A TIGRESA III - ESPOSA.

Cidadela, Rhea, 20 de abril de 2018.

Hoje de madrugada nasceu Adella Clara Santos Stefansson; que no futuro seria conhecida como Adella de Saturno. Entre os inúmeros visitantes no hospital estavam Alan e Tikal Henna.

–Os deuses a ouviram, Dama In-Ge – disse a siriana – uma filha valente.

–Parabéns, Inge – disse Alan, beijando sua amiga na testa.

–Obrigada, meus queridos. Esperei muito por este momento.

–Nossa família finalmente está completa – disse Aldo – Adella foi ansiosamente esperada, ela chegará às estrelas.

–Sem dúvida – disse Valerión emocionado, com seu filho Alexei nos braços.

–Sete crianças na Cidadela – disse Nebenka Marusitch Valerión – o número da sorte. Somos abençoados, devemos agradecer aos deuses.

–Hoje é um dia de alegria, Reverenda Senhora – disse Regert, que como todos os troianos e hiperbóreos consideravam-na sua sacerdotisa odínica – meus parabéns.

–Obrigada; capitão Regert. Que minha alegria seja de todos.

A capitã Paula de Hiperbórea aproximou-se com um pequeno estojo vermelho.

–Reverenda Senhora, aceite este humilde presente em nome do meu povo para dar sorte à princesa Adella Clara na sua jornada nas estrelas.

Um coro de murmúrios de admiração ouviu-se quando Inge abriu o delicado estojo, mostrando um par de brincos de ouro e platina incrustados de diamantes em forma de pequenas cruzes dextrógiras, o sagrado símbolo da boa sorte e felicidade de Hiperbórea.

–Obrigada; capitã Paula – disse Inge, com os olhos úmidos – não podia receber um presente mais honroso. Adella Clara usará com orgulho e devoção as maravilhosas jóias sagradas quando for tempo de furar suas orelhas.

–As fêmeas humanas furam as orelhas? – sussurrou Tikal Henna no ouvido de Alan Claude – Fascinante!

Alan notou que Henna abaixara as orelhas de forma involuntária. A súbita idéia de ensinar o jogo de pôquer aos sirianos veio-lhe à mente.

–Muita coisa dos humanos achará fascinante, querida – sussurrou ele.

*******.

À tarde, Alan e Tikal Henna embarcaram na Empreendimento após voltar do hospital da Cidadela.

Na semana anterior calibraram os manobradores que em manobra máxima, atingiram mais de meio milhão de kms por hora, metade da antiga velocidade da Hércules, que os acompanhou o tempo todo.

Hoje com tripulação completa; trezentos oitenta e um sirianos e um terrestre calibrariam o impulso, o mesmo sistema usado pelas naves kholems, uma repulsão eletromagnética; alimentado com o plasma do reator de antimatéria, como os manobradores, mas com a potencia necessária para entrar em dobra.

A nave Hércules também estava equipada com a novíssima energia de manobra e impulso, mas ainda não gerava impulso máximo, sem comprometer a estrutura.

A ponte da Empreendimento; dentro da cúpula blindada no topo da nave em forma de arraia; era redonda e ampla; até porque os sirianos são grandes.

À proa, a tela principal de dois metros por um e meio; na frente dela, à esquerda, a estação do leme, ocupada por Alan Claude e a do navegador à direita.

A cadeira do capitão Kern Mokvo; ligeiramente à popa do centro, estava entre a estação de engenharia à sua esquerda e a estação de ciências á sua direita.

Um pouco à frente da estação de ciências, ocupada por Zyphran Kohuáscar, Mahab de Xel Amarna; estava o painel táctico de Tikal Henna e do lado oposto, à frente do painel da estação de engenharia da engenheira chefe Belan Henna, Baharnum de Xel Amarna; era o controle de gravitação, suporte de vida, controle de danos, controle de escudos e dos amortecedores inerciais, engenhos imprescindíveis em todos os doze andares da nave para que a velocidade não esmagasse os tripulantes contra as paredes.

Atrás da estação de ciências; estava a estação de comunicações e sensores, e um pouco atrás, a porta da sala particular do capitão e o elevador de estibordo.

Do lado oposto o elevador de bombordo e a porta da sala de descanso com o toalete e o armário de armas e trajes espaciais dos oficiais.

Com os oficiais superiores instalados nas suas estações, o capitão Kern Mokvo deu a primeira ordem:

–Abrir canal para a doca.

–Canal aberto, senhor – disse a jovem tigresa chefe de comunicações.

–Empreendimento para controle.

–Prossiga.

–Permissão para zarpar. Liberar as garras de atracação.

–Permissão concedida. Garras de atracação liberadas.

