A Máquina

José acabou de sair do trabalho e estava em seu carro a caminho de seu apartamento, dirigia a 250 quilômetros por hora, o que era a velocidade média daquela estrada de 6 faixas de cada lado, exceto nas faixas laterais paralelas aos prédios que eram para trânsito lento. Via as janelas dos prédios passando rápido, quase na altura da janela de seu carro, as luzes nos interiores das infindáveis lojas e apartamentos. Se olhasse para cima veria mais uma autoestrada passando bem em cima da que ele estava e teria mais outra por cima dessa e mais outra, assim sucessivamente. Sem falar nos prédios que de tão autos a vista mal podia alcançar. Ao se aproximar do prédio em que se situava o seu apartamento José foi mudando de faixa até alcançar a de trânsito lento que dava acesso aos estacionamentos suspensos.

Deixou seu carro na plataforma e passou o cartão na máquina, a partir daí o mecanismo faria todo o trabalho elevando o carro e guardando-o junto aos outros. Caminhou pela calçada os poucos metros que faltavam até o apartamento, a sua esquerda os carros passavam a velocidades absurdas fazendo um barulho tremendo, do auto viu as luzes dos faróis da autoestrada superior.

Entrou no Apartamento que como todos os outros tinha isolamento acústico e os barulhos da megalópole se foram. Seguindo-se de uma temperatura amena e uma música agradável, as luzes iam se ascendendo à medida que adentrava o recinto.

- Olá, Hórus.- Disse José. - TV.

Logo a teve ligou-se. Aquele era um comando de voz para a central computadorizada integrada ao apartamento.

- Mais um dia de conflitos pelo mundo. - Dizia o telejornal. - Um bombardeio matou 390 pessoas no oriente médio. Um avião sequestrado colidiu contra um prédio governamental em Brasília, capital do Brasil. E os rebeldes tentaram um ataque pelo lado oeste de nossa querida Big Pyramid, porém seus jatos foram prontamente abatidos pelo nosso sistema de defesa.

Mudou de canal sintonizando um programa de humor. Todas aquelas notícias eram irrelevantes, nem sequer a última merecia muita atenção pois os rebeldes faziam ataques frustrados á Big Pyramid quase todos os dias. Era sexta feira e José não sairia naquela noite, teria que dormir cedo pois no dia seguinte iria viajar para passar o fim de semana na casa dos pais no interior. Ficaria ali relaxando ao contrário de seus amigos que a essa hora estariam curtindo adoidado nos diversos bares, boates, baladas ou nos outros incontáveis locais de entretenimento que a megalópole oferecia.

Ficou com seu programa de humor, pediu comida japonesa, tomou uma ou duas doses de whisky. Depois colocou seus óculos de realidade virtual para assistir o novo episódio de sua série favorita. Em seguida foi deitar-se.

Agora que nosso protagonista está dormindo podemos falar um pouco melhor sobre sua vida e do lugar onde vive. José tem 28 anos e trabalha como analista de sistema na central de software da Big Pyramid, sua função é detectar e corrigir pequenas falhas de programação no sistema de modo que a parte de software permaneça funcionando sem contratempos. Ele é só um dos muitos analistas que exercem essa função, porém para evitar a quebra de sigilo do código, cada analista fica responsável por apenas uma das partes do programa. Esse sigilo também serve para evitar a fragilidade do software, pois um analista mal-intencionado, caso tivesse acesso integral ao sistema poderia compromete-lo por inteiro.

A Big Pyramid é a maior megalópole do mundo com aproximadamente 78 milhões de habitantes, uma cidade em formato de pirâmide com prédios maiores ao centro e que vão diminuindo gradativamente a medida que se distanciam da região central. As estradas se entrelaçam aos edifícios e existem sempre uma para cada andar, também contam com faixas de trânsito lento e conexões com as vias superiores e inferiores. Anexadas as estradas suspensas existe um sistema de transporte em massa, tanto para mercadorias quanto para passageiros. No topo dos edifícios circulam jatos particulares e helicópteros transportando os privilegiados pertencentes a elite. E na Área térrea encontra-se as estruturas dos prédios e o maquinário que mantém tudo funcionando.

No edifício central existe um megacomputador responsável por coordenar todo o desenvolvimento da megalópole chamado Hórus, cada novo andar que é construído, cada pedaço de estrada, tudo feito com as informações provenientes do cérebro da cidade, sempre preservando o formato piramidal. Existem câmeras por todos os lados e as imagens são prontamente enviadas para o megacomputador, qualquer atividade suspeita ou irregular é prontamente evitada pelos agentes de segurança.

Em outras palavras, A Big Pyramid é como um grande computador em que as estruturas físicas são o hardware, Hórus é o software e os habitantes são como os bytes de informações. Porém, muitos dos habitantes da metrópole acreditam que são governados por um ser místico, uma entidade divina, onisciente e com feições humanas. Isso por que o computador desenvolveu a imagem de um semblante que transmite carisma e ao mesmo tempo força e espalhou fotos em locais estratégicos. O computador também conta com métodos de doutrina para instruir em seus habitantes o sentimento de orgulho da Big Pyramid e de Hórus.

Como uma grande máquina, cada habitante é como uma engrenagem exercendo uma função no todo. Assim como nosso amigo José alguns trabalham no software, já outras no hardware fazendo reparos nas estruturas físicas e também nas construções, pois a cidade está em constante crescimento.

José acordou revigorado após uma ótima noite de sono, tomou um banho, preparou um belo café da manhã com ovos, bacon e pão. Terminou de sorver o café olhando pela janela, vendo os carros sempre passando muito rápido. Arrumou a mala com algumas poucas coisas e foi buscar o carro no estacionamento suspenso. Bastava passar o cartão na máquina e em poucos instantes seu carro era deixado na plataforma. Pegou a estrada seguindo as orientações do GPS e das placas sempre pelas conexões de acesso ás vias inferiores, sempre descendo rumo a saída da cidade.

Logo alcançou a estrada intermunicipal e Big Pyramid podia ser vista ficando para trás pelo retrovisor. José via vegetação por todo lado, extasiado com a paisagem reduziu a velocidade a 90 quilômetros e mudou para a faixa de trânsito lento. Abriu um pouco os vidros para respirar o ar puro dos campos. Enquanto que a sua esquerda os outros carros passavam a mais de 300 por hora.

Na beira da estrada aviam algumas casas bem simples, cujos moradores decidiram viver da forma pacata e contrária dos tempos modernos. Sobreviviam do plantio, criação de animais e entre outras atividades do campo. Porém essa vida estava com os dias contados pois logo seriam engolidos pela cidade que não parava de crescer. As famílias desapropriadas ganhariam um apartamento e fariam parte dessa grande Máquina, seriam uma pequena engrenagem de um enorme mecanismo.

José retornou a faixa de trânsito rápido e manteve a média dos 350 quilômetros. Em pouco mais de meia hora chegaria ao seu destino. A estrada subia uma inclinação e passava pelos campos eólicos. Logo que atravessou essa montanha a Big Pyramid não era mais vista pelo retrovisor.