhada.
De certo modo alguns estudos da ABEE descreviam a possível existência de formas de vida no interior dessas luas, mas aquilo que víamos fugia totalmente dos protocolos.
Enquanto Nat e Wells avançavam rumo àquela claridade rubra que se propagava até onde estávamos, coletei algumas amostras daquele fungo e acondicionei num frasco de metal para uma futura análise.
O medidor de oxigênio do meu traje mostrava que iria durar pouco mais de cinco horas, de algum modo já estávamos naquela busca a um bom tempo e nenhum sinal dos mineiros. Avistamos duas máquinas perfuratrizes a uns cinquenta metros de onde estávamos, ali os mineiros tinham escavado um bom pedaço.
Um carro coletor de minério com pneus enormes quase da minha altura estava com os faróis acesos parado próximo a uma escavadeira com sua concha recolhedora cheia, aquelas luzes avermelhadas que notamos antes eram dos veículos que sem explicação foram abandonados misteriosamente.
Aquilo foi o que Natasha disse ao ver outro veículo coletor também com os faróis acesos, pareceu a nós que os mineiros haviam abandonado o local e fugido às pressas, mas pra onde eles teriam ido, não estavam na superfície, e naquela mina não havia onde se esconder.
Vou dizer que ficamos perplexos com o silêncio dentro daquela mina. Então após mais trinta minutos de busca escutamos um som que parecia vir de uma escavadeira parada um pouco mais distante, era um barulho de coisas se mexendo, talvez fossem os mineiros foi o que disse Wells enquanto avançava naquela direção pegando um holofote dentro de um dos veículos parados.
Mas o que vinte homens estariam fazendo amontoados naquele canto escuro, foi o que pensei.
Tão logo segui naquela direção, notei que Natasha com certa curiosidade ficou mais afastada iluminando com um dos holofotes.
Quando me aproximei de Wells percebi que ele tentou se afastar daquilo que iluminava com um holofote se voltando rapidamente, e notei seus olhos arregalados de pavor dentro do capacete translucido.
O que ele iluminava com aquela luz avermelhada do holofote me deixou apavorado, nunca tinha visto uma coisa daquelas.
Aquele lugar escuro estava infestado de uns malditos vermes do tamanho de cobras, as centenas de bichos se enroscavam uns nos outros e saiam de buracos nas rochas, estavam devorando os restos de cadáveres, provavelmente dos vinte mineiros.
Os vermes gigantes se enroscavam nos esqueletos já quase totalmente descarnados, soltando uma saliva ácida alaranjada de suas bocas gosmentas que amoleciam a carne dos corpos em seguida devoravam.
Então eu vi aqueles horrendos seres rastejantes sem olhos, abrirem suas enormes bocas em espiral soltando a saliva gosmenta devorarem o resto dos cadáveres.
Foi um choque para mim, os mineiros estavam todos mortos!
Um daqueles malditos vermes rastejou muito rápido na direção de Wells se enroscando no seu braço, soltando aquela gosma que deveria ser algum ácido desconhecido.
Fiquei sem saber o que fazer quando Wells me olhou e vi seu braço se desprender caindo no chão úmido, sendo logo atacado por meia dúzia daqueles bichos que rastejavam muito rápido, fiquei pasmo quando vi as criaturas devorarem o braço dele como se fosse um petisco suculento.
Wells conseguiu dar algumas passadas na minha direção tentando fugir dos bichos rastejantes, mas era tarde demais. Ele caiu e foi atacado na minha frente sendo devorado rapidamente como se fosse uma iguaria.
Talvez tenha sido o medo ou o instinto de sobrevivência, mas como eu consegui agarrar Natasha e fugir com passadas largas sem sequer olhar para traz, chegando ao vagão de carga, subindo até a superfície e depois escapar voando daquela lua amaldiçoada até a nave Espectro. Isto talvez devesse estar no meu relatório.
O Ivanovich me chamou para dar explicações algum tempo depois, ele me questionou por que havia abandonado Wells, mas Natasha foi meu álibi, ela confirmou minha história dizendo que não havia abandonado ele, pois já estava morto e devorado por aqueles asquerosos vermes habitantes de IO.
Aquele maluco do Vladimir Ivanovich depois de ouvir a minha história, acabou seguindo o conselho de um dos pesquisadores que leu o meu relato sobre os sinistros vermes, sendo cauteloso quanto a capturar alguns daqueles estranhos espécimes.
A forma como Wells e vinte mineiros perderam a vida em IO levou a Star-Vega a mudar os protocolos de segurança em lugares com formas de vida hostil.
Dizem que os trabalhos na mina ficaram parados por algum tempo até que se descobrisse que tipo de vida alienígena era aquela habitando o subsolo de IO.
Alguns meses depois começaram novas escavações mais ao sul daquele lugar. De algum modo o ninho daquelas criaturas fora isolado e exterminado pela NASA e seus experientes caçadores de pragas.
Acho que conseguiram descobrir um meio de exterminar aquelas pragas, mas o que eram aqueles vermes eu nunca cheguei a questionar, já que seria minha última investigação pela Star-Vega.


Fim.