–Belan Henna, potencia de manobra.

–Potencia de manobra ao seu comando, capitão – disse a engenheira chefe.

–Piloto; tire-nos daqui; propulsores adiante; manobradores um quarto à frente.

–Propulsores adiante, manobradores um quarto à frente, senhor – disse Alan.

–Acionar!

A enorme nave saiu lentamente da doca, impulsionada pelos propulsores, e uma vez fora, os manobradores a aceleraram instantaneamente a 7,49 kms por segundo.

A bombordo via-se Saturno ficando para trás.

A Hércules esperava a algumas centenas de milhares de kms adiante.

–Empreendimento para Hércules – disse o capitão.

–Prossiga, Empreendimento – disse Regina Cardelino.

–Marcar rota de teste. Preparar para impulso.

–Urano, sétimo planeta, curso 270 marco 15. Estamos a caminho em impulso.

–Confirmado Hércules – disse o capitão siriano – navegador; marque o curso.

–Curso marcado 270 graus marco 15 graus, manobra um quarto à frente.

–Kern para engenharia! Temos impulso?

–Sistemas de impulso carregados, velocidade ao seu critério.

–Piloto, um quinto de impulso á frente. Acionar!

–Um quinto de impulso á frente acionado, capitão – disse Alan Claude.

A Empreendimento lançou-se á frente á velocidade de 14.988,12 kms por segundo e a Hércules acelerou com dificuldade para igualar a nave siriana.

Kern Mokvo estava feliz com o inicio da segunda etapa de testes.

O sonho de toda uma vida estava cada vez mais perto de realizar-se, graças a estes terrestres que uma vez chegou a odiar.

Mas agora estava reconciliado consigo mesmo, não temia admitir que antes estava errado.

Os terrestres tinham honra e ele estava feliz de ter um deles no leme da sua tão sonhada nave estelar.

–Piloto!

–Senhor?

–Prepare um quarto de impulso ao meu comando. Mantenha o curso.

–Sim, senhor, um quarto de impulso ao seu comando, mantendo o curso.

–Acionar!

A nave acelerou a 18.735,15 kms por segundo, deixando a Hércules para trás, lutando com seus motores para igualar a velocidade.

Os olhares dos sirianos na ponte de comando dirigiram-se à tela principal e depois ao capitão.

–Belan Henna! Situação?

–O gerador de impulso responde a contento, senhor.

–Ótimo! Piloto, meio impulso. Acionar!

–Meio impulso acionado, senhor.

Foram para 37.470,31 kms por segundo e a Hércules ficou para trás.

–Hércules para Empreendimento – disse Aldo no radio – não podemos lhes acompanhar sem nos desintegrar.

-Eu disse que essa estrutura de vocês era fraca demais! – interveio Zyphran.

–Tem razão doutor. Podemos prosseguir em frente até vocês voltarem. Podem alcançar Urano em onze horas padrão, mantendo essa velocidade, e em vinte e duas horas podem estar de volta, mas imagino que vão querer explorar as luas do planeta, isso pode levar dias, então acho que aqui nos despedimos...

–Não chegaremos lá, capitão Aldo – disse Kern – Isto é só um teste, vou acelerar a impulso máximo por uma hora padrão e voltar. Não há suprimentos para a tripulação e a carga de deutério não está completa.

–Entendido. Hércules desliga.

–Belan Henna, podemos acelerar mais sem grudar-nos na parede?

–Amortecedores inerciais a cem por cento, capitão.

–Piloto, impulso máximo. Acionar!

*******.

O impulso máximo de 74.940,62 kms por segundo, ou 269.786.230,20 kms por hora; era um quarto da velocidade da luz.

Poderiam atingir a Terra em cinco horas e meia e Urano em quatro horas e meia. Em uma hora testaram todos os sistemas e a estrutura da nave minuciosamente.

Cada um dos trezentos e oitenta tripulantes tinha uma tarefa a cumprir; um sistema para verificar.

Os tigres podiam ser cruéis e briguentos, mas eram detalhistas, exatos e eficientes; apesar de saber apenas teoria passada de geração para geração por cem séculos.

Alan não ignorava que pilotar essa nave era a maior honra que os sirianos lhe concediam, reconhecendo sua superior experiência como piloto.

Além do mais; ela participava da jornada.

E ele queria olhar para ela; sentada à frente do painel táctico para testar os bancos phaser e meia dúzia de torpedos fotônicos detonando alguns asteróides (que afinal não encontraram), mas não se atrevia a tirar os olhos da tela e dos instrumentos.

