A Invasão

Brasília, outubro de 2016, 8:00 AM. Um grupo de sete vilões armados somente de suas convicções e alguns tasers, aquelas armas que emitem choque, se reúnem em um galpão abandonado no SIA (Setor de Indústria e Abastecimento) para arquitetar a invasão de uma escola do Plano Piloto, região central da capital do país. Duas horas depois de se organizarem, entram em uma Van escolar que tinham subtraído de uma cooperativa no dia anterior para não chamar atenção na hora do traslado, e partem para invadir a escola.

Chegando ao destino final, o movimento na porta da escola estava tranquilo, pois o horário de entrada já tinha passado a algum tempo. Saem do veículo oriundo do furto e invadem a escola rendendo o vigia que ficou sem ação diante da surpresa causada pelos meliantes. Um deles assume a função do vigia e os outros se dirigem até a diretoria, rendem a diretora e anunciam o motivo de suas presenças ali. A professora responsável, estupefata com a ação, não cria dificuldades e pede pelo altofalante a presença de cada professor na direção tão logo fossem rendidos por um dos vilões. Não era uma escola muito grande, tinha cerca de sessenta alunos no total. Cada um dos vilões então, com exceção do que ficara com a diretora, toma um rumo diferente a fim de cumprir a missão inicial que era a de reunir todos os adultos na sala da direção da escola.

Feito isso, com todos os adultos reunidos ali, anunciam que a escola seria controlada por eles e que a presença daquelas pessoas não seria mais necessária, pois estas já estavam contaminadas e viciadas pelos anos que a vida lhes conferia e seriam liberadas sem nenhum tipo de agressão. E assim aconteceu, todos os adultos foram retirados da escola mesmo indignados, protestando, reclamando, alguns até agressivos, mas nada adiantou.

Os vilões então colocaram em ação a segunda parte do plano isolando a escola do contato exterior, já se organizando e se preparando para a intervenção das autoridades locais. Reuniram os alunos no auditório e avisaram que eles ficariam confinados nos limites da escola por um período indeterminado e quanto mais rápido eles entendessem o propósito daquela situação, mais rápido eles iriam voltar para casa. Se eles se rebelassem, só iria protelar cada vez mais a estadia forçada deles ali. Depois de todo alvoroço natural diante do aviso dado, afinal eram crianças, com atitudes de crianças, alguém do grupo perguntou então qual seria o propósito de tudo aquilo, e lhe foi dito que o propósito elas teriam que descobrir e que a chave para liberdade estava numa charada que elas teriam que resolver e que estava dividida em sete partes. A única dica que lhes foi dada era que cada uma das sete partes da charada estava na posse de cada um dos sete vilões.

Logo a polícia e a imprensa chegaram para averiguar a situação, viram que a escola estava totalmente isolada e perguntaram o porque de tudo aquilo. Foi repetido a mesma coisa que foi dita para os alunos com uma informação a mais: que se, de alguma forma tentassem interferir no plano arquitetado por eles, as crianças seriam punidas e deram uma prova de que não estavam ali de brincadeira ou que eram amadores. Pediram para chamar a diretora da escola e quando ela apareceu, o chefe do grupo apertou o botão de um aparelho que segurava e na mesma hora a professora desabou nos braços do policial que estava próximo a ela, entrando em um estado de coma profundo. Foi aquele espanto geral sem ninguém entender nada. Então o chefe do grupo explicou que antes de liberar a diretora, fez ela beber um líquido que continha um tratamento bioquímico preparado por eles e que era ativado como se fosse uma bomba relógio e que cada aluno tinha bebido a mesma coisa. Garantiram que nada de ruim aconteceria com as crianças, desde que não interferissem, e que todos poderiam acompanhar o que estava acontecendo na escola, pois iriam disponibilizar imagens em tempo real do interior. Disse ainda que a captura de qualquer um deles iria disparar de imediato a “bomba relógio” que cada aluno carregava consigo. O capitão da polícia responsável pelo comando das negociações, perguntou que garantias teriam de que ele estava falando a verdade. O chefe do grupo então disse que como prova de que não tinham nenhuma intenção de causar danos orgânicos em ninguém, o coma da professora seria revertido por ele através de algum tipo de ação, dentro de quatro horas e ela não teria nenhum tipo de sequela pelo fato provocado. Disse ainda que iria precisar do auxilio e colaboração de todos, pois seria necessário todos os suprimentos possíveis no período que ficassem ali. Que pensassem naquela situação como se fosse uma colônia de férias. Os pais das crianças começaram a chegar e foi uma comoção geral. Choros, revoltas, indignação, mas nada adiantou, estavam de mãos atadas. O plano tinha sido orquestrado com precisão cirúrgica.