Não podia permitir-se uma distração, não podia cometer nenhum erro na frente do capitão. Só poderia olhar para ela ao retornar à doca. Por isso sentiu-se feliz quando o capitão ordenou:

–Piloto, parada total! Se não ficarmos esmagados na proa, reverter curso!

Haveria licença para os oficiais superiores enquanto a tripulação terminava de montar o reator de dobra, o que levaria semanas, talvez meses.

Então ele a levaria para seu apartamento na Cidadela, onde poderia amá-la uma e outra vez até cansar.

–Revertendo o curso, capitão!

Tikal Henna pouco tinha a fazer na hora e meia do retorno e ficou olhando-o; compenetrado nos controles; atento a cada flutuação dos indicadores como se toda sua vida tivesse pilotado essa nave.

Ela lembrou da conversa com a Ilustre Dama Ingeborg, sobre “o melhor piloto de Antártica”, e da admiração de Inge e os amigos por Alan, que agora era seu marido de fato.

A Reverenda Senhora aprovara essa união.

Era uma terrestre simpática, amável; acabava de ter uma filha hoje de manhã, que ela foi ver no hospital. E tempos atrás, no dia da festa, ela dissera:

“–Vou gostar de você, Henna”.

Sim. Ela também gostara da terrestre. Conversaram e caminharam pelo promenade, trocaram confidências e falaram dos seus homens. A Dama Inge deu a entender que já a considerava acasalada com Alan.

E foi naquela mesma noite que ela se entregara ao amor dele.

Será que estava errada? Será que não devia ter entregado sua virgindade a um terrestre? Ela estava ciente de que honrara a tradição, ele a vencera numa luta justa e quando um macho vencia uma fêmea em luta corporal honrada; esta devia entregar-se a ele.

Ela tinha essa obrigação e ele tinha esse direito.

Era o costume milenar. E ela o amava, o que tornava tudo mais fácil.

Não tinha contado nada à sua família. O que seus pais pensariam?

Mas todos os guerreiros presenciaram a luta e nada foi dito porque era óbvio para todos que o terrestre vencera e tinha o direito de acasalar com ela.

Nada havia na tradição que o impedisse, nenhum mestre de clã colocou objeções. A união deles era um fato consumado para os guerreiros.

O terrestre tinha todo o direito de ficar com ela, de acasalar com ela, de ser seu dono, seu marido. Isso era um fato indiscutível.

*******.

Terras Frias, 23 de junho de 2018, noite.

Aldo e sua família foram convidados a conhecer Ruddah Pacha; segunda filha de Gamal que nascera três dias antes, nas primeiras horas da manhã.

Alan e sua tigresa; que nunca tinha visto o ritual do fogo; estavam presentes. O capitão Kern e Belan Henna também foram convidados à festa que podia prolongar-se mais de dois dias.

Havia uma colônia xawarek a menos de um dia de viagem a lombo de asgoth, e alguns sirianos compareceram.

Ambos povos descobriram que tinham interesses similares, amavam a natureza, a caça, as lutas e a vida ao ar livre, um ar puro e frio.

Aldo; que promovera tudo isso; estava satisfeito com a união desses povos. Os vurians das Terras Frias não eram tão preconceituosos como os taonianos urbanos.

E ainda estes já começavam a aceitar os felinos; após a captura e espetacular execução dos nefastos rebeldes Yord. Finalmente tudo estava correndo como Aldo imaginara. Só faltava que a nave estelar Sem Nome estivesse concluída.

Enquanto as mulheres participavam dos rituais após o batizado da criança na fogueira central; como quando três anos antes, Alvin de Vurians passara pelo mesmo ritual nos braços da bruxa das Terras Frias; os homens; humanos e sirianos; foram em direção às mesas com comida e bebida para conversar.

–Soube que fizeram quatro testes no espaço profundo – disse Aldo.

–Para calibrar o impulso – disse Alan – Eles são muito detalhistas. A nave está perfeita. Ninguém diria que ela existia apenas na cabeça de inúmeras gerações.

–E o reator de dobra?

–Não está pronto ainda. Estão tendo problemas na calibragem da câmara de contenção do núcleo. Um pequeno erro de meio mícron e desaparecemos junto com a doca espacial e parte de Rhea. Eles pretendem usar oito quilos de antimatéria. Nós usaremos dez na nave Sem Nome... E aquele pessoal de Seattle conseguiu destruir sua própria cidade com apenas meio grama...

–Sim, claro... Mas que tipo de problemas?

–Fazer com que os sistemas físicos e não físicos redundantes funcionem como uma orquestra bem afinada; os programas do computador de controle, os geradores de campos virtuais... Se um falhar, outro o substitui em microssegundos. A contenção tem doze camadas, o reator cilíndrico tem três metros de diâmetro e pode conter oito quilos; todo o resto é campo de contenção. Um pode cair, mas onze estão como camadas de cebola. Nada pode... Aliás, nada deve falhar. Só depois disso a nave estará pronta para calibrar a matriz de diankrap e o fluxo de plasma nas nacelas.

–Entendi. Você está bem informado, Alan.

–Sou o timoneiro da Empreendimento.

–Nós em cambio...

–Isso ia perguntar, como vai a nave Sem Nome?

–Aprendemos a reforçar vitrotitânio e tri-titânio alterando-os a nível molecular em Zero-G. O doutor Zyphran cedeu um gerador de campo hiper-molecular, o mesmo que usaram com a Empreendimento. Quando se forem, o perdemos. Também preciso uma tripulação de quatrocentas pessoas e não tenho gente. Vou recrutar cem xawareks para segurança, desembarque e engenharia. Conto com marcianos para bancos phaser e salas de torpedos; troianos para equipes de manutenção e controle de danos; talvez taonianos de apoio, mas não sei se será conveniente juntá-los aos xawareks. Como vê, há buracos; preciso médicos para humanos, marcianos e sirianos, cozinheiros para todos, alguém que coordene, alguém que controle suprimentos diferenciados...

–Talvez eu possa ajudar...

–Espero que sim. Seu prestigio está em alta.

–Acho que está. Pilotei várias vezes a Empreendimento até as imediações de Urano e voltei. Estou ansioso para pilotar a nave Sem Nome.

–Infelizmente isso vai demorar, Alan. Talvez você possa ir com eles até Sírio e voltar com algo de material e tecnologia antes que nós consigamos zarpar.

–Já pensei nisso, mas acho que eles não vão permitir. É questão de honra para os descendentes dos que partiram, voltar sozinhos a casa. Embora Henna tenha certos receios. Em todo esse tempo os xawareks nunca apareceram neste sistema.

–Não há como saber, Alan. Talvez tenham vindo.

–Pode até ser. Mas ela teme que as coisas por lá tenham mudado, ou pior, que as legiões remanescentes do império raniano tenham destruído a civilização xawarek há milhares de anos. Eles não querem que eu presencie a decepção deles.

–Se é que haverá uma decepção, Alan. Segundo o Eremita de Io, os xawareks estão ativos no seu sistema e têm uma certa rivalidade com a Suprema Confederação.

–Claro. Tinha esquecido. Henna gostará de saber. Mas, contudo, isso me deixa um pouco apreensivo, Aldo. Pode ser que eles não...

–Está preocupado com ela, não com eles! Apaixonado como um adolescente!

–Estou, sim.

–Ela deve ser maravilhosa. Percebi que tem grande cultura e inteligência, como todos eles, é delicada no trato e Inge a adora. Para mim é suficiente. Veja-as; estão sempre juntas, conversando e rindo com as mulheres vurians e marcianas.

–Você é um antártico eugênico, Aldo; só teve a Inge, que lhe foi designada, mas eu já namorei muitas mulheres, uma delas você conheceu...

–Norah de Guzmán, amiga de Linda e Bárbara. Casou com um capitão.

–Sim... Como estava dizendo, tive muitas mulheres nestes anos todos...

–Sei. Mas a tigresa siriana superou todas. É isso?

–Não é o que você está pensando, Aldo.

–Não estou pensando nada, Alan. Nem imagino o que você acha que estou pensando. Penso que um homem experiente como você; deve saber o que é melhor para si. Se você é feliz com a moça alienígena; se vocês acharam uma forma de consumar sua relação; quem sou eu para me opor? Antártica está muito longe, e nós não somos antárticos comuns. Somos antárticos diferenciados, não se esqueça disso.

–Diferenciados... Sim, acho que somos, mesmo.

–Claro...! Ah, mais uma coisa, coronel; quem disse que eu só tive a Inge?

–Eu achei...

–Achou errado, coronel.

–Entendi. Vamos mudar de assunto, as mulheres estão vindo.

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Continua em O LORDE DO ESPAÇO.

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O conto A TIGRESA III - ESPOSA - forma parte integrante da saga inédita Mundos Paralelos ® – Fase I - Volume III, Capítulo 27; Páginas 145 a 148; e Páginas 151 a 152, e cujo inicio pode ser encontrado no Blog Sarracênico - Ficção Científica e Relacionados:

sarracena.blogspot.com

O volume 1 da saga pode ser comprado em:

clubedeautores.com.br/book/127206-- Mundos_Paralelos_volume_1

Gabriel Solís
Enviado por Gabriel Solís em 28/10/2016
Reeditado em 03/05/2017
Código do texto: T5805667
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