O capitão perguntou como deveriam chamá-los e o chefe respondeu que suas alcunhas eram: Sábio, Esportista, Unificador, Tratador, Destemido, Responsável e Arquiteto. E as coisas seguiram como planejado.

Cada vilão então começou a desempenhar sua função dentro do plano. O TRATADOR era responsável pelo tratamento geral de todos como alimentação e cuidados médicos; o ESPORTISTA era responsável pela parte física dos alunos, afinal, criança tem que gastar energia; o UNIFICADOR era responsável por manter a união do grupo, o trabalho psicológico; o DESTEMIDO era responsável pela segurança geral, ficava de olho nos dois lados, tanto o de fora da escola como o de dentro; o ARQUITETO era responsável pela segurança estrutural da escola em todos os sentidos; o RESPONSÁVEL ficou com a missão da logística de tudo que era necessário para o bom andamento do plano e o SÁBIO era o responsável pelas atividades intelectuais das crianças. A escola virou de certa forma um grande acampamento com normas e regras bem definidas.

Os dias foram passando até que um dos meninos, observando a tristeza que principalmente os mais novos estavam tendo pelo fato de ficarem longe de seus pais, resolveu tomar uma atitude. Seu nome era Vitor, um rapaz inteligente, com facilidade de argumentar com outras pessoas e com uma visão mais prática da realidade, tinha um espírito de negociador. Ele então procurou dois de seus amigos para que eles lhe ajudassem na ideia. O primeiro se chamava Gabriel, um rapaz calado, muito inteligente também e de uma tranquilidade exterior indiscutível, mas por dentro era um leão, se alimentava constantemente de leitura o que lhe conferia um vasto conhecimento nas mais diversas áreas, e a segunda se chamava Maria Rafaela, a mais nova, não menos inteligente que os dois, mas de atitudes firmes, brincalhona, era bastante observadora e gostava de artes, poesias e ciência.

Vitor então, propôs aos dois que lhe ajudassem a desvendar a charada, pois só assim teriam suas liberdades de volta. Prontamente os dois aceitaram e ele foi comunicar ao Sábio a decisão que tinha tomado e queria propor um desafio para as outras crianças a fim de que elas se motivassem e se juntassem a ele e seus dois amigos na busca da saída para aquela situação. O chefe dos vilões recebeu aquela atitude do rapaz com muita vibração e uma alegria interior, pois alguém finalmente tinha se proposto a resolver o problema. Afinal, ele e seus comparsas, tinham um propósito quando invadiram a escola. Reuniu todos os alunos no auditório e comunicou a ideia de Vitor aos outros que começaram a se mobilizar em grupos que tinham mais afinidades entre si para buscarem resolver a charada proposta pelos vilões.

Como a charada estava dividida em sete partes, cada uma com cada um dos vilões, alguns alunos planejaram roubar os vilões, o que não surtiu efeito, pois não sabiam o que roubar. Outros fizeram incursões pela escola procurando pistas e outros simplesmente não sabiam o que fazer. Os três amigos resolveram primeiramente observar os vilões e perceberam que cada um tinha uma função bem definida no processo, sabiam exatamente o que fazer. Não lhes tratavam mal, propunham atividades físicas e intelectuais, cuidavam da alimentação, estipulavam normas, regras e condutas que as crianças tinham que seguir. Horário para acordar, dormir, brincar, descansar e assim por diante. Eram disciplinados e cobravam disciplina. Perceberam também que cada função exercida por eles, era definida pelos apelidos que se deram. Então resolveram escrever os apelidos de cada um num papel e começaram a trabalhar na ideia. Montaram quebra-cabeças com os nomes e num determinado momento viram que a união das primeiras letras de cada vilão numa certa sequência, formava uma palavra, era um acróstico. E entenderam que a chave mestra para a liberdade deles se encontrava naquela palavra, uma palavra simples e que todos os alunos deveriam estar acostumados com ela, a palavra era ESTUDAR. Era justamente a charada proposta pelos vilões quando invadiram a escola, palavra relacionada com atitude de mudança, de busca, de liberdade.

E naquela manhã de um fim de semana ensolarado, Vitor, Gabriel e Maria Rafaela comunicaram aos vilões que tinham decifrado a charada. Sábio então, feliz por ter conseguido atingir seu objetivo que era o de mostrar aos alunos a importância daquela pequena palavra em suas vidas, chamou o comandante da polícia e disse que iria libertar os alunos. Logo em seguida, os vilões se entregaram, pois sabiam que por mais nobre que fossem suas intenções, tinham privado um grupo de jovens de sua liberdade e deveriam ir presos. Nenhum crime pode ficar sem punição!

Carlos Augusto Guto
Enviado por Carlos Augusto Guto em 30/09/2016
Reeditado em 24/10/2016
Código do texto: T5777782
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